Tem se tornado um lugar-comum dizer que o jornalismo está em metamorfose. Obviamente o jornalismo, assim como qualquer fenômeno social, é vivo, está sempre em processo e, portanto, sujeito a mudanças. No entanto, é visível que nas duas últimas décadas, os movimentos da economia, da sociedade, da cultura e mesmo da política têm, de diversas formas, interferido fundamentalmente para mutações tanto dos processos de produção da informação, como da informação jornalística gerada pelos dispositivos comunicacionais.
A internacionalização do capital e suas conseqüências econômicas de concorrência acirrada entre as empresas, que competem num mercado global, tem mexido com as empresas jornalísticas, fazendo com que pensem suas estratégias a partir de um cenário de alta competitividade. Os novos aportes tecnológicos gerados pela pesquisa e produção de tecnologias da comunicação e da informação têm revolucionado o fazer jornalístico, reestruturando processos, eliminando etapas, dando nova dimensão às questões de espaço e tempo, tanto no que tange à produção, como na distribuição do conteúdo, seja em ondas, bytes ou papel. Desenvolvida neste contexto, a nova mídia internet acaba por também provocar deslocamentos no modo de operar e de ‘ser’ do jornalismo.
O grupo organizador
Assim sendo, se na contemporaneidade a mídia, e nela o jornalismo, são determinantes na constituição da esfera pública, ou são a própria esfera pública, essa condição, associada a novos fenômenos, pede discussão. Por exemplo, o conceito de midiatização e o que ele representa geram novos contornos na reflexão sobre o papel social do jornalismo e seu poder de definir o que consiste o interesse público. Por outro lado, a imprensa tem se aproximado do pólo receptor da comunicação midiática, o leitor/ouvinte/espectador/navegador, ampliando as possibilidades do mesmo interagir com os meios, provocando alterações radicais, se comparadas à prática tradicional do jornalismo. Ou seja, mesmo que em projetos eminentemente mercadológicos os veículos de comunicação estejam descentralizando sua produção jornalística, permitindo que o receptor alcance o status de produtor, o que permite, por essa perspectiva, uma discussão das funções do jornalismo e do interesse público da notícia.
Essas novas formas de interação do jornalismo com outros campos – ou com o seu próprio campo – é que vêm dando o tom da mudança. Este é o viés observado na obra que aqui se oferece. Problematizar o cenário esboçado aqui é o que pretende o livro Jornalismo – Formas, Processos e Interações, que reúne jornalistas-pesquisadores e professores com questões em comum, como a de refletir sobre os caminhos que a atividade jornalística está percorrendo e os possíveis locais de chegada. O livro representa um esforço que se iniciou com uma primeira obra organizada pelo grupo de professores da Universidade de Santa Cruz do Sul – Edição em Jornalismo – Ensino, Teoria e Prática (EDUNISC, 2006) –, o qual agora se incumbe de sistematizar esse outro conjunto de textos para suscitar mais um debate em torno do jornalismo. Ao mesmo tempo, o grupo busca ‘fazer a sua parte’ enquanto formado por profissionais com uma trajetória no mercado e experiência em docência, que agora se aventuram na pesquisa acadêmica do campo da Comunicação.
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Prefácio
Alfredo Vizeu (*)
O Jornalismo acabou? Agora, todos somos jornalistas? Perguntas como essas são feitas em todos os recantos do país diariamente a jornalistas, professores e pesquisadores do campo jornalístico. Com certeza, as novas tecnologias e a internet vêm determinando uma série de mudanças na sociedade contemporânea. Novas formas de comunicação e expressão são criadas. As perspectivas são ilimitadas, infinitas. No entanto, não podemos confundir essas novas formas de expressão que se constituem por meio de comunidades virtuais, blogs, entre outros. São basicamente novas formas de expressão.
