Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Inimigo nº 1 da exclusão digital

O Comitê para a Democratização da Informática (CDI) completa dez anos neste mês [março]. Da primeira escola, no Morro Dona Marta, na zona sul carioca, até a instalação de unidades no Japão e em países africanos, muito foi feito. Hoje são quase mil Escolas de Cidadania e Informática (EICs) espalhadas por 20 estados brasileiros e outros dez países da América Latina, África e Ásia. Elas são freqüentadas por milhares de alunos, que, em quase seis mil computadores, aprendem a navegar na internet e utilizar softwares, com o apoio de 1.900 educadores

Em todas as EICs, é aplicada a metodologia pedagógica de Paulo Freire, educador que acreditava na possibilidade de alfabetizar uma pessoa a partir da reflexão sobre sua própria realidade. No caso da informática, as tecnologias também estão inseridas nesse processo. ‘Nosso objetivo é formar cidadãos’, diz Rodrigo Baggio, presidente e idealizador do CDI.

Nesta entrevista ele conta como criou um dos projetos pioneiros de inclusão digital e revela a fórmula para que a iniciativa se tornasse um sucesso: ‘qualidade, resultados e ternura’, explica. Baggio também comenta a polêmica em relação ao uso de softwares de código proprietário, prática pouco comum em iniciativas nessa área, e fala sobre sua relação com o governo federal, que tem apoiado o uso de software livre. ‘A discussão do software não deve ser tecnocentrista, botando o software ou o computador na frente do ser humano’, afirma.

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O CDI está comemorando dez anos de fundação neste mês. Como começou sua implementação e como foi o crescimento durante esse período?

Rodrigo Baggio – O CDI nasceu em março de 1995 e tem muito a ver com a história da minha vida. Com 12 anos de idade eu comecei a trabalhar como voluntário com meninos de rua junto à Arquidiocese do Rio de Janeiro e me apaixonei pelo trabalho social. Meu pai me deu meu primeiro computador, da primeira linha de computadores a entrar no Brasil, o TK-82. Aí eu também me apaixonei por tecnologia, fiquei fissurado por informática.

Durante toda minha adolescência, mantive essas duas paixões: a informática e a área social, mas sem nunca fazer um link entre as duas. Na área social, participei de movimentos estudantis e ambientais e movimentos sociais também, pois eram o meu grande foco.

Depois da faculdade, trabalhei na IBM, na Accenture [empresa de consultoria] e criei minha própria empresa, uma software-house, a Baggio Informática. Nessa época, passei a não ter mais tempo para atuar na área social, só tinha tempo para a empresa, e isso não me trazia um sentimento de satisfação pessoal. Mas também não sabia o que fazer pra mudar isso. Tudo aconteceu em 1993, ano no qual comecei a refletir muito sobre minha vida. Em dez anos, me via mais rico, mas não mais realizado.

No final do ano tive um sonho no qual vi jovens pobres usando um computador e discutindo a realidade deles e buscando soluções para combater os problemas das comunidades através do uso das tecnologias de informação e comunicação. Isso teve um impacto tão grande em mim que no dia seguinte decidi transformar esse sonho em realidade. Minha primeira ação foi a criação de um BBS [Bulletin Board System, uma espécie de quadro de avisos com acesso via modem e computador através do qual pessoas trocam mensagens] chamado Jovem Link. A idéia era que fosse uma ponte digital promotora de uma integração social entre jovens ricos e pobres.

Isso já era em 1995?

R.B. – Não, ainda em 93. O Charles Miranda, da Hotline [empresa de BBS], deu apoio ao processo e a Jovem Link passou a ter centenas de usuários. Animado com o número, passei a fazer uma avaliação do perfil do usuário. Para minha decepção, só jovens das classes A e B estavam conectados. Percebi que os jovens de baixa renda não estavam conectados porque não tinham acesso a computadores. Em janeiro de 94 criei a primeira campanha de doação de computadores da América Latina, a Informática para Todos. Recebíamos as máquinas, fazíamos a ‘reciclagem’ e as doávamos para as comunidades de baixa renda.

Quais foram beneficiadas?

R.B. – Várias. Nosso estoque era em Acari (bairro da Zona Norte do Rio), então a gente começou distribuindo para as favelas de lá. Depois para as comunidades de baixa renda da Zona Sul.

