‘Vc sabe o q é + difícil p/ a galera do ensino básico hj?’ Entender porque eles não podem escrever dessa forma nas redações em sala de aula. Essa linguagem está presente no dia-a-dia dos estudantes de diversas formas: sites de relacionamentos como Orkut, chats, e-mails, MSN (bate-papo em tempo real) e até nos bilhetinhos com os amigos. Ela é mais prática e faz com que a comunicação seja mais rápida.
Mas esse contato freqüente com a internet, e principalmente com a linguagem abreviada e coloquial, pode provocar algumas mudanças na forma de os jovens se expressarem. E isso se reflete nas redações repletas de erros ortográficos e gramaticais.
Victor Rodrigues Ribeiro, hoje com 13 anos, conta que entrou em contato com a internet quando tinha 6 anos de idade. Até o ano passado, ele tinha computador em casa e passava horas navegando na net. Para ele, o vício de escrever quase tudo simplificado o atrapalhou na sala de aula. ‘Às vezes, eu escrevia nas redações ‘você’ com ‘vc’. Quando percebia que estava abreviado, apagava e consertava’, descreve.
Impacto da mudança
Casos como este, os professores enfrentam diariamente nas escolas do país. Uma situação semelhante aconteceu com Paulo Munhoz, um dos coordenadores pedagógicos da Escola Estadual José Amaro Rodrigues, em Artur Nogueira, SP. Na época em que era professor de Língua Portuguesa para o ensino médio, recebeu algumas redações com abreviações que são comuns em bate-papos online. ‘Na correção eu deixava um lembrete: ‘Você não está no MSN. Você está apresentando um trabalho’’, relembra.
A solução ideal para esse problema, vista por alguns, seria a inclusão do ‘internetês’ à língua portuguesa. É o que acredita a estudante Aline Pereira, de 14 anos. Ela costuma escrever palavras abreviadas quando troca bilhetes com as amigas, mas quando faz um trabalho escolar segue as normas da língua. ‘Seria mais prático e eficiente se a escola permitisse o uso dessa linguagem’, justifica.
Já para uma amiga da estudante, Talita Ferreira, isso não pode e nem deve acontecer. Mesmo escrevendo abreviado nos bilhetes, ela fala que na escola deve ser ensinada a linguagem correta. ‘Se existem as palavras certas, então por que não escrever certo?’, questiona.
É aí que entra outro grupo de estudantes: os que não são influenciados por essas alterações da linguagem. O professor de Língua Portuguesa para a 8ª série Walter Ferreira, também da Escola Estadual José Amaro Rodrigues, revela que não sentiu em seus alunos o impacto dessa mudança. Ele explica que mais de 90% dos alunos não costumam escrever com abreviações. ‘Ou eles estão muito discretos ou estão ficando mais atentos’, brinca.
Mudanças na língua
Sabe-se que a língua portuguesa está passando por alterações oficiais nas últimas décadas. Será que existe alguma relação entre essa influência que a internet tem na língua e o acordo de simplificação da língua portuguesa? Essa convenção, denominada Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, está para entrar em vigor e tem por objetivo unificar a escrita nos oito países que falam a língua: Brasil, Portugal, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Timor Leste, Angola e Guiné-Bissau.
Quem esclarece isso é o gramático e filólogo Evanildo Cavalcante Bechara, membro da Academia Brasileira de Letras. De acordo com ele, a alteração é exclusivamente para o sistema de grafia das palavras, o que não inclui a fala. ‘Não significa unificação da língua. Significa unificação na língua’, destaca.
Definir se haverá mudanças significativas na língua por causa da internet não é uma tarefa simples e não há consenso entre os especialistas. O professor Joubert Perez, mestre em Lingüística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que ao estudar a história das línguas, é possível notar que elas sempre mudaram. ‘Não é de se escabelar. Eu acho que vai mudar, sim. (…) Mas a língua portuguesa vai continuar firme e forte’, analisa.
‘Internetês’ é limitado a um momento
Doutoranda em Lingüística pela Unicamp, Ana Schäffer está desenvolvendo uma pesquisa sobre como a internet reduz a língua portuguesa e como o educador deve lidar com isso. Ela também defende que há um movimento na língua. As pessoas, segundo ela, buscam um palavreado rápido e abreviado na internet. Mas ela aponta um problema encontrado nessa situação: os guetos lingüísticos formados dentro dessa nova tecnologia. ‘Somente quem está conectado a esse estilo sabe o que significa cada abreviação’, aborda.
Esta é a mesma idéia que o estudante Guilherme dos Santos Silva tem de língua portuguesa. Quando seus amigos escrevem palavras abreviadas no MSN , ele conta que até reclama. ‘Escrever `você´ só com `vc´ é esquisito. E muita gente pode não entender’, ressalta. É por isso que ele prefere usar a maneira correta em qualquer lugar.
Enquanto alguns acreditam que as mudanças fazem parte da tendência da língua, outros prevêem que não vai acontecer alteração alguma. O gramático e filólogo Bechara explica que o uso do ‘internetês’ fica limitado ao momento da internet, e não vai extrapolar para a língua comum. ‘É exatamente o que acontece com a taquigrafia: é um sistema de escrita reduzida que os taquígrafos usam, mas que depois deve ser transcrito para a escrita comum, para constituir um texto acessível à leitura de qualquer pessoa’, exemplifica.
Ambientes diferentes
Independentemente do fato de provocar ou não alterações, a mídia online traz algumas contribuições para a língua portuguesa. A internet também pode ser considerada um canal da cultura e, conseqüentemente, ela dá apoio não somente à língua, mas à própria cultura do homem. Bechara afirma que a língua é o que os seus falantes fazem dela. ‘Um falante culto utiliza a língua de maneira mais enriquecida. Já um falante que tenha uma restrição vocabular, escreve o seu texto nem sempre de maneira completa’, analisa.
Diante dos fatos, como pode o professor lidar com a linguagem virtual que seus alunos estão habituados a usar? Como fazer os estudantes entenderem que a norma culta deve ser seguida cuidadosamente nas redações?
O educador deve perceber que a questão envolve o gênero. A preocupação dos pesquisadores é justamente a de que ele não perceba isto. O lingüista Perez explica que o professor de línguas, além de notar esse fenômeno, deve ensinar ao aluno que o gênero determina o tipo de linguagem e, por isso, está dividido nas mais variadas áreas: e-mail , carta, resenha, resumo acadêmico, dentre outros.
Uma maneira prática de o professor fazer isto é utilizar exemplos. ‘Dizer ao aluno que quando ele vai dormir usa o pijama, mas quando sai da cama para a sua vida normal não pode continuar de pijama’, comenta o gramático Evanildo Bechara. Ele afirma que a mesma situação acontece com a linguagem de internet. ‘É um problema de ambiência. O professor deve deixar claro que são ambientes diferentes’, destaca. Bechara assegura que o aluno pode até usar palavras abreviadas na internet, mas tem que aprender a escrever corretamente na língua comum.
Enquanto as alterações na língua não são oficializadas, o professor deve ensinar a maneira certa de se escrever e os jovens precisam aprender que podem utilizar as duas linguagens, mas cada uma no seu devido espaço.
******
Estudante de Jornalismo do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp)