A melhor medida para avaliar um programa de TV é por intermédio da opinião dos telespectadores. Ao chegar aos dois anos no ar, o VerTV coleciona uma série de mensagens suficiente para traçar um quadro, ainda que impressionista, dos resultados obtidos. O traço comum a elas é o da surpresa. Deduz-se que a maioria absoluta dos telespectadores chegou ao programa zapeando (não há nenhuma outra forma de divulgação do VerTV além das chamadas nas emissoras que o transmitem e de pequenas notas eletrônicas da assessoria de divulgação da TV Câmara).
E ao zapear, o telespectador se surpreende com o inusitado e pára. Assiste ao que resta do programa e muitos escrevem querendo saber quando será exibido de novo ou como fazer para obter a cópia integral. Muitos são professores, de diferentes níveis, querendo passar o programa para os alunos e aprofundar os temas tratados no ar. Há vários relatos nesse sentido.
Mas o que causa surpresa? O inusitado. O que nunca foi visto na TV brasileira , de repente, está na tela. Por exemplo: o papel subalterno do negro na TV. Quem não pararia o zapping ao ouvir o relato de uma mãe negra sobre a dificuldade dos filhos de entender por que os seus antepassados só apanham nas novelas de época ou são empregados domésticos nas contemporâneas?
Visão crítica
A televisão brasileira discute tudo – bem ou mal, mas discute. Só não discute ela mesma (com as exceções pontuais de algumas edições do Observatório da Imprensa, na TV não-comercial). Daí a surpresa do telespectador diante do VerTV ao se deparar, por exemplo, com a erudição musical de Zuza Homem de Mello mostrando como a televisão, em outros tempos, já tratou a música de forma bem mais inteligente. Ou com a delicada questão das concessões de rádio e TV no Brasil, a verdadeira caixa-preta do sistema, discutida em profundidade. Trata-se de um tema-tabu para os radiodifusores, que fazem questão de esconder a sua condição de concessionários de um serviço público. Vários telespectadores disseram ter sido através do programa que ficaram sabendo que uma concessão de TV tem um prazo de vigência de 15 anos.
Esta é outra característica do VerTV, o seu papel didático. Muitas vezes não há grandes divergências entre os participantes, principalmente quando o assunto não gera polêmicas. Ocorre, então, uma troca de opiniões e de informações que, para o telespectador, tem efeito pedagógico. Foi assim, por exemplo, com o funcionamento da TV digital ou de sua relação com a internet . Com as formas de tratar temas científicos na televisão, com os programas sobre saúde, culinária ou literatura.
O perfil dos convidados não prioriza, muitas vezes, as diferenças de opinião. Buscam-se profissionais de TV, críticos da mídia e acadêmicos com trabalhos relativos ao tema debatido. Tem dado certo. As contribuições se somam, se completam e freqüentemente dão ao telespectador elementos para que ele, em casa, forme a sua opinião ou fique ainda com mais dúvidas.
Há, claro, os temas bem polêmicos. A classificação indicativa de horários, os programas e as programações religiosas e a não-renovação da concessão da RCTV (Radio Caracas Televisión), na Venezuela, foram alguns deles. Este último, por sinal, ao ser reapresentado pela TV Brasil em janeiro deste ano motivou a primeira moção do Conselho Curador da nova emissora recomendando o respeito à pluralidade em todos os programas.
No caso do VerTV essa preocupação sempre existiu, mas tendo como referência uma visão crítica sobre o papel da televisão na sociedade. É preciso registrar também a dificuldade que a produção do programa teve, muitas vezes, de encontrar debatedores dispostos a defender o status quo de nossa TV. Quando isso ocorreu, o telespectador foi devidamente informado.
Próximos passos
A surpresa com os temas tratados não foi apenas do telespectador em geral, mas também daqueles diretamente ligados às TVs não-comerciais. Transmitido inicialmente apenas pela TV Câmara e pela então TV Nacional de Brasília, o VerTV passou a despertar a atenção de vários dirigentes de emissoras culturais, educativas, legislativas, comunitárias e universitárias em todo o país, que passaram a retransmiti-lo. Hoje o programa vai ao ar também pela TV Justiça e, em sinal aberto, pela TV Brasil no Rio, em Brasília e no Maranhão e nos estados onde as TVs públicas o retransmitem.
Com isso houve uma significativa ampliação do público potencial do programa atendendo um dos seus objetivos originais: o de levar aonde fosse possível o debate em torno do papel central que a TV ocupa na sociedade brasileira. Preocupação que surgiu com maior vigor nas conferências nacionais dos Direitos Humanos. Foi o que impulsionou a Comissão de Direitos Humanos da Câmara a criar a campanha ‘Quem financia a baixaria é contra a cidadania’ e, posteriormente, o programa VerTV. Sua concretização só se tornou possível com convênio firmado entre a TV Câmara e a Radiobrás, contando com o apoio do Conselho Federal de Psicologia.
Dos 84 programas já produzidos (e que podem ser vistos no site da TV Câmara), muitos deles tiveram seus temas sugeridos por telespectadores. O que demonstra a necessidade de grande parte da população em falar, discutir e se informar sobre esse meio de comunicação que, como nenhum outro, tem presença tão forte na rotina diária dos brasileiros.
O VerTV acredita estar abrindo uma janela, ou pelo menos uma fresta, para esse debate. Mas pretende escancará-la. Para isso, um dos próximos passos será colocar o programa no ar ao vivo, com a participação do público em tempo real. É certo que, daqui para frente, ao zapear a TV o telespectador será fisgado pelo VerTV com surpresas cada vez maiores.
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Sociólogo e jornalista, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP e diretor do programa VerTV