Já o jornalismo é uma forma de conhecimento crítico que tem como preocupação interpretar a realidade social. É resultado de uma atividade profissional de mediação, vinculada a uma organização que se dedica basicamente a interpretar a realidade social e mediar os que fazem parte do espetáculo mundano e o público. O campo jornalístico não só transmite, mas prepara e apresenta uma realidade dentro das normas e das regras do campo, contribuindo dessa forma para a percepção do mundo da vida.
Como bem observa o intelectual francês Dominique Wolton, quanto mais há informação, comentários e opiniões, mais a função do jornalista, do campo do Jornalismo – como mediador para selecionar, organizar, hierarquizar a informação – é indispensável. O que é colocado hoje é que, diante das novas tecnologias, temos pela frente novos desafios sobre os modos de fazer Jornalismo. Se as fronteiras entre o campo jornalístico e outras formas de expressão e comunicação se estreitam, isso exige uma reflexão crítica e profunda sobre o jornalismo hoje.
Em boa hora, Ângela Felippi, Demétrio de Azeredo Soster e Fabiana Piccinin organizam esse livro que procura pensar o Jornalismo na contemporaneidade. Ao longo da leitura, podemos observar a preocupação dos seis autores em buscar pistas e apontar caminhos para compreender as mudanças pelas quais passa a atividade, o campo jornalístico. Temas como o conhecimento, a midiatização, a temporalidade e as novas possibilidades do jornalismo são abordados e discutidos de uma forma consistente e competente.
Ecologia comunicacional
A relação entre o discurso jornalístico, o conhecimento e a política é a preocupação de João Carlos Correia. O autor procura identificar os padrões de construção discursiva e a forma como essa relação discursiva se torna um modo de reprodução e construção ideológica. A intenção é tentar compreender como se processam, dentro desse contexto, as interações entre a mídia, o campo do jornalismo e seus públicos.
Como argumenta com propriedade Correia, o Jornalismo tem a função de procurar criar espaços de mediação entre as várias formas de conhecimento, mantendo a distância em relação aos interesses, tornando-os próximos e acessíveis ao senso comum dos cidadãos, funcionando assim como uma espécie de ‘enunciador pedagógico’. Nesse sentido, como diz o autor, uma formação com qualidade do jornalista é fundamental.
O jornalismo, com certeza, cumpre o papel de mediação entre os acontecimentos e o mundo da vida, contribuindo para que homens e mulheres possam ter acesso e uma compreensão maior do seu entorno. Mas, nesse processo, o campo jornalístico vem apresentando uma espécie de ‘autofagia’. Ou seja, o jornalismo está se alimentando do jornalismo, e não dos fatos do dia-a-dia.
É o que nos chama atenção em seu texto Demétrio de Azeredo Soster. O autor explica que, lenta e gradualmente, os dispositivos comunicacionais de natureza jornalística estabelecem diálogos ancorados no que a própria mídia oferece em termos de notícia, em vez de terem como base o diálogo entre os suportes e seus públicos-alvos. Ou seja, a mídia dialoga com a própria mídia.
Dentro desse contexto, Soster sustenta que uma das chaves para entendermos a questão é observarmos este novo cenário a partir da midiatização, de uma reconfiguração da ecologia comunicacional. Nesse processo, a internet acelerou o tempo e reduziu as distâncias, implicando uma nova processualidade, na qual a atenção se desloca para o que ocorre nas intersecções do ato jornalístico-comunicacional.
Obsessão pelo instantâneo
A temporalidade e o jornalismo nesse novo quadro é o tema de discussão de Carlos Eduardo Franciscato. O autor busca refletir sobre as transformações na experiência do tempo que o Jornalismo opera na sociedade a partir da internet como experiência comunicacional. Detém-se sobre as mudanças que a world wide web vem alcançando com o crescimento com a participação dos usuários.
Franciscato observa em seu artigo que, apesar da aparência de que nos novos cenários da rede os leitores teriam contato direto com os fatos do cotidiano, prescindindo da mediação dos jornalistas sobre os conteúdos, não há indicações, nem sinais mais nítidos, de que essas experiências prescindirão da presença dos jornalistas nas suas funções de mediação e interpretação dos conteúdos do cotidiano e do mundo da vida que caracterizam a sua atividade.
