Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Lewandowski recua e diz
que não foi pressionado


Leia abaixo os textos de sexta-feira selecionados para a seção Entre Aspas.


************
Folha de S. Paulo


Sexta-feira, 31 de agosto de 2007


MÍDIA & POLÍTICA
Eliane Cantanhêde


Teatro do absurdo


‘BRASÍLIA – Já não se fazem mais Supremos Tribunais Federais como antigamente. Hoje, ministros trocam e-mails durante sessões históricas, tratam os colegas por apelidos jocosos, são suspeitos de acertar voto e, alguns, de delegar seus votos para assessores.


O novo lance, flagrado pela repórter Vera Magalhães, foi o telefonema do novato Ricardo Lewandowski (da leva Lula) em que ele acusa os ministros de não ‘amaciar para o Dirceu’ porque votaram ‘com a faca no pescoço’, ‘acuados pela imprensa’. Os louros pela decisão histórica duraram dois dias e foram triturados em dez minutos.


Os ministros se sentiram atingidos e reagiram mal, evidentemente, exigindo uma manifestação enérgica da presidente do Supremo, Ellen Gracie, que só no meio da tarde soltou uma nota tão formal quanto ela própria.


Quem se deu bem foi Dirceu, que -com toda a razão, diga-se de passagem- agora quer melar o julgamento e, brandindo a Folha, encenou uma inversão de papéis: em vez de réu por corrupção ativa e formação de quadrilha, ele se colocou como vítima num ‘teatro do absurdo’.


A adaptação rápida do roteiro dificilmente vai colar, pois o único voto a favor de Dirceu foi justamente de Lewandowski. Mas dá força para Dirceu exercitar sua forte liderança sobre os setores do PT que não aceitam fatos e insistem na tese da ‘conspiração da mídia’.


Se há conspiração, não é só da mídia. Senão, vejamos: começou com Roberto Jefferson, aliado de Dirceu, ficou sob a mira da imprensa, passou para as CPIs, foi ratificada pelo procurador-geral da República, admitida pelo ministro Joaquim Barbosa (da ‘elite branca e rica’?) e afinal votada em bloco pelo Supremo. Haja conspiração! Lewandowski lançou suspeição sobre o Supremo. Se o ministro Eros Grau (‘Cupido’) cumprir a ameaça de processá-lo, ele pode vir a se juntar a Dirceu -como réu.’


Nelson Motta


Ficção ou confissão?


‘RIO DE JANEIRO – Foi tudo uma conspiração da imprensa, da oposição conservadora, da Procuradoria Geral da República e do Supremo Tribunal Federal para destruir José Dirceu: ‘uma tentativa da oposição e da elite de inviabilizar o governo Lula e o projeto político que o PT e o presidente representam’, afirmou em nota. Se as denúncias do procurador-geral eram uma ‘peça de ficção’, como disse o advogado de José Dirceu, o que dizer então desse argumento?


Além de péssima ficção, inverossímil até para militantes partidários, é sobretudo uma confissão de culpa. Afinal, para que tão diversas forças se unissem contra ele, Dirceu seria mesmo o líder do ‘projeto político que o PT e o presidente representam’. Nada se fazia, muito menos em negociações políticas, sem o seu aval. Como imaginar que Delúbio, Marcos Valério e os deputados petistas tomassem tantas e tão graves decisões sem consultá-lo? Dirceu não é Waldir Pires, os ministros do STF não são idiotas. O único a votar a favor de Dirceu foi, ‘com a faca no pescoço’, Lewandowski.


Em Watergate também não havia ‘provas’ contra Nixon, mas evidências e testemunhos, que, revelados e processados, o levaram à renúncia. Que prova quer Dirceu? Uma ata de reunião da turma, assinada por todos, com os planos, nomes, cargos e quantias? Talvez nem isso bastasse: seu braço direito Waldomiro Diniz foi gravado pedindo propina há três anos e continua impune.


A única possibilidade de absolvição de Dirceu é a improvável hipótese de Valério, os petistas e os aliados no esquema serem inocentados. Mas, se forem condenados, nem um advogado ficcionista poderá dizer que Dirceu ignorava as negociações e seus objetivos.


Porque não existe uma quadrilha sem chefe. Nem um projeto político sem líder.’


Vera Magalhães e Silvana de Freitas


Pressão não mudou voto, diz Lewandowski


‘O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, 59, confirmou que se sentiu com a ‘faca no pescoço’ com a intensa pressão da imprensa sobre o julgamento que decidiu pela abertura de ação penal contra os 40 acusados no mensalão. Disse, porém, que isso não influenciou seu voto ou o resultado do julgamento.


Lewandowski confirmou o teor de sua conversa telefônica testemunhada pela Folha na noite de terça e publicada na edição de ontem. Nela, dizia que o ‘Supremo votou com a faca no pescoço’. Disse que conversava com o irmão, Marcelo, e que se sentiu ‘atingido’ com a divulgação do telefonema e da troca de mensagens on-line entre ele e a colega Cármen Lúcia, na semana passada.


Lewandowski afirmou que a pressão da mídia não pode afetar a ‘tranqüilidade’ dos magistrados para julgar. Comparou sua situação com a do protagonista do livro ‘O Processo’, de Franz Kafka, que é processado sem saber a razão.


Também usou a obra ‘1984’, de George Orwell, que trata de uma sociedade totalitária em que os cidadãos são monitorados por um líder onipresente, o ‘Grande Irmão’, para criticar o papel da imprensa. ‘A imprensa não pode ser o único árbitro do tênue limite que separa o público e o privado.’


FOLHA – Sua conversa telefônica reflete a sua opinião sobre o julgamento? O sr. acha que os ministros se curvaram à pressão da imprensa?


ENRIQUE RICARDO LEWANDOWSKI – Não, os ministros são absolutamente independentes. Os debates foram públicos, duraram cinco dias. A nação brasileira viu o alto nível técnico deles. Não houve nenhuma interlocução espúria, escusa, de bastidores. Os ministros expuseram o seu ponto de vista. Eu apliquei 15 anos de magistratura. Na questão da quadrilha, dei um voto calcado em bases técnicas.


