Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crítica diária

16/8/07

Confissão?

Título do alto da pág. C4 da Folha: ‘Arquiteta foi morta com pancada na cabeça’.

A reportagem sobre o assassinato de Jamile de Castro Nascimento conta, no terceiro e quarto parágrafos, aqui unidos: ‘Em um primeiro momento, [o porteiro] Santos negou a autoria do crime, mas já era o principal suspeito do caso, pois foi flagrado por policiais com o cartão de crédito e o carro da vítima. Na madrugada de ontem, o porteiro admitiu ter cometido o crime, afirmou o delegado Eduardo de Camargo Lima, da DAS (Divisão Anti-Seqüestro)’.

A ‘confissão’ é citada na linha-fina, que abre com ‘Segundo o delegado’.

Título em duas linhas em alto de página do Estado: ‘Porteiro confessa o crime e diz que matou arquiteta para roubar’. Linha-fina: ‘Vítima foi atraída para dentro da guarita do prédio na Vila Mariana, onde o acusado disse que a golpeou’.

Os repórteres dos dois jornais não contam ter ouvido a confissão do preso, mas a versão da polícia.

Mesmo que elas se confirmem (hoje parece muito provável que o porteiro tenha sido o assassino), a Folha está correta em não assumir relatos policiais.

É preciso ter coragem de não subscrever versões alheias mesmo que elas pareçam verossímeis.

Reportagem policial

A Folha suíta hoje (‘Suposta tortura no Deic será investigada’, pág. C3) furo de ontem: em uma delegacia para cobrir entrevista sobre ações policiais, a equipe do jornal ouviu gritos e barulhos que pareciam de agressão a preso.

Isso virou a notícia principal, com razão.

Faltou, porém, uma informação: quem era o terceiro jornalista presente? Que veículo representava? Ao não informar seu nome, a Folha aparenta usar critérios diferentes para noticiar quem é ‘do meio’ e quem não é.

Um grande flagrante

O repórter-fotográfico Fábio Motta, da Agência Estado, fotografou no Rio o que parecia ser uma ação de agentes da Polícia Federal (vestiam camiseta preta com a identificação da corporação). Eram, tudo indica, ladrões, tomando carro e dinheiro de um empresário.

Na primeira página do Estado e de vários jornais, é um esplêndido flagrante jornalístico.

Os leitores da Folha merecem receber, mesmo com atraso, a seqüência de imagens.

Sem transparência

Artigo do jornalista Roberto Muylaert em Tendências/Debates omite a relação que ele mantém com empresa aérea, editando a revista Ícaro, da Varig. Mesmo que o contrato não exista mais, esteve em vigor por muitos anos. Era obrigação da Folha deixar isso claro no pé biográfico.

Não são poucos os interesses em choque na crise aérea.

Trem da Alegria

Afinal, a qual partido pertencia ou pertence o ex-deputado federal Celso Giglio, autor da proposta que o jornal caracteriza como trem da alegria para servidores?

Lula pró-Renan

Abertura da reportagem da Folha ‘Senado ‘cria caso’ ao investigar Renan, afirma presidente’ (pág. A6): ‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva minimizou ontem a crise em torno de Renan Calheiros (PMDB-AL), dizendo que o prolongamento da história só interessa a quem quer ‘criar caso’. Segundo Lula, o Senado poderia ter resolvido tudo ‘em uma semana’’.

Abertura da reportagem do Estado ‘Lula culpa oposição por demora no caso Renan’: ‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem a defesa pública do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL’.

O lide do Estado informa o principal, não se prende ao declaratório do presidente, explica do que se trata.

A Folha já deu a entender que Lula não defenderia Calheiros e que se concentrava nas articulações para a sucessão do senador na chefia do Congresso. Agora, em vez de apontar o evidente esforço do presidente para salvar o aliado, o jornal traz uma coletânea de declarações que, sem contextualização, deixam o leitor confuso, se comparadas com informações e análises publicadas antes.

A Folha contra o Cansei?

Ontem o jornal publicou entrevista com a atriz Cristiane Torloni, pró-Cansei. Hoje, a entrevistada é a apresentadora Ana Maria Braga.