Esses novos cenários de interação entre o leitor e o jornal estão entre as preocupações do artigo de Ângela Felippi. A autora tem como objetivo discutir alguns aspectos do quadro de mudanças que vêm acontecendo nas últimas décadas, tendo por base um estudo de caso do jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul. Analisa as estratégias que as empresas jornalísticas estão adotando para sobreviverem ao capitalismo avançado. Dois aspectos são abordados: o ‘localismo’, a preocupação em dar mais ênfase ao aspecto regional; e o outro, de estreitamento das relações com os leitores, com a criação de formas de participação e visibilidade deles no ZH.
No artigo, observação de Felippi se aproxima muito da reflexão de Franciscato. Se Zero Hora, ao valorizar o leitor pelo chamamento até para a produção e para as páginas do jornal, delegando certas etapas ou funções dos jornalistas ao leitor, descentralizando o processo, a decisão e os níveis de decisão continuam na redação. Ou seja, a condição do leitor que é convocado a participar e interagir é controlada e monitorada pelo próprio jornal.
As mudanças que a prática jornalística vem adquirindo a partir da sucessão de alterações intensas e rápidas que marcam a contemporaneidade na produção de notícias também fazem parte das preocupações de Fabiana Piccinin. Com relação a essas transformações, a autora esclarece que, apesar de o Jornalismo manter a sua essência como qualquer outro meio – captação, tratamento e edição de notícias –, esse processo tem nuances específicas na TV e no telejornal.
Uma delas diz respeito ao fato de que, se as mudanças tecnológicas afetam o jornalismo, o telejornal também entra na esfera de relativização da sua própria natureza, fazendo com que o jornalismo televisivo caminhe para uma formatação cada vez mais orientada pela prestação do serviço e pelo entretenimento. Outro aspecto que Piccinin destaca é que, sob influência da web, a televisão tem uma obsessão ainda maior pelo oferecimento do instantâneo, do ‘ao vivo’. Essa tentativa de aproximação entre a televisão e a internet pode significar, como indica a autora, um período preparatório do veículo e do programa à lógica da operacionalidade da tecnologia digital.
Leitura útil
No artigo final do livro, José Afonso da Silva Júnior faz uma interessante abordagem, procurando mostrar que nem todas as características identificadas no jornalismo na web representam aspectos realmente novos. O autor lembra que muitos deles já existiam em outras mídias e sua utilização no novo suporte é revestida de atualidades. O estudo tem como referência as agências de notícias.
José Afonso da Silva Junior argumenta que o que aproxima e torna possível a análise é que o jornalismo na web e nas agências trata de práticas de circulação de informação em modelos de redes tecnológicas. O autor observa que, com a internet, emerge uma série de horizontes informativos que antes seria impossível. Um exemplo é o serviço da Reuters direcionado ao universo das ONGs. Seria improvável que, em modelos de redes privadas ou analógicas, esse sistema pudesse operar de modo eficiente, devido às limitações envolvidas.
Metamorfoses Jornalísticas – formas, processos e sistemas traz uma importante contribuição para a discussão e a reflexão sobre o Jornalismo na contemporaneidade. De leitura agradável, o livro apresenta um trabalho forte e consistente de jornalistas, professores e pesquisadores que estão preocupados em buscar pistas para compreender os novos desafios colocados pelo Jornalismo no mundo moderno.
Compreender o Jornalismo é compreender a democracia no nosso país. É contribuir para seu aperfeiçoamento. Sem dúvida, a leitura desse livro ajudou-me e, acredito, vai ajudar não só aqueles que atuam, ensinam e pesquisam o Jornalismo, mas todos interessados num Brasil ainda mais democrático.
(*) Jornalista, professor do Departamento de Comunicação Social da UFPE
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Jornalista, professora da Universidade de Santa Cruz do Sul, doutora em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul