Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Minc e independentes defendem cotas para produção nacional

A criação de cotas para a produção audiovisual nacional e independente é o mecanismo mais imediato para reverter a sobre-representação do conteúdo estrangeiro na televisão. Defendida por produtores independentes e pelo Ministério da Cultura como forma de estímulo real à abertura de um mercado hoje bastante restrito, as cotas estão previstas no relatório do deputado Jorge Bittar (PT-RJ) sobre o Projeto de Lei 29, que regulamenta os serviços de acesso condicionado, como a TV por assinatura.


Apesar de o relatório sequer ter sido votado, a campanha contrária à criação de reserva de tempo nas programações e de canais dentro dos pacotes para produção nacional já é forte. Desde dezembro, a Associação Brasileira de TV por Assinatura (ABTA) veicula peças publicitárias afirmando que as cotas restringem a liberdade de escolha dos assinantes. Demonstrando disposição para bancar a aprovação das cotas, Bittar diz que a campanha da ABTA é antiética e mentirosa.


‘Nunca houve ruptura do diálogo com nenhum setor da sociedade. Estávamos em pleno diálogo quando a campanha foi lançada’, diz o deputado. ‘Além disso, a campanha é mentirosa. Diz que nós vamos tolher o direito de escolha do assinante do serviço quando hoje é que não há direito de escolha, pois o assinante compra um pacote previamente estabelecido pelo programador.’


Para o secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, Silvio Da-Rin, é importante que os atores organizados do setor façam uma discussão pública do tema. ‘No entanto é preciso não confundir a necessária regulação do setor com o cerceamento de liberdade. No campo cinematográfico, por exemplo, já existem mecanismos de cota para assegurar espaço à produção nacional, a exemplo da cota de tela’, lembrou.


Em geral, as programações oferecidas aos assinantes privilegiam a produção audiovisual estrangeira, especialmente nos canais de filmes e entretenimento. Segundo dados da Agência Nacional do Cinema, menos de 2% da programação destes canais é destinada a filmes nacionais e apenas 0,5% das obras exibidas são brasileiras.


Para Marco Altberg, conselheiro legislativo da Associação Brasileira de Produtoras Independentes de Televisão (ABPI-TV), esta situação remete ao modo como a TV foi constituída no país. ‘A TV por assinatura é apenas um reflexo de um problema maior que é a forma como a TV aberta comercial se desenvolveu no país, especialmente no tocante ao conteúdo independente, na ausência da regionalização e, em muitos casos, na ausência de compromisso com a cidadania e com a qualidade. De outro lado, precisamos considerar a história de privatização do espaço público no Brasil e a ausência de ambiente economicamente democrático,’, comentou.


A avaliação é corroborada por Da-Rin: ‘Esse modelo da TV aberta, que tem como uma de suas balizas a concentração da produção e da difusão de conteúdo nas mesmas empresas, restringiu o desenvolvimento da produção independente de televisão no Brasil, ao contrário do que se deu em outros países, como os EUA, no qual a maior parte do conteúdo televisivo vem de produtores independentes’.


Produção e demanda


Apesar das restrições, a produção audiovisual brasileira cresce em quantidade e qualidade, na avaliação de Silvio Da-Rin. Ele destaca o lançamento, em 2007, de 82 longas-metragens e o progressivo aumento das co-produções entre canais por assinatura e a produção independente brasileira, incentivada através do art. 39 da Lei do Audiovisual.


Este incentivo, segundo Altberg, tem feito da TV por assinatura uma melhor parceira da produção independente. No entanto, a composição dos pacotes de canais ofertados hoje – ‘com uma enxurrada de canais estrangeiros’ – impede avanços. ‘Existe um incentivo à co-produção, mas isso ainda não representa algo considerável como estímulo à produção aqui no Brasil’, disse o consultor da ABPITV.


Do lado da demanda, a avaliação de Da-Rin é de que ela é evidente. ‘Basta observarmos os índices de audiência dos programas da televisão aberta’, disse o secretário, acrescentando que mesmo os índices de audiência na TV paga mostram esta preferência. No levantamento feito pela Ancine, comparando apenas canais por assinatura, os primeiros colocados no ranking do número de espectadores por dia são ou canais nacionais, ou aqueles em que a programação é dublada.


Para o secretário, assim como para Altberg, o problema está em fazer a produção encontrar esta demanda. ‘A questão que se impõe é a mesma: a dificuldade de levar conteúdo independente ao público brasileiro, tanto em relação à produção cinematográfica nacional, que anualmente produz uma quantidade considerável de horas de programação, quanto à produção independente de televisão, que necessita justamente de espaço para se desenvolver’, afirmou Da-Rin.


Quais cotas?


A saída estaria na criação das cotas. A proposta de Jorge Bittar para o PL-29 cria cotas em dois níveis: na programação dos canais e nos pacotes de canais. Há ainda um terceiro tipo de exigência cruzada.


A primeira cota é a de 10% para a produção nacional independente em todos os canais distribuídos no país. Segundo Altberg, esta deve ter maior impacto para o mercado dos produtores. Isso porque fortalece as produtoras independentes, ou seja, aquelas que não têm ligação com os canais ou as programadoras. Até hoje, o modelo de negócio de TV no Brasil privilegia a produção interna.


A segunda estabelece que metade dos canais oferecidos em um pacote tem de ser nacionais. Há, ainda, a exigência de que no mínimo 30% destes sejam canais independentes, ou seja, não sejam programações montadas por empresas ligadas nem à empacotadora (a empresa que monta os pacotes de canais), nem à distribuidora (que é a dona da infra-estrutura de distribuição e compra os pacotes para vender aos assinantes). Os canais independentes podem produzir todos os programas que vai colocar na sua grade.


A terceira cota cruza exigências quanto à característica dos canais e também da produção dos programas. A proposta é que 30% dos canais ofertados em um pacote devem ter pelo menos 50% de produção nacional, sendo a metade desta (ou seja, 15% do total) realizada por produtores independentes.


A previsão do relator é que o PL-29 seja apreciado pela Comissão de Comunicação, Ciência e Tecnologia e Informação no mês de março.


Outros incentivos


Marco Altberg e o deputado Jorge Bittar concordam que a criação das cotas não pode ser a única medida para promover a diversidade no mercado audiovisual. ‘A idéia da cota não pode ser vista como um fim em si mesmo. É uma forma de estímulo, mas certamente precisamos aliá-las ao fomento e ao desenvolvimento da produção nacional. Por isso, agregamos ao projeto um fundo de R$ 350 milhões anuais’, explicou Bittar.


O dinheiro viria do deslocamento das taxas que compõe o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel), pagas pelas empresas de telecomunicações e radiodifusão, para o Fundo Setorial do Audiovisual.


O conselheiro da ABPITV lembra que, em outros países, há exigências quanto à regionalização da produção e incentivos reais à co-produção. ‘Na Europa e no Canadá, a TV por assinatura acaba sendo uma parceira do cinema’, disse. Assinalando que também não se pode deixar de pensar na TV aberta, Altberg comenta que, em muitos países, as TVs públicas são alternativas ao modelo de TV comercial.


No Brasil, no que diz respeito à TV aberta, a Constituição Federal prevê a promoção da regionalização da produção e a valorização da produção independente. Porém, estes artigos constitucionais jamais foram regulamentados.

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Do Observatório do Direito à Comunicação