Não há, em todo o movimento, pessoas ‘comuns’ que não dêem conotação de organização exclusiva de personalidades à associação promotora da manifestação de amanhã? Ninguém tem histórias que fundamentem suas reivindicações, além das duas senhoras escolhidas pela Folha?

O noticiário de hoje deveria comparar o veto do arcebispo de São Paulo à realização do ato dentro da Catedral da Sé com a autorização para outros eventos.

Tão crítica com o Cansei, a Folha foi acrítica com a Igreja.

Não se trata, em espaço noticioso, de ser contra ou a favor do Cansei. Mas de reportar com equilíbrio.

Em compensação

Manifestação oposicionista recente reuniu 3.000 em todo o país e recebeu grande destaque da Folha.

Ontem, a CUT levou 8.000 pessoas para um ato em Brasília. O jornal, agora, publicou apenas um texto-legenda, com uma foto na qual não aparecem mais que dezenas de manifestantes.

Retirada

O jornal não ajuda o leitor a entender por que o ministro Sepúlveda Pertence se aposentou antes de julgar o mensalão. Trata-se de desafio jornalístico relevante e urgente.

Direto ao assunto

Lide da Folha, no texto ‘Possibilidade de demissão entra em proposta sobre agências’ (pág. A9): ‘A criticada atuação da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) na crise do setor aéreo levou a possibilidade de demissão de diretores de agências por incompetência a ser incluída no projeto de lei que trata do funcionamento desses órgãos’.

Lide do Valor, muito melhor e indo direto ao assunto, no texto ‘Governo quer permissão para demitir’: ‘O governo fez ontem, em bloco e de maneira enfática, uma defesa das novas regras que permitam ao presidente da República propor ao Senado a demissão de diretores das agências reguladoras’.

Crise

A capa de Dinheiro (‘Crise faz dólar e Bolsas romperem barreiras’) diz que ontem na Bovespa houve ‘vencimento de contratos’. O que é isso? Em quadra de turbulências, muitos leitores desacostumados ao jargão do mercado financeiro procuram o jornal para se informar. Jornal deve ser feito para o leitor.

A mesma reportagem cita declaração do ‘estrategista-chefe’ de um banco dizendo que investidores ‘estão reduzindo essas posições mais arriscadas’ (‘ativos de maior risco, como Bolsa e títulos de emergentes’).

Só que na pág. B3 se noticia um levantamento da Merrill Lynch com 181 gestores de fundos no mundo inteiro. Resultado divulgado ontem: ‘Os investidores ainda acreditam nas ações de países emergentes como o Brasil’.

Um consultor diz no relatório: ‘Os investidores parecem ver nesta turbulência uma oportunidade para comprar ações’.

Assim, o leitor tem dificuldades para entender o que se passa. É preciso mostrar por que há análises divergentes e procurar esclarecer quais delas têm mais chances de ter razão.

‘Norma de conduta’

Há uma questão importante a investigar sobre as regras que a Comissão de Valores Mobiliários pretende impor ao jornalismo (‘CVM quer norma de conduta para jornalistas’): como a autarquia é vinculada ao Ministério da Fazenda, a iniciativa tem o respaldo do governo federal? Ou seja, o governo a discutiu? Em que nível hierárquico?

A Folha deveria se pronunciar em editorial sobre a descabida tentativa de intervenção na atividade jornalística.

Inflação

O quadro ‘Compare e escolha’ (pág. F2), uma síntese das condições de transporte em trem e avião na Europa, informa que a viagem aérea de Paris a Munique dura 9 horas e 20 minutos e custa 1.207 euros.

Só se incluir algum apagão que eu desconheço e se a crise nos mercados financeiros provocou um aumento despirocado das tarifas.

15/8/07

O papel do jornal

Depois da farta cobertura televisiva de ontem à noite sobre o recall da Mattel, em emissoras de todo o mundo, tudo o que os consumidores (de notícias e brinquedos) precisavam nos jornais hoje de manhã era saber quais produtos ameaçam a saúde e a segurança das crianças e o que fazer para se livrar deles e ser ressarcido.

As TVs, pelo menos as que eu assisti, não informaram a lista.

A Folha fez hoje uma edição muito boa sobre o recall, bem superior à concorrência. Seu maior mérito foi focar no leitor-consumidor, nas suas necessidades de informação.

O noticiário noturno despertou atenção e causou preocupação. O jornalismo impresso matinal informou, detalhou, esclareceu e orientou.

É para isso que serve o jornal. É essa sua razão de existir.

Primeiras páginas

A Folha, corretamente, pôs no alto da primeira página, acima da manchete sobre turbulência no mercado financeiro, o título ‘Mattel anuncia recall de 18,6 milhões de itens’.

O Globo, igualmente no alto e sem ser manchete: ‘Mattel anuncia ‘recall’ de 18,6 milhões de brinquedos’.

O Estado, no pé da primeira página: ‘Mattel faz recall de 21,8 milhões de brinquedos’.

Valor, no pé da primeira página: ‘Brasil entra no recall da Mattel’.

Agora, na dobra inferior, sem considerar problema a expressão inglesa: ‘Empresa faz recall da Barbie e do Batman’.

Diário de S. Paulo, última chamada no pé da primeira página: ‘Fábrica faz recall da Polly, da Barbie e do Batman’.

Extra, no pé da primeira página: ‘Fábrica da Barbie devolverá dinheiro’. (Inspirado título interno: ‘Não é brinquedo, não’.)

O Dia, em manchete de serviço: ‘850 mil brinquedos podem ferir crianças: veja quais são’.

The New York Times, no alto da primeira página, espécie de co-manchete: ‘Mattel faz recall de 19 milhões de brinquedos enviados da China’.

The Washington Post, abaixo da dobra: ‘Mattel faz recall de mais brinquedos feitos na China’.

El País, abaixo da dobra, o segundo título mais importante da capa: ‘Mattel recolhe milhões de brinquedos perigosos’.

O papel do jornalismo

A importância do jornalismo dos EUA e do Brasil na cobertura do episódio não é a mesma.

Lá, onde há mais brinquedos com problemas, a Mattel tomou a iniciativa de publicar anúncios enormes nos diários, orientando os usuários.

Aqui, pelo que li, a empresa só se dirigiu aos revendedores. Ou seja, a cobertura deve dar conta de muitas informações que, no exterior, a Mattel se encarregou de fornecer.

O leitor brasileiro depende mais da imprensa para se informar do que o americano.

O executivo da Mattel no Brasil parecia nas TVs mais preocupado em proteger a imagem da companhia do que em alertar e guiar os consumidores.

A lista

A Folha informa que há 48 artigos da Mattel vendidos no Brasil com problemas. No quadro, contei 36. Quais são os outros 12? É preciso completar.

Além da Folha, só encontrei a lista em dois diários cariocas destinados a público mais ‘popular’, Extra e O Dia.

Sugiro que o jornal acrescente à lista os brinquedos com a marca Fisher-Price do recall divulgado dias atrás.

Jornalismo crítico e de serviço

A Folha trouxe a cobertura mais completa sobre a diferença de tratamento da Mattel aos consumidores dos EUA e do Brasil. Procedimentos como o de telefonar para o 0800 do recall deveria ser mantido hoje e nos próximos dias, monitorando a qualidade do atendimento.

Genéricos

Em todas as grandes cidades do Brasil não faltam falsificações de Polly e Barbie à venda em camelôs e certos estabelecimentos.

O recall se refere somente aos brinquedos de grife, fabricados na China.

E as bonecas ‘made in Paraguay’ (na verdade, boa parte vem da Ásia)? A que perigo estão sujeitas as crianças mais pobres (ou nem tanto) que brincam com as piratarias?

Há alguma orientação aos pais-consumidores-leitores?

Importados

Há uma série de brinquedos, como o ‘carro de chumbo’ da série/filme ‘Cars’ e os da Vila Sésamo, que não foram vendidos no Brasil, diz a Mattel. E o que devem fazer os consumidores que compraram no exterior e os trouxeram para cá? A Mattel vai atendê-los?

Gente

O jornal deveria contar algumas historias de crianças. Sobre como reagiram ao noticiário e à perda (mesma que temporária) de brinquedos queridos (centenas de milhares no país).

