Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O apagão republicano

Ao salvar Renan da cassação, o governo apenas cuidou de salvar a própria pele. Ou, como dizem analistas chegados à lógica palaciana, o governo pretendia ‘garantir a governabilidade’. Por governabilidade entenda-se o que se quiser, o mais provável é que o governo precisava dar um basta à pressão da sociedade manifestada através da mídia.


O raciocínio é simples: de nada adianta cooptar uma sólida maioria parlamentar se ela é incapaz de resistir à pressão da imprensa. Renan, para o governo, é um acidente de percurso, o esforço para evitar a sua cassação não decorreu de um sentimento de solidariedade – essa palavra não existe no universo vocabular da real-politik.


O rigoroso esquema posto em funcionamento imediatamente antes e durante o julgamento serviu para salvar Renan, mas serviu, sobretudo, como exercício de prevenção, ensaio de salvamento para casos mais graves. Renan inocente ou culpado era questão marginal, o importante era evitar a repetição do ocorrido com o mensalão, quando a visibilidade das sessões no STF converteu-se em fator decisivo para levar os denunciados ao banco dos réus.


Distância da mídia


Para impedir que a mesma transparência contaminasse o Senado não bastariam os recursos discutíveis da sessão fechada e do voto secreto. Era preciso ir adiante: blindar a Câmara Alta, convertê-la num bunker inviolável onde seria possível produzir um black-out institucional capaz de acobertar o vale-tudo.


A varredura eletrônica na véspera da votação, a interdição ao uso de computadores (hoje equipados com câmeras e gravadores), a rigorosa recomendação para que os senadores desligassem seus celulares, o corte no sistema de som do plenário e até a supressão do registro taquigráfico para servir à ata não foram procedimentos casuais ou rotineiros. Seguiram uma linha precisa, altamente profissionalizada.


Quando José Sarney era um dos braços civis do regime militar descartaria a exibição deste arsenal obscurantista. Agora, descuida-se com as aparências. A degola de seu protegido, Renan Calheiros, o deixará isolado (junto com a filha, Roseana) na condição de remanescente do coronelismo senatorial.


O lapso institucional que envolveu a absolvição do presidente do Senado – inédito apagão na vida republicana – destinou-se a envolver os senadores num clima furtivo, extremamente conveniente para seus parceiros envergonhados, mas ostensivamente na contramão da limpidez do sistema democrático. A dissimulação de uma dezena de parlamentares ao antecipar um voto nas enquetes jornalísticas e acionar o painel eletrônico em direção contrária, desvenda a atração do arbítrio pela mentira.


Para agir com desenvoltura em favor de seus interesses, tanto o governo como a base governista concluíram que é imperioso manter a mídia à distância. Como é impossível controlar a divulgação dos fatos, instalaram um sistema para impedir que os fatos sejam conhecidos.


Informação rarefeita


O resultado do primeiro julgamento de Renan Calheiros, neste momento, tornou-se secundário. Ao contrário do sugerido pelo presidente Lula, este placar não deve ser acatado, deve ser corrigido pelos outros processos em curso no âmbito da Comissão de Ética, na Procuradoria Geral da República e no Supremo Tribunal Federal.


O que preocupa é a consagração e a universalização do manual intimidador adotado pela Mesa do Senado nas terça e quarta-feiras (11 e 12/9). Flagrado pela imprensa, Renan Calheiros está persuadido de que a sua sobrevivência só será possível em ambientes controlados, rarefeitos de informação. Se for bem-sucedido, criará um estilo. Oportunidades não faltarão.