Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um crime sem charme algum

No princípio era um grande caso internacional de espionagem industrial. Talvez até mais do que isso: o crime poderia envolver a Halliburton, gigante americana de petróleo que teve como presidente o vice-presidente americano Dick Chenney. E a Halliburton é aquela empresa que ganha dinheiro com a guerra do Iraque.


No outro lado da história, ecoava a notícia recente da descoberta, no Brasil, de um dos maiores campos de petróleo do mundo. Com esse enredo cheio de fortes emoções, o leitor foi embalado durante mais de uma semana na novela do crime contra a Petrobras.


Já era, então, em muitas cabeças, um caso real de intriga internacional, talvez mais uma jogada do decadente imperialismo americano para impedir que, finalmente, o Brasil alcançasse seu futuro glorioso.


Os jornais de sexta-feira (29/2) revelam que a história é bem outra. Quatro vigias foram presos, os computadores e discos rígidos que haviam sumido de um contêiner foram localizados, e a Polícia Federal conclui que se trata de furto comum. Em vez de Dubai, atual sede da Halliburton, as investigações agora se concentram em lugares prosaicos como São Gonçalo, Parada de Lucas, Vila Kosmos. Desapareceram as pistas que conduziam à Casa Branca, confirmou-se a verdade de que tudo termina em barracos dos subúrbios do Rio.


Síndrome de vira-lata


Os jornais foram induzidos pela Polícia Federal a acreditar num enredo fantasioso?
Provavelmente. Mas o leitor não espera que os jornais simplesmente repitam declarações. É preciso conferir os dados, e se possível buscar fontes que não sejam apenas as oficiais.


Revendo o noticiário sobre o caso, o que aparece é um delegado afirmando que havia a possibilidade de pirataria ou de espionagem industrial, porque parte do material desaparecido guardava informações sobre estudos feitos no superpoço da Bacia de Santos. Nada além disso.


A versão que dominou a imprensa foi alimentada pelas fontes que a imprensa selecionou. Mesmo a entrevista do presidente da República, dizendo que os computadores roubados continham dados de pesquisa importantes, não induzia a pensar que se tratasse de espionagem industrial. Lula afirmou, na ocasião, que os dados eram redundantes e que a Petrobras tinha cópias de tudo.


E a prova de que nenhum dos grandes jornais pensou seriamente na hipótese do crime comum pode ser vista ainda nas edições de sexta-feira: todos eles vinham publicando o caso na editoria de Economia, não no caderno policial.


Gosto pelo escândalo? Talvez.


Mas há também aquela velha síndrome de vira-lata, que sempre ressurge quando se questiona a capacidade dos brasileiros de cuidar de seus próprios interesses.