O mundo real – Comércio

Não custa nada circular por lojas, das melhores às piores do ramo, para saber se foi interrompida a venda dos brinquedos com problema.

E nas grandes regiões de comércio popular? Alguma preocupação nova dos compradores?

O mundo real – Saúde

O jornal dá número de crianças atendidas em 2006 nos EUA por engolir ímãs de um brinquedo. E no Brasil? Esses acidentes acontecem? O que diz a rede pública e privada de saúde? E os pediatras?

Negócios

Senti falta de algumas informações sobre negócios e indústria: como se comportaram as ações da Mattel em Wall Street, qual o prejuízo da empresa com a seqüência de recalls, qual a diferença de custo entre um brinquedo feito nos EUA ou no Brasil e na China.

Mesmo assim, reafirmo: não deve ser esse o foco da Folha, e sim o consumidor, como se fez com felicidade hoje.

Deu zebra

O verdadeiro boneco assassino não é o Chucky, mas a Polly.

14/8/07

Ressaca

Com a relativa calmaria de volta ao mercado financeiro, um dos focos do jornal hoje deveria ter sido um serviço-noticiário voltado a responder a indagação de tantos leitores-investidores: o que fazer com seu dinheiro?

Embora essa seja característica das edições de segunda-feira, ontem não estava claro como as Bolsas iriam se comportar mundo afora na reabertura depois do fim de semana.

A Folha reafirma um lugar-comum dos momentos de turbulência: ‘A semana deve exigir ainda muito sangue-frio dos investidores’.

Além da constatação, o que mais é possível sugerir? Não falo das ilusões de serviços que apontam caminhos certos quando eles são duvidosos. Mas o jornal poderia ter sido mais útil aos leitores no momento em que muitos deles precisam de informação para se guiar.

O foco do jornal deve ser sempre o leitor. E suas necessidades.

Números e credibilidade

Desde a primeira página, o jornal afirmou que os bancos centrais da União Européia, do Japão e dos EUA colocaram US$ 355 bilhões no mercado financeiro nos três últimos dias de operação.

No quadro ‘Aumento na turbulência’ (pág. B4), a cifra ‘totaliza’ ‘mais de US$ 360 bilhões’.

No contexto, trata-se de diferença mínima. Mas o rigor na divulgação de números é um trunfo de credibilidade para o jornal. Leitores atentos reparam.

Outra diferença, de detalhe: o quadro ‘Queda acumulada’ (pág. B3), acertadamente, arredonda 9,65% para 9,7%.

Na capa de Dinheiro, contudo, a mesma divisão na casa de 5 (17,85%) é arredondada para baixo, e não para cima, na ‘lupa’ do título principal.

Repito: detalhe. Mas também dos detalhes se faz a precisão no jornalismo.

Papel sobrando

Está claro que o texto principal sobre a ressaca tem um certo espírito de resumo geral, apesar da extensão (‘Mercados globais têm dia mais calmo’, pág. B3).

Mas é um desperdício de tempo do leitor e de papel do jornal repetir, em mais de uma retranca, informações em pormenores.

O quarto parágrafo da retranca citada se repete no quinto parágrafo do texto ‘Bovespa chega a subir 1,96%, mas cai 0,39%’ (também na pág. B3).

O quinto parágrafo do primeiro texto se repete no segundo do seguinte.

Será?

O texto ‘Ações de emergentes batem preço das de Europa e EUA’ (pág. B4) é assinada pela Bloomberg e pela Reportagem Local. Trecho: ‘Atualmente, os investidores dizem que os mercados emergentes são tão estáveis quanto os EUA, a Europa e o Japão’.

OK. E a Folha, o que diz? Concorda com ‘os investidores’? Ou discorda? Com base em que informações e análises?

Na página anterior, a B3, o quadro ‘Queda acumulada’ mostra que o tombo nas Bolsas de Argentina, Brasil e México foi maior que nas dos EUA, Europa e Ásia. Esse dado sustenta a avaliação dos ‘investidores’?

Não era possível ser mais cético e crítico ao reportar a evolução dos mercados emergentes em comparação com cenários passados?