Continuando…

R.B. – Lembro que uma vez recebemos um caminhão com computadores para serem doados, mas eram todos ‘lixo tecnológico’, nenhum funcionava. Foi aí que percebemos que poderíamos convidar jovens da favela próxima ao Ibase, dono do depósito, do morro Dona Marta, para fazer manutenção e apoiar o processo de reciclagem tecnológica.

Foi a primeira vez que vi o olho de um jovem de baixa renda brilhar na frente de um computador. Aí eu pensei: ‘esse é caminho’. Em julho de 94, percebendo que os computadores poderiam ser melhor aproveitados se houvesse uma cultura de uso deles nas comunidades.

Foi quando tive a idéia de criar uma escola de informática e cidadania. Continuei tocando a campanha Informática para Todos, mas procurando articular a criação de uma escola que ensinasse informática através da reflexão sobre a realidade local e através da constituição de um projeto comunitário.

A idéia do nosso projeto político-pedagógico existiu a partir da instalação da primeira Escola de Informática e Cidadania (EIC), assim como os modelos de auto-sustentação e autogerenciamento que fazem das nossas EICs empreendimentos sociais.

Com essa idéia na cabeça, comecei a fazer contatos e 99% das pessoas achavam uma loucura total. Falavam: ‘Rodrigo, você está louco. Pobre tem mente pobre, nunca vai poder usar computador’ ou ‘pobre precisa de comida, não de tecnologia’. Hoje sabemos que nos grandes e médios centros urbanos as pessoas não morrem de fome, mas de falta de oportunidades, o que as leva à criminalidade, à violência etc…

Como você respondia as críticas?

R.B. – Eu sempre via esses obstáculos como desafios e estava muito motivado pelo sonho que tive. Percebi que isso acontecia porque o terceiro setor, na época, tinha práticas importantes, dignas, mas ainda assistencialistas. Quando a gente propunha uma prática mais voltada para a comunidade, eco-sustentável, autogerida, com uma metodologia pedagógica, mais sofisticada, no sentido de utilizar a tecnologia como meio, não como fim, as pessoas ficavam sem exemplos.

Não era algo conhecido, foi uma ação pioneira. Então, quando as pessoas criticavam, fortalecia minha vontade de fazer o projeto.

Inauguramos em março de 95, no Morro Dona Marta, uma escola de informática e cidadania. Comecei a subir a favela para capacitar um grupo de dez jovens para que fossem os educadores da escola.

Nesse momento você estava sozinho ou já havia uma equipe?

R.B. – Havia uma equipe, e é muito importante lembrar disso. Havia uma equipe de voluntários desde a época do BBS JovemLink e depois na campanha. Além disso, tínhamos o apoio institucional da Fase, do Colégio Santo Inácio [escola particular próxima ao Morro Dona Marta], que foi uma base de estocagem de computadores, da central de doações do movimento inter-religioso, do Iser…

No Dona Marta, a primeira parceria foi com o Grupo Eco, uma ONG local, a C&A Modas e o Centro Cultural Padre Velloso, que é o centro de ajuda da Igreja Católica na comunidade. A C&A foi a primeira doadora de recursos, o que viabilizou a criação da primeira EIC.

Em 1995 foi criada a primeira EIC. A partir daí, o CDI cresceu bastante. Como se deu esse crescimento?

R.B. – Convidamos líderes comunitários para celebrar a criação da primeira escola, mas também apareceram, mesmo sem a gente saber como, órgãos de imprensa e televisão. Isso fez com que mais voluntários me procurassem. No final de março de 95, convocamos uma reunião e mais de 70 pessoas apareceram. Foi nesse dia que decidi criar o CDI, para multiplicar essa experiência.

Esse grupo, articulado, fez com que criássemos mais sete EICs até o fim do ano. Em 96 começamos a receber os recursos que viabilizaram a contratação da nossa primeira secretária, o aluguel de nossa primeira sede. Aliás, eu não diria que era uma sede, mas uma sala com cadeiras e um telefone.

A partir daí começou um processo de crescimento. Então a primeira fase do CDI é de movimento social, em que a gente tem um crescimento acelerado em função da disseminação dessa idéia da inclusão digital.

