Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Murdoch e WSJ, as lições de um negócio

A polêmica venda do grupo Dow Jones & Co. – que publica o jornal de economia de maior prestígio dos Estados Unidos, o Wall Street Journal – para o conglomerado de comunicação News Corporation, propriedade do magnata da australiano Rupert Murdoch, foi a pauta do Observatório da Imprensa na TV de terça-feira (28/8). Ao contrário da tradição do Brasil – onde a discussão da mídia pela mídia é praticamente inexistente – a negociação com a família Bancroft, ex-proprietária do Journal, foi tratada com transparência nas páginas do jornal e amplamente discutida pelos veículos de comunicação norte-americanos e europeus.


Participaram do debate Luiz Garcia, articulista do jornal O Globo; Américo Martins, editor-executivo da British Broadcasting Corporation (BBC) para o continente americano e o cientista político David Fleischer.


Na abertura do programa, Alberto Dines anunciou o tema que será discutido na próxima semana: o comportamento da imprensa desde as primeiras denúncias do esquema de corrupção que envolveria integrantes do governo Lula e deputados federais para a liberação de emendas, o chamado ‘mensalão’. Para ele, a mídia precipitou-se muitas vezes, mas cumpriu o seu papel de informar e contribuiu para a consolidação da democracia.


Dines afirmou que a mídia deve discutir a mídia como todos os assuntos. ‘Colocá-la como tabu equivale a admitir que ela pode resignar-se a outros embargos. Se a mídia não discute a mídia, a sociedade fica de fora, sem saber o que está acontecendo numa instituição que existe para defender os seus interesses’, disse, no editorial do programa [ver íntegra abaixo].


Informação relevante


A reportagem que precedeu o debate detalhou o império de comunicação de Rupert Murdoch. O empresário é dono do estúdio de cinema Twentieth Century Fox, da rede de televisão Fox (que em outubro lançará um canal por cabo especializado em finanças) e do portal MySpace. Murdoch também é proprietário de dezenas de jornais pelo mundo, entre eles o New York Post, The Sun e The Times.


Para o jornalista Caio Blinder, comentarista do programa Manhattan Connection, do canal a cabo GNT, que vive em Nova York, a família Bancroft não tinha meios de resistir às pressões de Murdoch. O jornalista Argemiro Ferreira, que viveu mais de dez anos nos Estados Unidos, analisou a importância desta aquisição para o empresário: ao comprar o Journal, a News Corp. ganharia mais credibilidade para enfrentar os concorrentes ao lançar o novo canal.


O correspondente da TV Globo em Londres, Silio Boccanera, analisou a cobertura da imprensa inglesa: ‘A repercussão ocorre porque os britânicos sabem da influência política que a posse de tantos veículos pode dar a um empresário’, Luís Fernando Silva Pinto, correspondente da Rede Globo em Washington, afirmou que, nos EUA, comentar o que ocorre com os outros meios de comunicação é visto como parte da informação, e não como uma competição entre empresas que estão no mesmo mercado.


A mídia ainda não discute a mídia


No debate ao vivo, Dines questionou Luiz Garcia sobre o fato de a mídia brasileira discutir a mídia internacional, mas não tratar dos problemas que envolvem os meios de comunicação do país. ‘É uma tradição brasileira dizer que falar mal publicamente dos concorrentes é uma coisa de mau gosto. Então, fala-se mal privadamente dos concorrentes, que costuma ser mais eficiente’, avaliou o Garcia. Para ele, pode-se esperar que o empresário australiano transforme o Journal em ‘uma sombra do que era, uma fantasia de imprensa’. Garcia ponderou que comentar criticamente o restante da imprensa não é uma tarefa simples, e que a instituição da figura do ombudsman nas redações de jornais já obrigou os meios de comunicação a pensarem sobre si mesmos. ‘Quem sabe um dia aprenderemos a falar mal de nossos rivais?’, disse.


Américo Martins traçou um panorama da presença de Murdoch na imprensa inglesa. O jornalista rememorou o papel decisivo do magnata nos anos 1980, quando, ao liderar o grupo de donos de jornais, enfrentou as entidades de classes que promoviam greves e impediam a circulação das publicações. Américo ressaltou que o empresário passou a ser criticado com mais firmeza após ter comprado o jornal The Sun, até então deficitário, e tê-lo transformado no maior tablóide sensacionalista da Grã-Betanha. Para ele, em princípio, Murdoch não alteraria a linha editorial do Journal para manter a credibilidade da sua ‘jóia da coroa’, mas ressaltou que o empresário não respeitou a promessa de não interferir no conteúdo dos jornais que comprou em ocasiões anteriores.