FOLHA – Então qual foi o contexto da conversa telefônica?


LEWANDOWSKI – Foi um desabafo com o meu irmão Marcelo, que me ligou prestando solidariedade e discordando de algumas posições, me cobrando, como cidadão. Eu votei com absoluta independência. Não tenho compromisso com ninguém. O que eu senti é que o STF foi submetido a uma pressão violentíssima da mídia. Flashes espocando, jornalistas na porta da minha casa. O juiz precisa ter tranqüilidade para julgar.


FOLHA – Na troca de mensagens, trata-se de conversa de dois ministros do STF em sessão de julgamento a que a imprensa tinha acesso.


LEWANDOWSKI – Eu acho que a imprensa presta um papel relevantíssimo, fundamental para a democracia. Sem imprensa livre, absolutamente sem peias, não existe Estado democrático. No caso da minha comunicação com a ministra Cármen Lúcia, esse é um instrumento de trabalho, interno. Nessa nossa intranet, é comum fazermos brincadeiras com os colegas. [No restaurante em que dei o telefonema] eu estava com a minha esposa, com quem sou casado há 30 anos. Nunca vi o Kakay [advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, dono do restaurante, que estava presente]. Informar o vinho que eu tomei, o que eu comi…


FOLHA – O sr. pensa que o julgamento era tão importante a ponto de suscitar um acordo?


LEWANDOWSKI – Não, não. Acho que o julgamento era importante a ponto de as pessoas refletirem, mudarem de posição. Acho que as pessoas estavam extraordinariamente submetidas à mídia. Conheço o Eros Grau há 30 anos. Tenho o maior apreço e admiração por ele. Conheço a isenção dele.


FOLHA – Nesse julgamento, o STF contrariou a doutrina e a jurisprudência predominantes?


LEWANDOWSKI – Não, eu acho que o voto do ministro Joaquim Barbosa foi tão técnico, tão vertical, tão satisfativo, que a sustentação oral do procurador-geral da República foi tão contundente que acabou afastando os argumentos dos advogados. Portanto os ministros com a liberdade que têm, acharam que a jurisprudência não se aplicava no caso.


FOLHA – O que o sr. quis dizer quando afirmou que os ministros votaram ‘com a faca no pescoço’?


LEWANDOWSKI – Falei com relação a mim e falei com meu irmão, na intimidade. Por isso posso ter usado um termo não apropriado. Eu me senti com a faca no pescoço. Eu me mantive firme, dei um voto técnico na questão da quadrilha. Com relação a Delúbio, Silvio Pereira e outros, acatei a questão da quadrilha. Com relação à corrupção ativa de José Dirceu, acatei. Com relação a lavagem de dinheiro, peculato, eu acatei tudo, ponto a ponto, e justifiquei o meu ponto de vista.


FOLHA – O sr. acha que havia uma dúvida maior em relação ao enquadramento do ex-ministro José Dirceu, já que o sr. disse que a tendência era ‘amaciar’?


LEWANDOWSKI – Primeiro, eu não sei se usei a palavra ‘amaciar’. Mas eu acho que amaciar é no sentido de que, pela avaliação que eu tinha, eu achei que determinados pontos da denúncia cairiam pela inconsistência. Prevaleceu a opinião soberana de cada ministro.


FOLHA – O sr. acha que o resultado foi alterado pela divulgação das mensagens?


LEWANDOWSKI – Não. Achei que o julgamento ficou mais tenso, os ministros justificaram suas posições com mais detalhamento. A imprensa me critica porque fiquei isolado num voto em que tive convicção. Se eu não puder fazer isso, por Deus do céu, prefiro ir embora.


XXX


Ministros do STF negam ter votado com ‘faca no pescoço’


ANDREZA MATAIS RANIER BRAGON


‘Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) rebateram ontem a afirmação de que analisaram a denúncia do mensalão com a ‘faca no pescoço’. Mas pelo menos um deles, Marco Aurélio Mello, admitiu que a frase dita pelo colega Ricardo Lewandowski pode dar margem a pedido de anulação do julgamento que abriu processo contra os 40 acusados de integrar o esquema.


‘Fiquei perplexo, diria impactado. Hoje já tivemos a entrevista de José Dirceu [segundo quem o julgamento está sob suspeição] e passa a ser um gancho. Agora, se será um gancho profícuo em termos de insubsistência da decisão, é o que precisaremos ver posteriormente’, disse Marco Aurélio.


O clima ontem no STF era de grande constrangimento. Lewandowski procurou os colegas pessoalmente para se explicar e disparou bilhetinhos durante a sessão ao relator do mensalão, Joaquim Barbosa.


À tarde, nota assinada pela presidente do tribunal, Ellen Gracie, assinalou ‘que o STF não permite nem tolera que pressões externas interfiram em suas decisões’, sendo que ‘os fatos, sobretudo os mais recentes, falam por si e dispensam maiores explicações’.


Lewandowski é um dos dez ministros do STF que analisaram a abertura de processo contra os acusados no mensalão. Em telefonema relatado ontem pela Folha, ele diz que ‘todo mundo votou com a faca no pescoço’ e que a ‘imprensa acuou o Supremo’ frustrando uma suposta tendência de ‘amaciar para o Dirceu’. O ex-ministro da Casa Civil teve processo aberto por corrupção ativa e formação de quadrilha.


‘Se é procedente o que está na Folha, ele [Lewandowski] se referiu a todos. Agora, que ele não tenha nos julgado por ele próprio’, disse Marco Aurélio. Afirmou ainda que é preciso ter ‘parâmetros’ e que Lewandowski teria cometido um ‘pecadilho lamentável’.


‘Ele procurou um a um, muito constrangido, muito aborrecido, para asseverar que não foi aquilo o que ele conversou por telefone’, disse. Mas, em entrevista gravada ontem à Folha, Lewandowski confirmou o teor de suas afirmações e apresentou contextualização a elas.


