Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Vera Guimarães Martins

O pega-pega da Lava Jato descambou para a histeria na semana passada com a nomeação que daria o foro especial de ministro a Lula e a divulgação de suas conversas com figuras que já gozam de foro privilegiado. As duas cartadas tornaram indissociáveis os imbróglios jurídico e político, incendiaram o clima e deram origem a um debate acalorado sobre legalidade/legitimidade.

Nesse cenário, nada mais lógico que a decisão de Teori Zavascki, o ministro relator da Lava Jato, despontasse como crucial na chuva de ações que desabou sobre o Supremo, parte delas distribuída a outros ministros. Se Sergio Moro é o pilar da investigação, o endosso de Teori às decisões tomadas na primeira instância tem sido o arrimo que salvaguardou o pilar em momentos-chaves. Não faltaram e não faltam interessados na demolição.

Teori divulgou sua sentença na noite de terça (22): era surpreendente não só pela decisão em si mas também pela dureza dos termos em que foi pronunciada. Em suma, ele considerou que a quebra do sigilo dos grampos foi ilegítima, emitida por juízo reconhecidamente incompetente para a causa (devido ao privilégio de foro) e que era descabida a invocação do interesse público da divulgação ou a condição de pessoas públicas dos interlocutores atingidos, como havia feito Moro.

Nada disso saiu no jornal do dia 23. No papel, a Folha limitou-se a relatar a retirada das investigações sobre Lula das mãos de Moro.

O texto do impresso era cerca de 40% menor que o do site (12 x 18 parágrafos), redução comum para adequar o latifúndio digital ao minifúndio do papel. O problema é que, na hora do ajuste, a editoria “Poder” cortou precisamente os trechos em que o ministro dava respostas ao debate que agita não só o meio jurídico como toda a sociedade, mantendo outros muito mais dispensáveis.

Antes que os defensores incondicionais de Moro interpretem a crítica à reportagem publicada como um ataque ao juiz, lembro que a natureza desta coluna é discutir o jornalismo de maneira tão técnica quanto possível. Fosse quem fosse o personagem, o teor e a dureza inédita da sentença eram a alma da notícia. Que ela tenha vindo do relator a faz ainda mais relevante.

O texto original reconhecia essa condição e lhe conferia o devido peso desde a primeira frase (“Em uma de suas decisões mais duras”); outros seis parágrafos davam a argumentação do ministro (http://folha.com/no1753036). Numa barbeiragem da Redação, dançaram todos esses trechos e a frase inicial.

Declara Fábio Zanini, editor de “Poder”: “Os cortes para adequar o texto ao espaço disponível não foram tecnicamente bem feitos, pois deveriam ter preservado as críticas ao juiz de Curitiba”.

Escusas pela crueza, mas a conflagração política não permite tanta diplomacia: o corte foi tão sem noção que custa a crer que tenha sido praticado pela editoria de política. Mais do que qualquer outra, “Poder” está no olho do furacão e é a maior destinatária de mensagens dos leitores, em parte opiniões e cobranças pertinentes, em parte acusações delirantes. Um erro primário como esse tem o condão de alimentar os dois grupos, e com razão.

Em tempo de campos minados, a Redação precisa, mais do que nunca, colocar-se na posição do leitor e adiantar-se às dúvidas que podem surgir até em questões aparentemente prosaicas e pacíficas.

No último domingo, Gregorio Duvivier enviou sua coluna, mas, após o impresso já rodado, reescreveu o texto e pediu que ele fosse trocado no digital. A Ilustrada atendeu ao pedido sem nenhuma preocupação com as dúvidas que naturalmente surgiriam, como se fosse praxe publicar colunas diferentes do mesmo autor no mesmo dia. O aviso de que a mudança havia sido solicitada pelo próprio Duvivier só foi postada no site depois da chegada de mensagens acusatórias de manipulação. Não era óbvio que daria chabu?