Quem perde com falta de transparência


‘É, talvez, um acordo de cavalheiros de não lavar a roupa suja em público. Lava-se privadamente’, avaliou David Fleischer. Para o cientista político, o diálogo sobre a imprensa no Brasil não é aberto, portanto a sociedade não pode acompanhá-lo. Citou como exemplo as mudanças de formato e de atuação do Jornal do Brasil e da Gazeta Mercantil, que não foram relatadas para os leitores de forma transparente. O leitor do Wall Street Journal, definido por ele como ‘sofisticado e exigente’, seria o grande juiz da investida de Murdoch. Se mudar totalmente o estilo da publicação, os leitores migrariam para outros jornais.


Dines e Luiz Garcia discutiram o passado da crítica aos concorrentes na história da imprensa no Brasil. Os jornalistas lembraram a polêmica travada nas páginas dos jornais Última Hora, de Samuel Wainer, e Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, nos anos 1950. Lacerda acusava Wainer de haver sido favorecido pelo governo de Getúlio Vargas. O articulista do Globo avalia que a luta foi travada acidentalmente no campo da mídia, mas era, essencialmente, política. ‘Não era uma briga entre estilos de imprensa, entre maneiras de fazer imprensa, maneiras de se definir como jornalismo’, afirmou.


O editor-executivo da BBC explicou que a cobertura da compra feita pela emissora enfatizou, principalmente, o aspecto financeiro do negócio, estimado em 5 bilhões de dólares. A BBC também enfocou a trajetória do empresário na imprensa britânica e deu voz aos críticos e defensores do negócio. Américo Martins explicou que a BBC não é contra uma imprensa privada forte.


Concentração da mídia


Dines também examinou a questão da concentração da mídia em poucos grupos e as conseqüências disso para o processo democrático. ‘O teste de uma democracia, evidentemente, inclui sobreviver a qualquer Murdoch’, avaliou Luiz Garcia. David Fleischer acredita ser improvável que a lei dos Estados Unidos para o setor vá além do que já existe. A lei americana impede que um empresário seja proprietário de um jornal, de um canal de televisão e de uma rádio numa mesma região geográfica, o que evitaria a propriedade cruzada. Fleischer comentou que, no passado, o Brasil já viveu uma experiência desse tipo, com o jornalista e empresário Assis Chateaubriand.


‘O poder político dos grandes grupos de comunicação só é eficaz na medida em que ele não é exercido’, observou Luiz Garcia. A adoção de posições políticas e partidárias pelos grandes jornais, geralmente resultam em fracasso. Para David Fleischer, o grande número de parlamentares que são proprietários de jornais dificultaria a produção de jornalismo regional no Brasil: ‘Os políticos são donos da mídia em seus estados e usam a mídia para fortalecer suas campanhas políticas’.


Discutir a mídia não pode ser tabu


Américo Martins ressaltou a importância de os grandes veículos de comunicação do Brasil, a exemplo do que ocorre na Grã-Bretanha, terem repórteres especializados em mídia – não só no aspecto financeiro, como também no âmbito político. O editor-executivo da BBC afirmou que a observação crítica da imprensa na Inglaterra é feita diariamente nas páginas dos jornais.


‘A grande lição que podemos ter é de que na hora que descobrirmos formas de neutralizar os `murdochs´, nós, possivelmente, estaremos fazendo uma imprensa muito mais pobre e muito mais mesquinha do que ela é quando resiste aos `murdochs´ e sobrevive a eles’, concluiu Luiz Garcia.


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Concentração e distorções


Alberto Dines # editoral do programa Observatório da Imprensa na TV nº 431, no ar em 28/8/2007


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Quando começou o caso do mensalão, há pouco mais de dois anos, alguns críticos o classificaram como um complô da mídia contra o governo. Hoje (28/8), o Supremo Tribunal Federal desmentiu estas teorias conspiratórias ao considerar como réus os 40 relacionados pela CPMI e denunciados pelo Ministério Público.


A imprensa não errou? Errou. A começar pela divulgação do vídeo da propina nos Correios que não resultou de uma investigação jornalística, mas de uma disputa entre fornecedores. A mídia precipitou-se muitas vezes, mas não fez feio no primeiro ato desta exibição de democracia. Ficaram mal aqueles que não vivem sem um bode expiatório. Voltaremos ao assunto.


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A compra do Wall Street Journal pelo magnata australiano Rupert Murdoch pode ser vista como mais uma etapa do perigoso processo de concentração da mídia em todo o mundo, com as inevitáveis distorções políticas e ideológicas.


Mas o que interessa a este Observatório da Imprensa é a intensa discussão que a transação provocou na mídia internacional. A ousadia de Murdoch foi comentada abertamente pelo seu competidor, o New York Times, mas também pelos próprios jornalistas do Wall Street Journal em suas páginas.


A mídia deve discutir a mídia como discute todos os assuntos. Colocá-la como tabu equivale a admitir que ela pode resignar-se a outros embargos. Se a mídia não discute a mídia, a sociedade fica de fora sem saber o que está acontecendo numa instituição que existe para defender os seus interesses.


Murdoch e o Wall Street Journal não estão distantes de nós. Estariam, se admitíssemos que certos assuntos devem ser mantidos sob sigilo.

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Jornalista