Eros Grau também criticou o colega, de forma indireta. ‘Não falo nada, nunca usei o celular para dizer o que não devia dizer’. Mensagens eletrônicas trocadas por Lewandowski e Cármen Lúcia (que não apareceu ontem na sessão) sugerem um suposto acordo entre Grau e o governo que envolveria a indicação feita por Luiz Inácio Lula da Silva para a 11ª cadeira do tribunal. Eros rebateu a suposta ‘faca no pescoço’ -’Ninguém ousou, eu sou muito grande’- e rejeitou também a possibilidade de o julgamento ser questionado. ‘O Brasil assistiu ao julgamento, histórico, transparente, não há o que questionar.’


‘Está para nascer alguém que coloque a faca no meu pescoço para eu decidir. Vai perder o tempo. Jamais houve isso, não me senti acuado, pressionado, muito menos com faca no pescoço’, afirmou Carlos Ayres Britto. ‘Essa é uma pressão normal. Todo dia estamos julgando (…) e não estamos preocupados com a opinião dos senhores [jornalistas]. Recentemente, na segunda turma, um esquartejador foi liberado porque se entendeu que a prisão provisória não se justificava, embora soubéssemos que a matéria iria ser criticada’, afirmou Gilmar Mendes, que também disse não ver motivo para questionar o julgamento.


Antes da sessão de ontem, Lewandowski reuniu Ellen, Barbosa e Britto em uma parte da ante-sala do STF e falou por cerca de 15 minutos. A cena pôde ser vista do lado de fora do tribunal. Na sessão, ele chegou a falar ao telefone.’


Lilian Christofoletti e Fernando Barros de Mello


Defesa descarta pedir a anulação de decisão


‘Advogados de acusados no caso do mensalão afastaram, pelo menos por enquanto, a possibilidade de usar a conversa flagrada do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, para tentar anular o julgamento.


‘A reportagem é impactante, me leva à reflexão, mas, como advogado, não vou interpor medidas para anular o julgamento’, diz José Luís Oliveira Lima, que defende José Dirceu. Em conversa por celular ouvida por uma repórter da Folha Lewandowski disse que a ‘tendência era amaciar para Dirceu’ e ‘todo mundo votou com a faca no pescoço’.


Luiz Fernando Pacheco, que defende o deputado federal José Genoino (PT), afirma que as frases dizem respeito ao Supremo, que deveria se pronunciar.


Para Modesto Guimarães Filho, que advoga para o ex-ministro Anderson Adauto, a única pressão aceitável para um magistrado é a da ‘consciência baseada nos fatos e no domínio da técnica legal’.


‘Um homem que está no Supremo não pode se sentir intimidado. Se não tem independência, não pode ser da Suprema Corte. Eu especificamente não tomaria nenhuma medida’, afirma o defensor.


Advogado de João Paulo Cunha (PT), Alberto Toron diz que se trata mais de um sentimento do ministro sobre o julgamento. ‘É uma impressão do ministro. Posso até concordar com a sensação dele, mas não chegaria ao ponto de pensar em uma nulidade.’


José Roberto Leal de Carvalho, advogado do ex-ministro Luiz Gushiken, afirma que não falará sobre o caso. ‘Eventualmente possa querer tomar alguma providência.’ Outros advogados também não quiseram se pronunciar sobre o episódio.


O fato de Lewandowski ser ministro da última instância do Judiciário é um dos fatores apresentados por advogados para não pedir a revisão do julgamento.’É uma circunstância nova, incomum. Precisa haver cautela. Em se confirmando o que o ministro disse, até é possível questionar, mas com conseqüências imprevisíveis, já que o Supremo é o juiz do Supremo’, diz Luiz Francisco Barbosa, advogado do deputado cassado Roberto Jefferson.


Marcelo Leonardo, que defende o empresário mineiro Marcos Valério, disse que a revelação ‘no mínimo cria constrangimento’ ao STF.


Dos advogados ouvidos, cinco afirmaram que a divulgação do diálogo faz parte do trabalho da imprensa. Dois disseram que a atitude invadiu o direito à privacidade do ministro.’


***


Com pizza no cardápio, homenagem a João Paulo vira ato contra STF e mídia


‘Jantar realizado ontem em homenagem ao deputado federal João Paulo Cunha virou um ato de apoio aos petistas que são réus na ação sobre o mensalão no STF.


‘Eu sei de companheiros que não vieram por medo’, disse João Paulo. José Dirceu e José Genoino não estiveram no encontro, que reuniu cerca de 150 pessoas. ‘Se a gente ficar parado, eles [a elite e imprensa] vão pisar na nossa cabeça’, disse o deputado, que foi absolvido no processo de cassação na Câmara em 2006.


Todos os discursos atacaram a ‘mídia’ e os jornalistas no evento foram vaiados. O encontro foi realizado em uma churrascaria na Saúde, zona sul de São Paulo, mas o cardápio contou com pizza e salgadinhos. O dirigente petista Sérgio Ribeiro justificou: ‘[A pizza] é emblemática para nós porque estamos sendo assados’.


O ato também homenageou a ex-deputada Angela Guadagnin, que se notabilizou pela ‘dança da pizza’, quando comemorou a absolvição do deputado João Magno. Durante o jantar, deputados petistas criticaram a decisão do STF da acatar a denúncia sobre o mensalão . ‘Eles não são culpados. São réus. O Supremo ficou menor nesse processo’, disse Jilmar Tatto, para quem ‘paira uma dúvida se a decisão foi técnica ou política’. Já o líder do PT na Câmara, Luiz Sérgio (RJ), afirmou que ‘seus companheiros estão sendo massacrados’. O deputado Devanir Ribeiro disse que ‘o julgamento foi tão confuso que hoje tem ministro do STF querendo processar outro ministro’.


João Paulo afirmou: ‘Se um ministro do Supremo diz isso [referindo-se a Lewandowski], como eu vou me defender?’.’


ECOS DA DITADURA
Eliane Cantanhêde


Recado de Jobim foi ‘afronta desnecessária’, dizem oficiais


‘Os comandos militares classificaram a ameaça feita anteontem pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, como ‘afronta desnecessária’, já que Exército, Marinha e Aeronáutica não pretendiam soltar nenhuma nota nem dar entrevistas sobre o livro-relatório ‘Direito à Memória e à Verdade’, sobre torturas e mortes no regime militar.