Supercomplicado

A Folha titula: ‘Adesão ao Supersimples deve ter nova prorrogação’ (pág. B12).

O Globo informou que a decisão de prorrogar já foi tomada (o prazo passou para 20 de agosto).

O texto da Folha não disse qual seria a nova data limite para as pequenas empresas aderirem. A linha-fina, contudo, afirmou que será no dia 31. Aparentemente, houve confusão com a data para pagamento de tributos do Supersimples referentes a julho. Nesse caso, seria recomendável corrigir.

O colunista Benjamin Steinbruch escreve hoje sobre o programa da Receita. O título desta nota copia o de sua coluna.

Leitores têm afirmado ao ombudsman que o Supersimples, em muitos casos, aumenta a carga de impostos, em vez de diminuí-la.

Quem?

No meio do texto ‘Emprego industrial pára de crescer em junho, diz IBGE’ (pág. B9) surge um certo Macedo, sem prenome nem qualificação, com declaração entre aspas.

Quem é Macedo?

Boa tirada

Na edição de ontem do seu ‘ex-blog’, Cesar Maia reproduziu as respostas de vários economistas, na edição dominical da Folha, à pergunta ‘Quanto tempo vai durar a turbulência?’.

Avessos ao chute, eles responderam, responsavelmente, ser impossível prever.

Comentário do prefeito do Rio: ‘Depois, reclamam dos políticos’.

Tropeço da Petrobras

Dinheiro dedica a capa ao tropeço da maior empresa do país: ‘Lucro da Petrobras cai 20% no semestre’.

Apenas um ‘especialista’ de fora da companhia foi chamado a comentar o resultado. Em nome dos valores de pluralismo e jornalismo crítico consagrados na Folha, a avaliação da gestão da empresa deveria ter sido mais aprofundada. Hoje, houve virtual monopólio de (auto) análise, com a Petrobras opinando sobre a Petrobras.

Opções

Título de alto de página (A11) de Mundo, sobre pesquisa do instituto Zogby: ‘Americanos querem diálogo com Cuba’.

Título da chamada de primeira página da edição Nacional: ‘Maioria nos EUA defende a suspensão do embargo a Cuba’.

Na edição São Paulo, o título da capa foi mudado para ‘Nome de Lula é desconhecido para 69% dos americanos’.

Este é um aspecto do levantamento que no texto de Mundo, acertadamente, não tem maior destaque (está no quinto parágrafo).

Convite ao debate

Os leitores ganhariam se a Folha convidasse o poeta Décio Pignatari e o economista Eduardo Gianetti da Fonseca a escrever sobre as críticas que lhes fizeram, domingo e hoje, dois colunistas da casa: Ferreira Gullar e Marcos Nobre.

Liberdade de imprensa

O Estado noticia que, depois da organziação Repórteres Sem Fronteira, mais uma entidade de defesa da liberdade de imprensa critica o governo brasileiro e o PT por ‘autoritarismo’: a Overseas Press Club of America, com sede nos EUA.

A Folha deveria recuperar a informação, ouvindo a associação americana e o governo federal.

Bola quicando

Três notas na pág. E2 revelam novo episódio de tensão na Osesp. Vale reportagem.

13/8/07

Os furos da hora e o fetiche do furo

Verbete ‘furo tomado’ do ‘Manual da Redação’ (Publifolha, 2001, pág. 42): ‘A Folha não deixa de publicar informação que outro jornal, revista, emissora de rádio ou TV já tenha noticiado com exclusividade. A Folha cita nominalmente o veículo de comunicação que tenha dado um furo importante’.

Essa orientação tem assegurado na maioria das vezes transparência sobre informações relevantes veiculadas por concorrentes.

Não foi o que ocorreu na sexta-feira, na reportagem ‘Piloto acertou manete em pouso anterior’ (pág. C1). Pior, o jornal reivindicou um furo que não foi seu: ‘Os dados confirmam a hipótese principal do acidente, conforme e Folha revelou na quarta-feira da semana passada, de falha operacional de posição dos manetes (alavanca de controle da potência das turbinas)’.

O furo da Folha com dados inéditos da caixa-preta do Airbus, confirmado horas mais tarde em sessão da CPI do Apagão Aéreo, foi um bom trabalho. Mas quem apontou a posição errada dos manetes foi a Veja, dias antes.