Daí começamos a ser chamados para palestras e, com isso, começamos a plantar a semente da inclusão digital em vários estados brasileiros e depois até fora. Em 2000 a gente entra na segunda fase, que é a institucionalização do CDI. Começamos o processo de profissionalização dos CDIs regionais e criamos o CDI Matriz, onde a gente tem o objetivo de acompanhar as demais ações e montar a Rede CDI e as regionais. A matriz, portanto, capacita e treina os regionais para que eles possam criar de forma cada vez mais efetiva as campanhas de doação, de reciclagem tecnológica, identificar as organizações comunitárias que vão sediar as EICs para construir as parcerias.

A partir daí a gente começa a usar algumas ferramentas empresariais adaptadas à área social. Começamos a fazer planejamento estratégico, planos de qualidade, de sustentabilidade. Isso foi importante para a gente como rede presente em vários estados e países. Hoje, por exemplo, o CDI tem 962 EICs em 20 estados brasileiros e 11 países, em três continentes. Temos mais de 1.900 educadores, 200 colaboradores, mais de 1.100 voluntários. Percebemos que só seria possível ter crescimento com qualidade.

Essa segunda fase já terminou ou o processo de profissionalização ainda permanece?

R.B. – Vem até hoje, mas 2004 é outro marco na rede CDI. Foi quando implementamos nosso sistema de informações gerenciais, baseado num conjunto de 22 indicadores, gerados a partir de 120 perguntas. Criamos o ‘mantra’ da rede CDI: ‘qualidade, resultado e ternura’. Quer dizer: qualidade e resultado são fundamentais, mas perder a ternura, jamais.

Aí fica claro o amadurecimento do CDI, atuando como rede social. Em novembro e dezembro do ano passado houve um grande encontro da rede, no qual foi feito um grande planejamento estratégico, construído de forma democrática e participativa por 189 líderes da rede CDI.

Também contamos com a ajuda de uma equipe de consultores da Accenture e da Kaiser Associates. Foi incrível, pois eles entraram no planejamento dizendo: ‘Rodrigo, nossas empresas nunca fizeram um plano estratégico com esse número de pessoas. É possível que não dê certo e não cheguemos ao final.’ Para eles foi uma boa prática, que inclusive levam para empresas. Chegamos ao final do encontro com o planejamento pronto e sucesso total.

Você foi um dos pioneiros de trabalhos de inclusão digital no país. Essa questão hoje é muito comentada. Como você a vê hoje, inclusive em relação às políticas públicas?

R.B. – Em 2001, quando a ONU, através de um relatório do Pnud [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento], afirma pela primeira vez que sem o desenvolvimento e a disseminação das tecnologias de comunicação e informação o desenvolvimento humano não seria possível, percebemos que a inclusão digital entrou na agenda mundial.

Ainda em 2001, o G-8 [grupo dos países mais industrializados do mundo] se encontra em Okinawa, no Japão, para discutir o digital divide, ou seja, a questão da inclusão digital. Então 2001 é um marco por abrir espaço na agenda mundial. A partir de então começamos a ver algumas iniciativas por parte de alguns governos, empresas ou ONGs.

Vejo isso como um processo muito importante para a sociedade brasileira, para a eqüidade, a liberdade e justiça. A gente percebe um crescimento do interesse por esse tema. E nós do CDI acreditamos que só vamos conseguir uma transformação mais eficaz nessa área através da articulação da sociedade civil organizada com o setor privado e o setor governamental. Não será uma ONG, uma empresa ou um governo que vai transformar a questão da inclusão digital.

Com a eleição do presidente Lula, ficamos muito felizes, já no primeiro ano de mandato, em ver o presidente levantar a bandeira da inclusão digital. Mas o que temos percebido hoje no governo federal é que as dez iniciativas que existem de inclusão digital só não são mais eficientes por não estarem articuladas entre si. Elas muitas vezes são contraditórias, gerando uma dispersão de energia e recursos.

Vejo como importante também a participação da sociedade civil organizada nesse processo. Falta a boa execução de políticas sociais. No governo Lula se planeja, garantem-se recursos, mas as políticas sociais, como um todo, têm um desafio sério de execução. Dentro dessa área, falta uma articulação mais forte com setores da sociedade civil e da iniciativa privada que já estão fazendo alguma coisa há anos.