No seu discurso, durante o lançamento do livro, no Planalto, Jobim disse que ‘não haverá indivíduo que possa reagir [ao livro] e, se houver, terá resposta’. A fala foi considerada um recado aos militares, que vinham reclamando, mas só internamente, de o governo ter assumido o livro como texto de Estado. Os comandantes não foram convidados para o evento -se fossem, nenhum iria.


Os militares consideraram o discurso do presidente Lula como ‘moderado’ e ‘apropriado’, e disseram não entender por que Jobim tinha de adotar um tom agressivo, se a solenidade em si já era sentida como um ataque. ‘Doeu’, disse um militar ouvido pela Folha. Isso pode criar constrangimentos nas relações do ministro com os oficiais, mas a decisão dos comandantes é agir com ‘disciplina’ e prosseguir com as reuniões sobre reaparelhamento das Forças.


Eles também elogiaram o discurso do secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, que agradeceu a colaboração recente das três Forças para esclarecer fatos e denúncias sobre a tortura e morte de presos políticos.


A posição do Exército quanto à promessa de Lula de criar uma comissão para encontrar os restos mortais dos ainda hoje desaparecidos da guerrilha do Araguaia é de descrença. Oficiais lembravam ontem que desde o primeiro ministro da Defesa, José Viegas, há empenho das três Forças de identificar os locais dos corpos, sem êxito.’


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Petrobras, a gigante ‘ator global’


‘Depois que o ‘Financial Times’ destacou a Petrobras como uma das ‘sete novas irmãs’ do petróleo, semanas atrás, ontem foi a vez do ‘Wall Street Journal’. Na capa, o enunciado ‘Como um gigante adormecido do petróleo se tornou ator global’ e o subtítulo ‘Petrobras explora poço de talento brasileiro; inspirada por um girino’, este uma referência à técnica desenvolvida para limpar dutos.


A explicação foi semelhante à do ‘FT’: o controle das reservas, hoje superiores às das antigas ‘irmãs’ Exxon e Chevron, mais o domínio de tecnologia, a presença em 27 países, o etanol etc. Foram ouvidos, entre outros, José Gabrielli, presidente da estatal, Haroldo Lima, da agência de petróleo, e FHC -que de novo ‘não queria privatizá-la integralmente’, apenas ‘flexibilizar’ ou ‘usar forças de mercado’, outra suposta razão para o avanço da estatal.


E A COLÔMBIA VENDE


Talvez por coincidência, o ‘Christian Science Monitor’ e a ‘Economist’ destacaram o início de uma ‘privatização parcial’ da estatal de petróleo da Colômbia, ontem, ‘contra a onda na América Latina’.


Diz a revista que ‘o modelo apresentado pelo governo colombiano’, para a decisão até ironizada como ‘fora de moda’, seria a Petrobras.


ESTATIZAR A VALE?


O blog de Lauro Jardim na Veja On-line deu que João Stedile divulga hoje as suas ações pela retomada da Vale.


E Alon Feuerwerker gostou da idéia, sublinhando o preço ‘30 vezes menor’, na venda por FHC -e ironizando que, ‘de onde menos se esperava, acaba de chegar o argumento para a retomada do controle’. Do ‘WSJ’, sobre a Petrobras.


BRASIL ‘OFFSHORE’


A ‘Economist’ levantou os melhores países em ‘serviço offshore’ -a transferência ao exterior de tarefas pelas empresas, sobretudo dos EUA, onde é chamada de ‘exportação de empregos’.


Índia e China seguem na dianteira, longe dos demais. A novidade é o Brasil em quinto, após ‘esforços de promoção da exportação de serviços’.


SP E A CHINA


Nos estatais ‘China Daily’ e ‘Diário do Povo’, ontem, a notícia de que ‘a província chinesa de Guangdong e o Estado brasileiro de São Paulo’ fecharam acordo para ampliar ‘trocas’. A província já seria, hoje no brasil, ‘um dos maiores investidores’.


OS MEDOS DE FIDEL


Saiu no ‘Washington Post’, na BBC e outros a decisão de Cuba de não enviar qualquer boxeador para o campeonato mundial de Chicago, no mês que vem. É oficialmente para não expor os cubanos aos ‘abusos e provocações’. Diz o ‘WP’ que é resultado direto dos ‘medos de Fidel Castro’ de repetir o Pan do Brasil.


‘CHECK-UP’


A cadeia McClatchy, de jornais tipo ‘Miami Herald’, enviou um correspondente a Ciudad Del Este, na enésima reportagem sobre a tríplice fronteira, o ‘apoio a grupo terrorista’ etc. Desta vez foi para confirmar, desde o título, se ‘Brasil e Paraguai tentam reinar na fronteira sem lei’.


AS ATROCIDADES


Do blog liberal ‘The Huffington Post’, dos principais dos EUA em política, ao espanhol ‘El País’, da BBC à Al Jazeera, ecoou ontem a publicação, no destaque do blog americano, da ‘lista oficial de atrocidades cometidas sob poder militar’, na ditadura. É ‘a primeira vez’, citaram vários relatos. O correspondente no Rio Juan Arias, de sua parte, destacou desde o título que é livro ‘polêmico’.


ANISTIA E OS ÍNDIOS


A agência Reuters noticiou que a Anistia Internacional ‘louvou a decisão do Brasil de tornar reservas indígenas as terras reivindicadas pela produtora de papel e celulose Aracruz’. A área é equivalente a ‘15 mil campos de futebol’. A organização afirmou que as tribos tupiniquim e guarani locais estavam ‘vulneráveis’.


SUA TV NÃO MOSTROU


O site Vi o Mundo, de Luiz Carlos Azenha, ex-Globo, abriu uma nova série sobre o que ‘Sua TV não mostrou’.


Ontem, foi a denúncia do Greenpeace, de dias atrás, de que ‘fazendeiros mantiveram jornalistas estrangeiros em cárcere privado’, no Mato Grosso. O site de Azenha linka para vídeo, blog, fotos etc.’