Trecho da reportagem da revista: ‘Essas informações, ainda mantidas em sigilo pela comissão da Aeronáutica que investiga o acidente, mostram que uma das duas alavancas que regulam o funcionamento das turbinas, chamadas de manetes, estava fora de posição quando o avião tocou a pista principal do Aeroporto de Congonhas’.

Também na sexta, a Folha acertou ao dar o crédito ao ‘Extra’ pela reportagem sobre a farra dos boxeadores cubanos nos dias de liberdade no Estado do Rio.

Já o Extra do mesmo dia publicou manchete (‘Aliciador de cubanos tinha livre trânsito na Vila do Pan’) com informação divulgada pela Folha cinco dias antes. Não deu o crédito.

Sobre ‘furo ou informação exclusiva’, o ‘Manual’ comenta: ‘A reportagem visa em geral a informação exclusiva (o furo). Este ganha especial importância nas condições contemporâneas de reprodução de notícias por afirmar, para o leitor, a prevalência do jornal que ele lê sobre os demais jornais e meios de comunicação’.

De acordo. Não custa assinalar, no entanto, que o furo é um componente do jornalismo de qualidade. Não se faz bom jornalismo diário sem furos, nem somente com eles. Às vezes tenho a impressão de que se encara o furo quase como um fetiche jornalístico, relegando a segundo plano aspectos igualmente importantes como densidade, contextualização, clareza, organização da informação e outros. Nem sempre quem dá mais furos faz a melhor cobertura. Assim como, sem furos, não se é o número 1.

Semana do Cansei

Vi no Estado e na Isto é anúncios da manifestação do movimento Cansei programada para a sexta-feira.

Nas duas páginas da revista, chama a atenção, entre os signatários que convocam o ato, a Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV). Valeria a pena ouvir a entidade sobre a adesão.

Os leitores ganhariam se a Folha, nos dias que antecedem a manifestação, fosse mais plural ao noticiar o Cansei. Até agora, parece que apenas personalidades –empresários, artistas, socialites– se associaram a ele. Não há pessoas ‘comuns’? Como agem os parentes de vítimas da tragédia de Congonhas? A ‘politização’ –ou seja, o viés oposicionista– é generalizada?

O jornal já tem espaços suficientes de opinião (no mais das vezes contra o Cansei, incluindo cartunistas). Ao noticiário, cabe informar, sem tomar partido.

Questão de gênero

Os leitores da Folha não foram informados que ontem um bandeirinha garfou escandalosamente o Botafogo no jogo contra o Figueirense.

Os do Estado foram, mas não leram o nome do bandeirinha.

Era homem.

Quando a bandeirinha Ana Paula Oliveira errou contra o time carioca, contra o mesmo Figueirense, fez-se um escarcéu.

Datafolha, de novo

Pelo segundo domingo consecutivo, a manchete anuncia pesquisa do DataFolha. Não sou contra o procedimento. O problema é, a mais de um ano do pleito paulistano, a Folha não ter obtido, por esforço próprio, trabalho jornalístico mais interessante para destacar.

Está claro que o cenário é positivo para Alckmin, difícil para Marta e que Kassab se vitaminou. Não entendi, porém, por que o jornal não afirmou que, no cenário com os três, a ministra e o ex-governador estão tecnicamente empatados no primeiro turno. Ele tem 30%. Ela, 24%. Como a margem de erro é de três pontos, eles não poderiam estar empatados em 27%?

Talvez o resultado mais impressionante seja o avanço de Kassab. Em 20 de julho sua administração recebeu 35% de avaliações negativas (péssima ou ruim). Agora, 23%. O jornal não contribuiu para entender o progresso do prefeito. O que mudou em tão pouco tempo? O reconhecimento das mudanças visuais da cidade vem de antes. Seria a atuação nos dias seguintes à tragédia de Congonhas, em 17 de julho?

A Folha lê a Folha? – Garotinhos

No sábado, o jornal publicou que os ex-governadores Garotinho e Rosinha seguem inelegíveis.

No domingo, a nota ‘A missão’ (pág. A4) cogitou candidaturas dos dois, como se não houvesse impedimento legal, do qual eles recorrerão.

A Folha lê a Folha? – Mendonção

Na quinta, a nota ‘Reprise’ (pág. A4) afirmou que o ‘desenvolvimentista’ Luiz Carlos Mendonça de Barros foi ‘recentemente convertido à facção adversária’, dos ‘monetaristas’ do PSDB.

No domingo, Mendonça de Barros aparece novamente como ‘desenvolvimentista’ no painel de entrevistas ‘Economistas não vêem crise sistêmica’ (pág. B7).

Qual a informação correta?

Onde fica?

O jornal ajuda os leitores localizando com mapas os locais abordados por seus textos. No domingo, a reportagem ‘Advogados decidirão divisão do Ártico’ (pág. A27) acompanhou-se de uma fotografia desimportante. Importante teria sido publicar um mapa.

A lição do ‘outro lado’

Mesmo sem respostas de impacto, foi um feito a Folha dominical ter publicado uma entrevista por escrito com o traficante colombiano preso Juan Carlos Ramírez Abadia. Lição: mesmo em condições adversas, é possível obter o ‘outro lado’.

Uma grande história

Está por ser contada a saga da equipe do IML que está prestes a concluir a identificação dos corpos das vítimas de Congonhas.

Quanto drama, heroísmo, tropeços e superação não há na história dessa gente que trabalha sem dormir para permitir que as famílias enterrem seus mortos.

Pelo telefone

A Folha continua longe de Alagoas na cobertura do affaire Renan. O furo da semana, de novo, é da Veja: o usineiro João Lyra confirma a sociedade secreta com o presidente do Senado.

O trabalho de contar

O texto ‘Pais separados protestam em Copacabana’ (pág. C4 de hoje) afirma que ‘cerca de 30 pessoas participaram da manifestação, diz o movimento’.

Como assim, ‘diz o movimento’? A Folha não estava presente, com pelo menos um repórter (fotográfico)? Não podia contar? Até isso tem que ser informação ‘oficial’? Contar três dezenas de pessoas não equivale a calcular multidão.

O trabalho de apurar

O texto ‘Congonhas tem 28% dos vôos cancelados’ (pág. C6 de hoje) afirma que ‘a Infraero não explicou a causa dos problemas’ (cancelamentos e atrasos).

Assim deu-se por satisfeita a reportagem.

Ora, por que o jornal não foi apurar nos check-in, no balcão de vendas, com tripulantes e funcionários das empresas aéreas, com os passageiros prejudicados? Repito: há indícios de que as companhias estão cancelando vôos para voar com as aeronaves mais cheias. É legal abusar desse expediente? Se não houve problemas na pista (a não ser em horário marginal) nem no restante da operação do aeroporto, por que tanto cancelamento?

Outra passagem: ‘Segundo Jobim, Congonhas chegou a receber 18 milhões de passageiros por ano, quando sua capacidade é de 12 milhões’.

Por que ‘segundo Jobim’? A Folha não tem a informação? Não a publicou? Por que não a assume? Por que depender de autoridade falar? Por que tanto oficialismo? O importante, para o leitor, é saber se o jornal banca ou não a informação.

Sugestão de leitura

O colunista José Alexandre Scheinkman publicou um artigo interessante no domingo: ‘Uma conspiração da grande imprensa?’ –’Estudo estima que a cobertura nos jornais dos EUA reflita mais a demanda do leitor que a identidade dos proprietários’ (pág. B2).

Breve contribuição ao Erramos 1

Erro meu, correção para publicação imediata: ao contrário do que sugeriu a coluna do ombudsman no domingo, o presidente da OAB-RJ não esteve pessoalmente com os pugilistas cubanos que desertaram no Pan. Quem conversou com os atletas –e contou ter ouvido o pedido para regressar a Cuba– foi um representante do Ministério Público Federal.

Breve contribuição ao Erramos 2

A nota ‘Orquestra de músicos das ruas toca no Sesc’ (pág. E11 de domingo) afirma que ‘Súplica Cearense’ é composição de Luiz Gonzaga. Que eu saiba, ele é intérprete, não o autor.’