Nós da Rede CDI, por exemplo, estamos sendo muito procurados por diversos ministérios, mas já dentro de um processo de execução, o que torna mais complexa a colaboração em um projeto que poderia ter sido mais bem planejado. Sempre nos colocamos sob uma postura construtiva, nos oferecemos voluntariamente para participar da implementação desses processos, que infelizmente não têm tido eficiência em sua execução.

Então falta participação da sociedade civil no planejamento?

R.B. – Falta diálogo nos processos de criação e planejamento para que possamos garantir os resultados na hora da execução.

Essa falta de participação acontece com toda a sociedade civil ou especificamente com o CDI?

R.B. – Com toda a sociedade civil.

A pergunta se deve por causa do modelo adotado pelo CDI em relação ao uso de softwares livres. Vocês optaram por usar programas Microsoft e têm um acordo com a empresa, indo na contra-mão do governo, que defende o uso de softwares livres em todas as iniciativas de inclusão digital. Você vê algum problema do governo em relação ao CDI por causa dessa diferença de postura?

R.B. – É importante esclarecer esse assunto. O CDI nunca optou por ambiente Microsoft. Somente a partir de 2001 o uso de software livre se tornou uma alternativa viável para os usuários-fins, com o desenvolvimento de novos softwares. Já tínhamos um passado de trabalho com a única opção até então disponível e viável. A partir da disseminação do software livre, o CDI optou por uma posição estratégica e importante para a gente: ser pró-liberdade de escolha do software, no sentido de estimular que nossas comunidades de baixa renda pudessem escolher os programas que gostariam de utilizar. Não acreditamos em políticas públicas top-down [de cima para baixo], nas quais pessoas em gabinetes decidam pelos usuários. Acredito que as políticas públicas devem ser feitas de forma participativa. Aí está, então, o primeiro obstáculo. Como 90% da base instalada de computadores roda software proprietário, a demanda das nossas comunidades é, na maioria das vezes, nesse sentido. O CDI, respeitando essa escolha, começou um processo de conscientização das nossas lideranças comunitárias sobre a importância do uso de software livre.

Nos últimos três anos, o CDI passou a estimular os CDIs regiomais e as EICs a discutirem a questão do software a ser utilizado, e isso amadureceu de tal forma que todos os computadores que recebemos de doação e têm capacidade técnica saem dos estoques com dual boot [possibilidade de usar ambas plataformas, de código aberto ou fechado].

Nossa primeira parceria com a Microsoft é de 99 e, para nós, ela foi muito importante. Até então a gente copiava os programas para instalar nas máquinas. Mas, como uma instituição que estimula e valoriza a cidadania e a democracia, deveríamos ter licença de uso. Fizemos um acordo e a empresa tem nos doado programas.

A discussão do software não deve ser tecnocentrista, botando o software ou o computador na frente do ser humano. O movimento de software livre nos EUA e na Europa está amadurecido, favorece e estimula o diálogo. Isso é muito importante. No Brasil existe uma minoria que vem adotando posturas muito radicais e tecnocêntricas, fazendo com que essas discussões não sejam democráticas, mas sim autoritárias, e com que algumas das ações governamentais tenham direcionamento top-down, determinando o uso do software.

É importante esclarecer também que nem todas as iniciativas do governo federal utilizam exclusivamente software livre. Algumas dão opção, mostrando que a questão do software não é uma unanimidade dentro do governo federal. A preferência, sim, mas a decisão de utilizar só software livre, não. A questão do software, definitivamente, não é um obstáculo para a articulação do CDI com o governo.

Em nenhum momento, então, você se sentiu excluído de decisões por causa desse modelo adotado pelo CDI?

R.B. – De forma alguma. A minoria a que me referi busca esse autoritarismo tecnológico, mas não é uma tendência ou um consenso do governo federal. Muito pelo contrário. Há pessoas bastante participativas e democráticas participando de projetos de inclusão digital.

Voltando à história do CDI, como vocês saíram do Brasil?

R.B. – Através de demanda. Passamos a receber mensagens e ligações de empreendedores de fora querendo abrir CDIs ou EICs. Criamos um processo para entrevistar e avaliar a capacidade de essas pessoas levarem a idéia adiante. Existe um ‘passo-a-passo’ de criação de um CDI, seja no Brasil ou no exterior, para que só sejam abertas novas unidades com qualidade.

O modelo adotado fora é o mesmo do Brasil?

R.B. – O modelo do CDI é bastante flexível. Funciona com a mesma qualidade em comunidades diferentes, como a floresta amazônica e o sul do país. Ao mesmo tempo, não temos uma EIC igual a outra. Existe uma flexibilidade grande para adaptar o modelo à realidade local, à cultura e às tradições. Há, por exemplo, EICs que têm mensalidade simbólica, cuja média é de R$ 5,70. Todo o dinheiro fica na própria escola, para dar ajuda de custo aos monitores, colaborar na manutenção etc. Mas várias não têm mensalidade, buscam outras formas de sustentabildiade. Por causa dessa flexibilidade foi possível a expansão em realidades tão diferentes.

Como é a apropriação das tecnologias por essas pessoas? Há diferenças entre brasileiros, africanos, asiáticos?

R.B. – A missão do CDi é promover a inclusão social através da inclusão digital, utilizando as TICs como ferramentas cidadãs para a transformação de vidas e desenvolvimento de comunidades. Ou seja, tecnologia como meio e não como fim. Nas comunidades, a apropriação é feita de forma semelhante. O entusiasmo dos jovens de baixa renda com a tecnologia é o mesmo. As diferenças aparecem de acordo com a faixa etária. O trabalho com a terceira idade é diferente do feito com crianças.

Outra diferença é quando trabalhamos com comunidades mais remotas em relação a médios e grandes centros urbanos. Em todos os países e projetos de inclusão digital que já visitei, quando pergunto por que uma pessoa está participando da iniciativa, a resposta sempre é a mesma: conseguir trabalho, conseguir emprego. Essa é a grande motivação das pessoas.

Em comunidades ribeirinhas, por terem frutos à disposição e alimentos vindos do rio, a primeira necessidade não é trabalho ou emprego, mas qualidade de vida, no sentido de entrar em contato com o mundo ‘exterior’.

Como é a metodologia de ensino utilizada pelo CDI?

R.B. – O coração do nosso trabalho é nossa proposta político-pedagógica, baseada na pedagogia de Paulo Freire. Para a gente, é muito importante ensinar a usar a tecnologia discutindo a realidade da comunidade e gerando alguma intervenção na realidade. Nosso objetivo é formar cidadãos que possam exercer sua cidadania de forma empreendedora. Temos vários exemplos de como isso é feito. Em uma comunidade de baixa renda do Rio Grande do Norte, no primeiro dia de aula, os alunos escolheram um tema importante para debater. Na comunidade passa um rio, e os moradores jogavam lixo lá. Quando chove, o rio transborda e transmite uma série de doenças. Os alunos começaram um projeto de conscientização da comunidade para não jogar mais lixo no rio. Com um editor de textos e um programa de apresentação, eles produziram conteúdo para isso. Depois de três meses, todos os moradores pararam de jogar lixo no rio e os alunos aprenderam muito bem a utilizar os programas. Temos centenas de exemplos como este, que mostra que o uso de TICs empodera essas pessoas de baixa renda, que passam efetivamente a gerar soluções rumo à transformação social.

Como você imagina o CDI daqui a dez anos?

R.B. – Não sou profeta ou adivinho. Vejo a Rede CDI junta, definindo o caminho a ser tomado. O que aconteceu nos últimos anos, com o amadurencimento da rede, vai determinar o futuro. É o processo de ‘qualidade, resultado e ternura’ e de gestão participativa. Essa é a grande tendência.

Em termos práticos: a conexão de 100% das EICs à internet é um desafio. Hoje temos 34% conectadas em banda larga. Não consideramos as ligadas por linha discada. O número se deve ao fato de muitas escolas estarem em locais onde a conexão a cabo não é acessível. A opção para a maioria das nossas escolas seria a conexão via satélite, que ainda é muito custosa.

Qual o planejamento para que isso aconteça?

R.B. – Parcerias com a iniciativa privada e com o governo e a geração de estratégias de sustentabilidade. Temos alguns exemplos de EICs que fazem um fundo comunitário e contratam serviços de conexão à internet de banda larga. Esse tipo de modelo, que consideramos de sucesso, por não depender de parcerias, tem se mostrado eficaz.

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Jornalista da Revista do Terceiro Setor (http://rets.rits.org.br)