O astro Diego Maradona foi execrado pela Rede Globo, incansavelmente, durante 24 horas seguidas. Numa cobertura sem precedentes para uma única informação, na terça-feira (4/9) a emissora passou a mesmíssima matéria nos seus cinco jornais diários (Bom Dia, Brasil, Globo Esportes, Jornal Hoje, Jornal Nacional e Jornal da Globo). A notícia referia-se a um suposto pedido de prisão na Argentina contra o ex-jogador, por causa de um acidente de trânsito sem maiores conseqüências.
Após a introdução ao assunto, era mostrado um vídeo dele numa festa, captado poucos dias antes. Os telejornais induziam o telespectador a pensar que El Pibe estava tendo um comportamento inadequado. Qual o crime? Estar em Bogotá, cantando ‘músicas românticas’ – na verdade, o famoso tango Cuesta abajo, de Carlos Gardel. Cada apresentador fazia caretas desabonadoras ao comportamento do argentino. A maioria das frases remontava aos seus antecedentes de envolvimento com drogas: ‘Ele não parava de rir. Parecia feliz e se esbaldou na música romântica’.
Cristiane Pelajo chegou a repetir que Maradona tinha sido ‘flagrado numa festinha particular, beeem animada’. O que a câmara de celular flagrou de tão proibido? Ele se divertindo e fazendo malabarismo com uma bola. A apresentadora emendou: ‘Aparentando não estar preocupado com o pedido de prisão, ele também mostrou seu conhecido talento para a festa cantando ao lado de uma dupla colombiana’.
Suposto furo
Fiquei preocupado com o futuro de Maradona na prisão e fui ao site do maior jornal da Argentina para aprofundar o assunto. Absolutamente nada sobre o tema; menos ainda sobre a possibilidade de Maradona ir para a cadeia.
No arquivo de notícias, a partir da palavra ‘Maradona’, três referências recentes chamavam a atenção. Havia sido lançado dois dias antes o livro Potreros, que significa ‘campos de várzea’, nos quais a criançada mais humilde dá seus primeiros passos no futebol. O livro tinha o apoio de Maradona, ele mesmo um dos que mais usou esses locais antes da fama. O prefácio era de sua autoria. A foto de capa, também dele, quando tinha 9 anos.
A outra notícia sobre El Diego, datada do final de agosto, também estava ligada à área cultural. Uma série de contos sobre Maradona estava sendo leiloada. A arrecadação seria integralmente destinada à manutenção de um museu.
A terceira notícia na busca de Clarín era relacionada à música. Era uma banda de música popular argentina, Tifosis del Rey, que é apadrinhada por Maradona desde 1997. Eles são pouco conhecidos na Argentina, mas o pequeno sucesso obtido até hoje é graças a El Pibe.
Esse tipo de notícia ‘boa’ sobre o ex-craque não interessa à Globo, que cultiva incessantemente a rivalidade com a Argentina. Parece que o futebol é a referência para rejeitar os vizinhos. Não se tenta aqui dizer que Maradona é um exemplo para nossos filhos. Apenas que não merece ser perseguido e injuriado por estar se divertindo em público. Muito menos se deve distorcer informações para promover um suposto furo de reportagem do correspondente da Globo em Buenos Aires.
Sem perspectivas
E a tal ordem de prisão contra Maradona? Desistindo do Clarín, fui ao arquivo virtual do segundo maior jornal da Argentina, La Nación. Neste, sim, havia uma nota fazendo referência ao assunto. Um promotor disse que Maradona deveria ir depor na Justiça argentina e que faria cumprir a decisão ‘nem que fosse à força’. Tudo por causa de um leve acidente de trânsito envolvendo o argentino, que não teria prestado socorro. A matéria do jornal argentino termina dizendo que não havia nenhuma possibilidade de Maradona ir à prisão.
Recapitulando: apesar de a Rede Globo ter insistido em todos os seus telejornais que Maradona seria preso ‘assim que voltasse para a Argentina’, não há qualquer perspectiva de ele ir para a cadeia.
Existe perseguição de parte da imprensa brasileira contra Maradona ou estou ficando paranóico na defesa do meu ídolo?
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Jornalista e professor universitário (Faculdade Estácio de Sá, SC)