A análise de Deonísio da Silva acerca das causalidades do baixo desempenho escolar, publicada neste Observatório (‘Os alunos vão mal? Culpa do professor!‘), possui um único aspecto do qual discordo. Não considero salutar a prática de currículos únicos em um país que apresenta profundas divergências culturais, econômicas e sociais, às vezes entre dois bairros de uma mesma cidade, e muito mais profundas entre suas regiões. É preciso que consideremos a realidade local da clientela e preparemos as crianças para interagir com esta realidade específica de seu grupo social. Estas particularidades vão desde os exemplos que a professora do ensino básico se utiliza para explicar matemática até o tipo de engenharia que se faz necessária em uma determinada região.
O sistema oficial de ensino, costumeiramente, divulga na mídia tentativas de explicar o fracasso escolar sem que o sistema seja responsabilizado e de modo a não se pensar a alteração do modelo de preservação do poder cultural e econômico. Estas explicações vão desde a responsabilização da própria criança, através de argumentos vinculados a problemas psicológicos, até explicações que estabelecem uma relação econômica entre ‘o que se oferece’ e ‘quanto isto custa’. Justificativas que implicam na aceitação de que pobre tem que estudar em escola precária. Sabemos, entretanto, que o ensino público é um dos mais caros do país. Gasta-se mais com uma criança na escola pública do que na particular; apenas este custo não é repassado em forma de benefícios para o aluno.
Processo excludente
O problema de sistema educacional reside no próprio conceito ideológico de Educação. A educação não tem por objetivo a aquisição individual de técnicas e competências especializadas a serem, na idade adulta, vendidas no mercado de trabalho. Visa sim, à produção de cidadãos preparados para participar dos processos sociais, culturais, políticos e econômicos da nação. Ou seja: socializar. Socializar é inserir em uma sociedade, desenvolver sentimentos de solidariedade social, integração ao grupo social e formação de uma consciência social que faça com que as pessoas sintam que são membros de um mesmo grupo social e zelem pela melhoria das condições de vida do grupo como um todo. Um nacionalismo saudável, não ufanista ou de caráter fascista, mas um sentimento de comunidade franco e afetivo.
O problema do sistema educacional começa pelo fato da Escola ter abandonado este objetivo. Há muito tempo, a Escola é vista como um meio de ascensão social. Esta ascensão nada teria de errado se fosse decorrência de uma socialização bem sucedida; no entanto, é entendida como o objetivo único, exclusivo e principal do sistema escolar. Ou seja, abandona-se o objetivo de socializar e estabelece-se uma Escola preparatória ao nível profissional como tentativa de associar o sucesso escolar à diminuição das desigualdades econômicas e sociais. Nesse processo, fica implícito que os melhores terão empregos e salários que lhes possibilitem uma vida economicamente tranqüila, enquanto os demais serão os fracassados e estarão condenados à pobreza e aos subempregos.
Importância do educador
Esta distorção está presente em todos os níveis do sistema educacional (alunos, pais, professores e nas políticas dos órgãos governamentais). Resultado: abandonado ou desconsiderado o objetivo, o processo segue sem controle, gera uma insatisfação geral e cria as condições básicas do chamado fracasso escolar. E quem são os fracassados? A maioria deles é pobre, justamente a camada da população que tem na Escola a única expectativa de ascensão social. Como a Escola não melhora o nível sócio-econômico da população, ela fracassa também.
O que a Escola precisa é de abandonar o objetivo de produzir uma minoria especializada em detrimento de uma maioria desqualificada e o professor conscientizar-se de sua importância como educador, que no sentido amplo, significa exercer sua função como agente socializador.
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Mestre em Psicologia pela FGV, diretor de Pós-graduação da Universidade Estácio de Sá