POLÍTICA CULTURAL
Silvana Arantes


Gil defende ‘nova atitude’ sobre pirataria


‘O ministro da Cultura, Gilberto Gil, afirmou que a venda em curso de DVDs piratas do filme brasileiro ‘Tropa de Elite’ antes de sua estréia nos cinemas, prevista para 12/10, expõe ‘o paradoxo entre o mercado [cultural] e o acesso [do público aos produtos]’ e evidencia o fato de que ‘a realidade relativiza o tempo todo a questão da propriedade intelectual’.


Em entrevista à Folha, o ministro defendeu a revisão ‘da lei [sobre propriedade intelectual] no país e das relações entre a indústria e o público’, após ‘novas e amplas reflexões a respeito do problema’, que envolve ‘a pirataria, a flexibilidade da propriedade intelectual e o interesse público’.


Gil disse que ‘seria irresponsabilidade intelectual e política’ de sua parte não ver que a pirataria de ‘Tropa de Elite’, em particular, e essa prática, em geral, representa ‘uma equação de muitos termos’.


‘Esse filme não poderia ter sido pirateado como foi, com impactos tão graves em sua economia, se não fosse a possibilidade tecnológica. Isso entra na equação’, afirmou.


Na avaliação do ministro, vivemos um período de ‘novas demandas, de uma nova sociedade, de novas possibilidades tecnológicas’ e ‘esse fenômeno [da pirataria] diz respeito a isso’. O secretário do Audiovisual, Orlando Senna, identifica ‘dois aspectos na questão’.


O primeiro deles é relativo ao preço do produto original. Por serem ‘muito caros’, segundo o secretário, tornam-se inacessíveis ‘para camadas sociais que têm uma fome de acesso a eles, mas não têm dinheiro para comprá-los’.


O segundo ‘e mais complexo’ aspecto apontado por Senna ‘é o desafio de rever todos os conceitos e parâmetros que temos atualmente relacionados ao direito autoral’.


O secretário diz que ‘estamos pensando ainda a partir de parâmetros que estão deixando de existir’ e acha necessário haver ‘um avanço do nosso entendimento de como deve ser o ressarcimento dos artistas, a partir desse momento em que novas tecnologias interferem fortemente nessa questão’.


A ‘legislação sobre direitos autorais no Brasil está consolidada na lei 9.610, de 1998. Em 2003, o presidente Lula sancionou a lei 10.695, que prevê penas de três meses a quatro anos de reclusão para crimes de violação de direitos de autor feitas com a intenção de obter lucro.


Anteontem, a Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Propriedade Imaterial, no Rio, que investiga o caso ‘Tropa de Elite’, tomou o depoimento de um suspeito de ter originado a cópia pirata do filme, a partir de original encaminhado para legendagem na empresa em que ele trabalhava. O suspeito perdeu o emprego, por ‘quebra de confiança’, segundo a empresa.’


CRÔNICA
Carlos Heitor Cony


O discurso mais curto da história


‘ERA NO tempo das diligências, ou mais distante ainda, quando nem diligências havia. Não me refiro ao clássico de John Ford, ‘Stagecoach’, mas a outro tipo de tempo e diligências.


Aí pelos finais dos anos 50, as cultas gentes se reuniam no Iseb (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), e, mediante módica contribuição mensal, podia-se participar das tentativas de entender o Brasil e procurar salvá-lo.


Eu não pertencia aos quadros redentores do Iseb. Era um alienado, um vendido aos lacaios do imperialismo, um burguês decadente e corrupto.


Não entendo por que, depois do 1º de abril de 1964, fui intimado a prestar esclarecimentos a respeito do funcionamento do Iseb. O coronel Gérson de Pina, que me interrogou durante cinco horas, achou que eu escondia o jogo.


Não sei em que deu o chama- do IPM do Iseb. Nem sei exata- mente no que deu o próprio Iseb. Teoricamente, o instituto nasceu com a finalidade de dar uma base conceitual, filosófica e pragmática ao desenvolvimento lançado na marra pelo presidente Juscelino Kubitschek.


Encerrado o governo JK, o Iseb teve tempo, enfim, para arrumar conceitos, idéias, estratégias e táticas, mas aí vieram as crises da renúncia de Jânio Quadros, o breve período parlamentarista, o governo de Jango, nova crise e o movimento de 64, que acabou com a alacridade do pessoal que já se preparava para distribuir terras entre lavradores e assumir o controle dos bancos. A turma do outro lado botou em campo uma ideologia que dizem ter nascido na Praia Vermelha.


A Sorbonne militar foi mais eficiente do que a Sorbonne civil das ruas das Palmeiras. Sabemos no que deu.


Lembro uma das vezes em que fui ao Iseb, levado por um amigo e por uma dor de cotovelo que me botou no meio da noite sem ter aonde ir e para que ir.


O presidente da mesa disse que a reunião era para discutir uma nova estratégia -e logo foi interrompido por um sociólogo: não, não se tratava de uma estratégia, mas de uma tática. O aparte do sociólogo, mal se entrava em campo, tumultuou o resto da partida e da noite.


Começaram discussões paralelas sobre tática e estratégia, cinco horas depois de iniciados os trabalhos, os debates prosseguiam, colocaram-se uma infinidade de posições intermediárias que não chegavam a ser estratégicas nem táticas. Falou-se até no bispo Sardinha, que foi comido pelos nossos índios.


Quando os primeiros raios do sol passaram pelas palmeiras que rodeavam a sede, entrou em cena um militar que trazia noticias frescas da Amazônia, onde as multinacionais haviam instalado um acampamento maior do que Sergipe e Bahia juntas. Foi então que um velhinho se levantou, ergueu o dedo trêmulo e com voz trêmula pediu a palavra.


Houve estupor. O velhinho freqüentava o Iseb desde a fundação, nunca falava nada, pagava as contribuições, assinava os manifestos, suportava as vigílias cívicas espartanamente, era dos primeiros a chegar, dos últimos a sair. E nunca fora apanhado cochilando, ouvia todos os oradores, batia palmas nas horas devidas. Que diabo teria ele a acrescentar ao debate, que luz traria às mentes que ali se esbofavam no cívico dever de salvar a nação?


De qualquer forma, houve raiva quando o velhinho pediu a palavra. Voz esganiçada e trêmula, o velhinho pronunciou o discurso mais curto daquela época:


-Tá tudo muito confuso. Temo que não dê certo!


Passaram-se anos. Acredito que esse velhinho, pelo natural rodar da carruagem, já deve ter tirado suas conclusões na eternidade -se lá no assento etéreo onde subiu memória desta vida se consente.


O que veio depois daquelas reuniões cívicas não foi mole. Volta e meia, eu me encontrava com sobreviventes daquela sessão isebiana e lembrávamos o velhinho, dando-lhe póstuma e inútil razão.


O que antes se passava nos limites de um casarão na rua das Palmeiras, agora tem platéia maior que atinge Congresso, sindicatos, a turma do ‘Cansei’, OAB, CNBB, Ibama e grande mídia.


De minha parte, estou esperando que surja outro velhinho (pode até ser o mesmo) para constatar que ‘tá tudo muito confuso, temo que não dê certo!’.’


TELEVISÃO
Daniel Castro


Dublagem de séries derruba ibope da Fox


‘A decisão do canal Fox de dublar todos os seus programas pode ter sido um tiro no pé.


O objetivo do canal pago, que no início de julho deixou de legendar seus seriados, era aumentar a audiência. Mas os primeiros números do Ibope mostram que ocorreu o contrário.


Segundo relatório divulgado pelo Ibope nesta semana, de junho para julho a Fox caiu da oitava para a décima posição no ranking dos canais com maior alcance na TV paga. Em junho, o alcance diário da Fox era de 424 mil telespectadores com mais de 18 anos. Em julho, foi de 380 mil, uma queda de 10%.


Alcance é o número de telespectadores que sintonizam determinado canal durante pelo menos um minuto. É diferente de audiência, que considera a média de telespectadores que sintonizam um programa ou um canal em um espaço de tempo maior. O Ibope não divulga audiência de TV paga. Seus dados representam 4,9 milhões de telespectadores adultos na Grande São Paulo, Rio, Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte e Brasília.


A decisão da Fox de trocar as legendas por dublagens irritou milhares de telespectadores. O canal, que não fez nenhuma comunicação prévia da mudança, também não comentou os números do Ibope.


Por causa do Pan do Rio, o SporTV foi líder em alcance na TV paga em julho, desbancando o TNT. A Globo News ficou em terceiro no ranking.


PONTO FINAL 1 Gilberto Braga e Ricardo Linhares escreverão domingo as últimas cenas de ‘Paraíso Tropical’. O derradeiro capítulo, no ar dia 28, que revelará o assassino de Taís (Alessandra Negrini), só será enviado à produção na próxima quinta-feira.


PONTO FINAL 2 Para que desfechos importantes de ‘Paraíso’ não ‘vazem’ para a imprensa, Braga e Linhares colocarão no roteiro várias ‘cenas secretas’. Os textos dessas cenas só serão encaminhados a Dennis Carvalho, diretor-geral da novela.


PONTO FINAL 3 Caberá a Carvalho zelar pelo sigilo e armar um esquema para evitar ‘vazamentos’ durante as gravações. Ele poderá pedir aos autores que escrevam cenas falsas, para despistar.


TEMPERATURA Agora réu em processos por formação de quadrilha e corrupção ativa, o ex-ministro José Dirceu estará domingo no ‘Canal Livre’, programa de entrevistas da Band.


EDUCATIVO O canal Futura vai comemorar dez anos no próximo dia 22 com a exibição do premiado (e inédito na TV) documentário ‘Pro Dia Nascer Feliz’, de João Jardim, sobre a educação no país. A exibição, às 21h30, será seguida de um debate mediado por Serginho Groisman.


PERESTROIKA O telespectador do SBT já pode se informar da programação da emissora. Ontem, a rede voltou a publicar sua grade em seu site, o que não fazia desde dezembro, quando Silvio Santos rompeu com a imprensa.’


************


O Estado de S. Paulo


Sexta-feira, 31 de agosto de 2007


MÍDIA & POLÍTICA
João Mellão Neto


O sagrado direito de se cansar


‘Declarar-se cansado, no Brasil, agora é crime? Trai a Pátria aquele que ousa declarar-se inconformado com os desígnios de seu líder? Mais do que isso. Segundo a cartilha lulista, quem não está de acordo com os rumos do governo é um verme que nem sequer deve ser levado em conta. Não vou aderir ao movimento ‘Cansei’. Até por que não estou cansado de nada. Tenho criticado o lulismo, nesta página, há mais de 20 anos e continuarei a fazê-lo sempre que isso se mostrar necessário. Não é porque, a meu ver, os petistas estejam sempre errados, e sim porque, na sua ideologia, por mais que errem, eles se julgam sempre certos.


O movimento ‘Cansei’, vá lá, tem as suas falhas. A começar pelo nome. ‘Basta!’, por exemplo, denotaria um inconformismo e uma combatividade muito maiores. ‘Cansei’ demonstra enfado, um sentimento blasé de quem se enjoou do brinquedo e não pretende usá-lo mais. Ora, não é esta a disposição daqueles que se recusaram a votar em Lula, ao menos em São Paulo. Nós não nos ‘cansamos’ de Lula. Fomos contrários a ele desde o início, não pela sua pessoa, mas por tudo aquilo que ela representa: populismo, assistencialismo, clientelismo e até mesmo corrupção. Isso sem falar na notória incompetência administrativa de seus apadrinhados, guindados a cargos de direção por critérios exclusivamente ideológicos. As trapalhadas dessa gente, somadas, custam ao Brasil bem mais do que todas as práticas corruptas imagináveis.


Por ocasião de uma das eleições presidenciais que Lula perdeu (foram três), eu me recordo de ter escrito que a sua profissão de fé no marxismo era apenas de fachada. Ele era (e é) um fenômeno de massas e necessitava de algum embasamento doutrinário no qual se lastrear. Ao adotar os preceitos do socialismo-comunismo, no início da década de 1980, ele conquistou o apoio de boa parte da Igreja Católica e também o respeito dos setores ditos progressistas da intelectualidade universitária. Não o tivesse feito, seu futuro seria o mesmo de tantos aventureiros de palanque que, apesar de lograrem mobilizar as massas, têm vida curta por falta de conteúdo e consistência ideológica. Lula, intuitivamente, fez a opção correta. Evidência disso é que, mesmo perdendo três eleições, nunca lhe faltou um aguerrido e significante contingente de militantes.


Mas, depois de 1989, com a queda do Muro de Berlim e a derrocada do comunismo, ele não poderia mais valer-se dos preceitos marxistas para governar. Para contentar os seus adeptos somente lhe restariam um governo altamente voltado para o social, uma política externa com traços marcadamente terceiro-mundistas e a ocupação da máquina administrativa pela intelectualidade (desde os meus tempos de faculdade tenho notado o inusitado fascínio que grande parte dos mestres nutre pelo poder…).


Eram palavras proféticas. Lula, presidente, sabe que não pode mexer impunemente nos fundamentos econômicos. A economia está internacionalizada como nunca antes, os capitais cruzam o planeta em volumes e velocidades alucinantes, o potencial de risco de se aplicar dinheiro em cada país é cotado diariamente e qualquer medida voluntarista que o governo tome pode levar à sua ruína no dia seguinte. Lula compensa essa impotência econômica com uma política exterior em que não perde chances de reiterar a sua independência e mantém a sua militância pacificada com a distribuição maciça de cargos públicos.


O governo Lula, a rigor, não tem um projeto. Todas as políticas sociais que, antes de sua primeira eleição, pretendia levar a cabo ou fracassaram por completo ou deixaram muito a desejar.


O Bolsa-Família foi uma grata e imprevista surpresa. Não estava nos planos de Lula e sua equipe. Ao constatar que os programas Bolsa-Escola, Bolsa-Saúde e Vale-Gás, todos implantados na gestão FHC, funcionavam a contento, decidiu unificá-los e ampliar o seu alcance, de forma que, hoje, ele beneficia cerca de 25% da população brasileira.


Não, eu não me ‘cansei’ de Lula. Cansar implica deixar de gostar de algo ou alguém que antes nos atraía. Eu, pessoalmente, nunca gostei da figura pública de Lula, do que ele representa ou representou, da mesma forma que nunca acreditei na sua capacidade de resolver os problemas do Brasil.


Lula não fez nem pretende fazer nenhuma reforma de vulto. Se a economia no seu governo vai bem, isso se deve a uma conjuntura internacional nunca antes tão favorável. Evidência disso é que todos os países emergentes apresentam excelente desempenho.


O legado de Lula para a História? No que tange a ele, a agradável surpresa de constatar que o voto e o apoio dos pobres saem muito mais baratos do que se imaginava. Com um dispêndio a fundo perdido de apenas R$ 8 bilhões – uma parcela ínfima do orçamento da União – é possível pagar mesadas a mais de 11 milhões de famílias, garantindo assim uma máquina eleitoral invencível.


No que tange à Nação, o problema é mais complexo e de conseqüências imprevisíveis. O esforço de todas as nações, desde os bancos escolares, de incutir nos jovens a ética do trabalho, aqui, no Brasil, foi dispensado sem o menor escrúpulo. Graças ao Bolsa-Família, os mais pobres descobriram que, se não tiverem grandes ambições, podem perfeitamente passar a vida sem trabalhar, recebendo apenas o dinheiro que o governo lhes garante.


‘Cansei’, desabafam alguns. ‘Basta!’, insisto eu. Há, no mundo, nações que cresceram pela guerra, outras que se desenvolveram graças ao trabalho e, mais recentemente, há aquelas que se agigantaram pelo ensino. Mas não há registro na História de uma nação que tenha evoluído com base na esmola.


João Mellão Neto, jornalista, deputado estadual, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado’


ECOS DA DITADURA
Tânia Monteiro


Exército fica insatisfeito com ‘ameaça’ de Jobim


‘Ao retornar hoje de viagem à Argentina, o comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, terá de dedicar o dia a administrar a insatisfação dos subordinados e evitar qualquer manifestação contra o que está sendo chamado de ‘ameaça desnecessária’ feita pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim. Anteontem, na solenidade de lançamento do livro Direito à Memória e à Verdade, obra criticada pelos militares, Jobim afirmou: ‘Não haverá indivíduo que possa a isto reagir e, se houver, terá resposta.’


A insatisfação já era grande com o próprio livro-relatório, lançado no Palácio do Planalto para enterrar as versões dadas pelo regime militar (1964-1985) para o desaparecimento de presos políticos. Traz mais de 400 casos e reconhece oficialmente, pela primeira vez no País, que as forças da repressão cometeram crimes como torturas.


Para os militares, o livro só conta um lado da história. Um oficial relatou que eles ficaram ‘absolutamente perplexos’ e ‘revoltados’ com a afirmação de Jobim, durante o seu discurso.


O assunto dominou as conversas em várias unidades militares do País, tanto do pessoal do Exército, como da Marinha e Aeronáutica. A Força que mais se considerou atingida foi o Exército, avaliando que nem o discurso do secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, foi ofensivo como o de Jobim. Um oficial-general ouvido pelo Estado disse que os militares estavam sendo ‘atingidos dentro da trincheira’. E afirmou não entender o motivo da ‘ameaça gratuita’.


Apesar da revolta, todos garantiram que vão aguardar a chegada do comandante Peri, quando receberão as devidas instruções de como devem se comportar – se respondem ou não a Jobim.


O ministro explicava ontem que não fez ameaça às Forças Armadas, mas a ‘indivíduos’ que poderiam se manifestar contra a intenção do governo de fazer o lançamento do livro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também comentou o assunto: ‘Foi uma bela solenidade. Militares precisam entender de uma vez por todas que os militares de hoje não são os mesmos de ontem, os homens também não. A anistia veio para todo mundo.’ E finalizou: ‘O tempo é outro e a história é a história. As famílias têm o direito de reivindicar o enterro de seu mortos.’’


***


‘Foi uma grosseira manifestação’, diz general da reserva


‘O general da reserva Luiz Gonzaga Lessa, ex-presidente do Clube Militar, traduziu a insatisfação dos oficiais-generais, dizendo que o ministro Nelson Jobim fez uma ‘grosseira manifestação’, ao ameaçar os militares, e frisou que a sua voz foi ‘destoante, desagregadora e provocativa’. Para o general, o ministro da Defesa falou ‘como se a tropa fosse criança necessitada de palmadas’. Lessa disse que as Forças Armadas devem respeito a Jobim, mas ‘exigem que sejam respeitadas e consideradas, não grosseiramente ameaçadas’. Na sua avaliação, o ministro não começa bem.’


POLÍTICA CULTURAL
Jotabê Medeiros


Especialistas discutem conceito de democratização cultural


‘Foi aberto ontem pela manhã no Theatro São Pedro o 1º Seminário Internacional de Democratização Cultural, promovido pelo Grupo Votorantim, e que termina hoje. Mais de 3 mil pessoas se inscreveram para as conferências, mas apenas 500 foram aceitas, por conta da limitação física – em sua maioria, são gestores culturais de todo o País.


Segundo Yacoff Sarkovas, produtor que organiza o seminário, os conteúdos debatidos serão todos oferecidos na internet. São 23 debatedores se alternando nas discussões, que começaram com o próprio conceito de democratização cultural. A primeira conferência do dia seria do francês Olivier Donnat, responsável pelo programa Práticas e Consumos Culturais do Ministério da Cultura da França, e da brasileira Isaura Botelho, doutora em Ação Cultural pela USP.


O secretário de Estado da Cultura, João Sayad, ao discursar na abertura, utilizou a expressão ‘elite branca’, cunhada pelo ex-governador Cláudio Lembo, para se referir aos mais ricos. ‘Nós não devemos incentivar a arte erudita, porque é da elite branca? Ou devemos levar essa arte da elite branca à periferia?’, indagou Sayad, questionando os conceitos correntes de democratização cultural.


Sayad disse que também é papel do Estado propiciar a que populações de periferia possam ter acesso a produtos da indústria cultural. ‘Homem Aranha, Super-Homem, por que não?’ Mas também, indagou, além do acesso à produção da indústria cultural, também não seria fundamental propiciar o encontro com ‘a cultura que sobrou, face ao massacre da indústria cultural?’.


Segundo Sayad, sua secretaria recebe muitas sugestões sobre o tema, mas boa parte delas não resolve a questão. Ele afirmou que não gosta de utilizar argumentos economicistas para justificar a importância da cultura. ‘É verdade, a cultura gera empregos. Mas suponha que não gerasse. E aí, seríamos contra a cultura, a arte, a música?’


O ministro da Cultura, Gilberto Gil, foi representado por Roberto Gomes do Nascimento, secretário de Incentivo e Fomento à Cultura. Nascimento falou que a noção de inclusão do MinC é ampla, e trata também de ‘garantir lugar não apenas em nossas platéias, mas também em nossos palcos’ para as populações alijadas do consumo cultural.


Ele citou dados do Ipea e do IBGE que mostram que 10% dos mais ricos são responsáveis por 40% do consumo cultural no País, e que apenas 18,7% dos municípios têm teatros, 17,2 possuem museus e só 7% têm salas de cinemas (418 dos mais de 5 mil municípios do País). Uma das ações-chave do ministério são os Pontos de Cultura, que são 650 no País hoje – segundo Nascimento, a meta é chegar a mil pontos até o fim do ano.


O conteúdo dos debates está no www.votorantim.com.br/democratizacaocultural.’


TELEVISÃO
Keila Jimenez


Maratona de pistas


‘Pelo roteiro, ontem foi dada a largada no ‘Quem matou?’ de Paraíso Tropical. Especulações à parte, a direção e os autores da novela já trataram de dar as coordenadas da estratégia de guerrilha para manter o segredo (a identidade do assassino) a salvo até o final.


Esta semana mesmo já liberaram a agenda de gravações do último capítulo, que ocorrerão nos dias 26, 27 e 28 de setembro, dia em que a novela chega ao fim. A gravação da cena da morte de Taís (Alessandra Negrini) será divida nesses três dias, com pelo menos dez finais possíveis. Será uma maratona de assassinos e teorias para o assassinato. Tudo para despistar produção, atores e equipe técnica.


Nos bastidores da novela, além do bolão do ‘ Quem matou?’, corre a brincadeira que nem os autores sabem ainda quem será o assassino, e que só decidirão depois das cenas finais gravadas.


Apesar de haver uma lista de suspeitos, há quem aposte que até o casal gay do bem pode ter matado a vilã, uma vez que a assassina da morta mais famosa da telenovela, Odete Roitman (Beatriz Segal), a matou por engano. Ah, a assassina era Leila (Cássia Kiss).


Cara de rico


Sai Urbano, o milionário boa-praça de Paraíso Tropical, entra Lúcio, também rico, só que de cara amarrada e sem escrúpulos da novela Dance, Dance Dance, da Band. Esse é o novo personagem de Eduardo Galvão, que já grava o folhetim dirigido por Del Rangel.


A MTV explora o pior do seu VMB


A MTV vai lavar a roupa suja do seu VMB, premiação de videoclipes, a partir de segunda-feira. Marcos Mion comandará o Descarga MTV, espécie de Piores Clipes sobre o evento. Na pauta, fofocas cabeludas, os textos mais vexatórios, piadinhas sem graça, musicais sem noção, figurinos infelizes e a eleição dos piores na história da premiação. O material é tão vasto que o Descarga vai ao ar de segunda a quinta-feira, às 20 h, até 26 de setembro, véspera da premiação – e não deverá dispensar nem aquele nu que Mion protagonizou numa edição de VMB.


entre-linhas


Caminhos do Coração driblou a tradicional ressaca de estréia, feito que leva o segundo capítulo a ter sempre audiência inferior à da estréia. O novo folhetim da Record cresceu 3 pontos no seu segundo episódio, alcançando 20 pontos de média.


O site Globovídeos pega carona nas gêmeas de Alessandra Negrini e coloca no ar, a partir de amanhã, trechos da série Engraçadinha. De Nelson Rodrigues, a personagem foi a estréia da atriz na TV, há 12 anos.


O FoxLife entrou no line up da TVA Digital e está no canal 67 no Rio e em São Paulo.’


************