O vertiginoso crescimento em todo o mundo dos sites pessoais, os blogs, e o surgimento dos chamados smartphones (telefones celulares com acesso à internet e capazes de captar os sinais de TV) estão revolucionando os campos da comunicação e sugerem a criação de novos serviços para as mídias alternativas. ‘O campo do jornalismo digital promete ser fértil na área [dos smartphones]. Será comum em breve empresas de informação pensarem com mais carinho no novo meio’, diz Mário Lima Cavalcanti, em artigo no site Comunique-se (www.comunique-se.com.br).
William Fisher escreve uma análise para a agência IPS (Inter Press Service, 16/3/05) em que relata que só nos Estados Unidos o número de blogs se contam aos milhares naquilo que já se chama de ‘blogosfera’. Fisher cita cinco fatores para o fenômeno: o principal: cerca de 61% dos adultos norte-americanos têm acesso em casa à internet, enquanto 71% possuem microcomputadores.
Enquanto a tecnologia online para criar um blog é cada vez mais fácil e simples, na última década, especialmente após a controvertida eleição presidencial dos EUA no ano 2000, os norte-americanos tornaram-se cada vez mais céticos e insatisfeitos com as notícias dos jornais, rádios, emissoras de TV aberta, a cabo e por satélite, divulgadas pelas grandes corporações.
Aí entra uma crise de credibilidade na grande mídia que não é apenas um fenômeno nos EUA. Em todo o mundo, os cidadãos buscam informações mais verídicas, não comprometidas com os interesses de grandes empresas, que tratam as notícias como uma mercadoria a ser empurrada goela abaixo dos leitores, ouvintes e telespectadores, diz Fisher.
Na próxima década, prevê o articulista da IPS, a novíssima mídia será a internet e, em particular, os blogs. A tecnologia do blog está disponível e seus conteúdos podem ser criados facilmente, em qualquer idioma. Esta outra mídia alternativa – celulares e internet – foi em grande parte responsável pela derrota do governo conservador da Espanha, em março de 2004, após os atentados nas estações de trens de Madri.
Os blogs chegaram até a um dos mais pobres países do mundo, o Afeganistão, segundo o relato de um blogger: ‘No período do Taliban, não tínhamos a internet. Agora, há 25 cafés com Net (cybercafés) em Cabul e em cidades do interior como Herat e Kandahar’.
A internet tem sido uma arma poderosa na luta por uma outra mídia, conforme ficou claro durante o último Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Entre outras propostas, foi sugerida a criação de pequenas estações de rádio e de televisão ‘para mostrar que a privatização da mídia é o fim do pluralismo’, na expressão de Giulietto Chiesa, deputado e jornalista do diário italiano La Stampa.
A criação de rádios comunitárias, aliás, é o grande fenômeno de mídia na África. E Roberto Sávio, secretário geral do Media Watch Global (Observatório Mundial da Mídia), disse durante o 5° FSM: ‘É preciso lutar para que o direito à informação seja um dos direitos humanos básicos’.
Do global para o regional
O incêndio de um carro da RBS TV de Passo Fundo, na terça-feira (15/3), durante protesto dos pequenos agricultores na BR-386 em Sarandi, município do norte do Rio Grande do Sul, provoca algumas reflexões. A primeira questão: quem ganha com a agressão? Os movimentos sociais, ou a empresa de comunicação? Outra pergunta cabível: se uma outra mídia é possível, e acredito que de fato é, quais os meios para enfrentar a feroz batalha da comunicação para conquistar a opinião pública sem utilizar recursos pré-históricos como a violência?
Para a RBS, o incidente rendeu algumas manchetes, fotos de capa no Zero Hora, comentários nas rádios e TVs do grupo. Mas, estranhamente, a solidariedade da mídia gaúcha talvez não tenha sido muito compacta, como esperado. Se analisarmos os jornais concorrentes do dia seguinte, aparecem menções escassas ao incidente de Sarandi tanto no Correio do Povo como em O Sul, ou no Jornal do Comércio.
No Correio, a matéria na edição de quarta-feira (16/3) aparece à página 15, com o título ‘Via Campesina desbloqueia a BR-386’, com uma pequena foto do veículo da RBS em chamas. O Jornal do Comércio dá destaque ao fato na coluna ‘Começo de Conversa’, do jornalista Fernando Albrecht, à página 3, nas edições dos dias 16 e 17/3, com duas pequenas notas sob os títulos ‘O ataque’ e ‘Repúdio geral’. O Sul dá uma breve nota no dia 16, mas dois colunistas pelo menos destacam o fato, condenando a agressão.
A colunista Vera Spolidoro, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul, escreve: ‘Lamentável a agressão sofrida pela equipe de reportagem da RBS TV, em Sarandi. Segundo os jornalistas, os agressores seriam elementos infiltrados no Movimento dos Pequenos Agricultores, que bloqueavam a BR-386’.
O repórter Leonel Lacerda e o cinegrafista Everton Machado falaram ao site de notícias do grupo, o ClicRBS, e confirmam a coluna de Spolidoro: ‘Os quatro homens não identificados, responsáveis pela agressão à equipe de reportagem são jovens e dificilmente fazem parte dos movimentos de agricultores que bloqueiam a BR-386’.
Falando à Rádio Gaúcha, do mesmo grupo, Lacerda disse que tem um bom relacionamento com os líderes do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Esclareceu que a grande maioria dos manifestantes são agricultores familiares, incluindo muitos idosos, o que reforçaria a tese de que os quatro jovens não fazem parte do MPA.
Nas páginas 4 e 5 do dia 16, quarta, o Zero Hora dedica amplo espaço à ‘agressão contra a imprensa’, com chamada para o seu principal editorial, e manifestações do ministro Miguel Rossetto (‘é um ato lamentável e injustificável’).
Já o líder estadual do MPA, Valdir Zottis, foi incisivo: ‘O que aconteceu é uma expressão da indignação que toma conta de um povo que espera há tanto tempo pela ajuda do governo – e nada recebe. Além disso, há uma indignação com alguns órgãos de imprensa, que muitas vezes distorcem os fatos relacionados aos movimentos sociais’.
No espaço dos leitores, ZH destaca mensagens do governador Germano Rigotto, do presidente do Tribunal de Justiça do RS, Osvaldo Stefanello, e do presidente do Grupo Editorial Sinos, Mário Gusmão, todos solidários com a direção da RBS. Os líderes do PT na Assembléia Legislativa, deputados Flávio Koutzii e Adão Villaverde, em nota na mesma secção de ZH, repudiam o episódio de Sarandi e dizem que ‘esta conduta em nada ajuda a enfrentar os sérios problemas sociais e econômicos do RS, agravados pelos efeitos da seca, que penaliza milhares de famílias’.
Neste espaço dos leitores de ZH , aparecem ainda seis cartas de cidadãos, cinco condenando o fato e um sexto escrevendo: ‘Por favor, Imprensa, não confunda o ataque ao carro da RBS como tentativa de tolher ‘a liberdade de expressão e de imprensa’. Para todos os profissionais existem os ‘ossos do ofício’’, numa resposta direta à manchete do dia anterior do próprio Zero Hora.
Construção paralela
O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS, em nota oficial, assinada pelo presidente José Carlos Torves, lamenta o incidente. Mas lembra que, já em novembro de 2003, o sindicato e a Coordenação dos Movimentos Sociais alertava o Grupo RBS para o risco de situações graves, ‘tendo em vista a linha editorial da empresa de permanente criminalização dos movimentos sociais’. A nota destaca, ainda, que a agressão atingiu apenas o patrimônio da RBS, ‘pois nenhum outro veículo e nenhum profissional de outros grupos de comunicação que atuam no Estado sofreu qualquer ato de hostilidade por parte dos movimentos sociais’.
Essas questões e o episódio de Sarandi mereceram artigo do jornalista Marco Aurélio Weissheimer (‘Um argumento desastrado’) no site da Agência Carta Maior (http://agenciacartamaior.uol.com.br). Ele acredita que o episódio reacende por ‘um viés torto’ a questão do relacionamento entre a grande mídia corporativa e os movimentos sociais. Para ele, o incêndio do carro da RBS TV ‘além de ser uma alternativa autoritária, ela é uma estratégia burra, que só fortalece o que pretende enfraquecer’.
De fato, o Grupo RBS colocou-se como ‘vítima dos movimentos sociais’ e procurou fortalecer sua linha editorial contrária ao MST, MPA e demais organizações, embora não tenha recebido uma solidariedade mais ampla dos demais meios de comunicação de Porto Alegre.
Weissheimer afirma que para tentar vencer a batalha da comunicação uma saída seria desenvolver uma relação honesta, qualificada, entre os jornalistas da grande mídia e os militantes dos movimentos sociais. Ele destaca afinidades entre os acampados à beira das rodovias gaúchas e jornalistas que trabalham para a mídia corporativa e que sobrevivem com os salários baixos e achatados. Depois, menciona a batalha da comunicação e a necessidade de construir alternativas para disputar os corações e mentes, na luta entre a grande mídia corporativa e os profissionais independentes, que não aceitam tratar a notícia como uma simples mercadoria.
Ao contrário do que conclui o repórter da Agência Carta Maior, que acredita que essa batalha estaria, talvez, perdida, esse combate de fato está apenas começando. Ou, de um ponto de vista histórico, recomeçando, adaptando-se às circunstâncias de cada época. Se pensarmos que, no Brasil, há 11 milhões de navegantes da internet conectados a partir de suas residências, há muito ainda que lutar por uma outra mídia, paralela à construção de um outro mundo, mais justo e muito mais humano.
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Jornalista, integrante da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul