Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

É mesmo para comemorar?

Seria admissível a um defensor da liberdade de expressão deixar de comemorar a decisão adotada pelo ministro Carlos Ayres, do Supremo Tribunal Federal, que suspendeu os efeitos de mais de um quarto dos 77 artigos da lei 5.250, de 1967, mais conhecida como lei de imprensa? Aparentemente, não. Todos os processos instaurados contra jornalistas por alegados crimes de calúnia, difamação e injúria foram paralisados até a confirmação da liminar, concedida pelo relator da ação de descumprimento de preceito fundamental, ajuizada pelo deputado federal Miro Teixeira, do PDT do Rio de Janeiro.


Se a antecipação da tutela for referendada (como é muito provável) pelos demais integrantes do STF e, no mérito, eles acolherem os pedidos, essas ações serão arquivadas. A partir daí, nenhum jornalista poderá ser preso por ‘delito de opinião’. Deixarão de ter qualquer previsão legal medidas restritivas à liberdade de expressão e de publicação. Finalmente a democracia se libertará do entrave autoritário que subsistia nos artigos da lei de imprensa?


Em termos. A lei dos militares visou, sobretudo, eliminar os espaços mantidos na legislação então vigente a publicações contestatórias ou francamente clandestinas, e facilitar a intimidação dos jornalistas. Uma das principais inovações processuais foi a substituição do tribunal do júri, previsto na lei de 1934, para a apreciação dos ‘crimes de imprensa’, pelo juiz singular, mais facilmente impressionável e sujeito a pressões. Os processos passariam a ser instruídos em recintos fechados, não mais chegando à deliberação final diante do público. Além disso, todas as publicações (como suas gráficas) teriam que ser registradas em cartório e identificados os seus responsáveis, que passariam a responder plenamente por tudo que autorizassem. A lei visava a coação imediata, mas suas regras processuais às vezes deixavam passar contradições com esse intento persecutório, repressor.


Jornalistas incômodos


A decadência (confundida com prescrição no texto da lei) era curta: se em três meses, a partir da veiculação considerada ofensiva, o suposto ofendido não apresentasse a ação, perdia esse direito; e se em dois anos, a partir do recebimento pelo juiz, a ação não fosse sentenciada, estaria prescrita (ou se não transitasse em julgado em tempo equivalente ao dobro do prazo da condenação).


Interpreto desses dispositivos a crença dos donos do poder em 1967 de que não lhes faltariam os meios de, sendo céleres, obter logo condenações. Mas à medida que o regime foi perdendo força, a prescrição se tornou mais freqüente, sobretudo nas contendas entre particulares (e, sobretudo, quando o réu era diligente para aproveitar os incidentes processuais possíveis, sobretudo os réus que não queriam enfrentar o contraditório ou eram descrentes da justiça).


Drástica, de qualquer maneira, na sua formulação penal, a lei de imprensa se mostrou menos dura na parte cível. Ela previa o mesmo prazo decadencial de três meses para as ações de indenização moral e material, uma prescrição mais curta e tarifas mais razoáveis de punição para os condenados. Tais condições eram coerentes com a intenção dos seus formuladores, que queriam calar e prender jornalistas, mas não tirar-lhes dinheiro na forma de indenização. Já não estavam de acordo com os propósitos dos que tinham esse objetivo: punir no bolso o suposto ofensor.


Não surpreende que as mais freqüentes investidas dos que se dizem incomodados por publicações jornalísticas sejam feitas ao abrigo do Código Civil e não mais da lei de imprensa, esquecida para esses propósitos há muito tempo. A perseguição à liberdade de imprensa por empresários, políticos e corporações é mais sofisticada, hoje, do que na fase do regime militar. Graças a essa ofensiva, os direitos subjetivos (à intimidade, à imagem, à honra), também tutelados pela constituição de 1988, estão prevalecendo sobre o direito à informação e à liberdade de expressão em geral.


O critério que define e equilibra os dois direitos, o interesse público, está se tornando difuso, pálido. Os donos da verdade são, cada vez mais, os donos do dinheiro. Por isso mesmo, eles só ligam para a lei de imprensa nas ações penais. Nas indenizatórias, vão logo às varas cíveis, manobrando dispositivos que lhes dão o que querem, mesmo com argumentos exageradamente subjetivos, quase intangíveis.


Esse aspecto mais recente da questão, que se consolidou a partir de 1988, não é tocado pela decisão do Supremo. Ou melhor: é modificado para pior, com a eliminação do prazo decadencial, a ampliação do prazo prescricional e a dilação do valor do ressarcimento, que segue a norma da lei civil. Os jornalistas considerados incômodos vão continuar a ser calados, agora mais pelo bolso do que pela boca (ou pelos dedos).


Primeira emenda


Para as empresas jornalísticas, é maior a vantagem da providência requerida pelo ex-ministro das Comunicações do governo Fernando Henrique Cardoso. Elas ficaram completamente livres das peias no trato com investidores e associados estrangeiros, se desvencilharam de alguns controles nas telecomunicações e não precisam mais se submeter a entraves burocráticos (e políticos) para suas decisões editoriais.


Diz-se que a prontidão do deputado Miro Teixeira e a inusitadamente rápida resposta (em três dias) do STF foram inspiradas pela perseguição desencadeada pela Igreja Universal do Reino de Deus a alguns jornais, sobretudo a Folha de S.Paulo. Se houve esse casuísmo, foi de ordem geral. Os comandados pelo bispo Edyr Macedo, bem orientados, ajuizaram quase 60 ações simultâneas, mas em diferentes pontos do território nacional, com base no Código Civil. Agiam bem orientados, embora sem conseguir esconder, por impossível, o propósito intolerante e a tática orquestrada, em boa hora rechaçada liminarmente pela justiça, por estar escancarada a litigância de má-fé.


Mas essa blitz é um fato gravemente inquietante e que ameaça lançar novas luzes, embora negras, sobre a imprensa, forçando-a a refletir mais profundamente sobre fatos que, à superfície, parecem tão radiosos e festivos. Para não comemorar antes do tempo e equivocadamente. No Brasil, a única lei referente à imprensa que devia existir era para protegê-la, não para delimitar sua área de atuação, à maneira da Primeira Emenda, um lampejo de lucidez de Thomas Jefferson que continua a ser, mais de dois séculos depois, o que melhor se disse sobre esse difícil tema: a pior imprensa é melhor do que não ter imprensa alguma.


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Anúncios


O grupo Yamada, o maior anunciante privado do Pará, parece ter definido um plano de veiculação da sua publicidade nos veículos das Organizações Romulo Maiorana e de toda mídia: cada caso é um caso. Se o jornal O Liberal já não é o líder do segmento de impressos, receberá um volume de anúncios compatível com sua posição secundária. A TV Liberal é a líder do seu mercado, mas perdeu a hegemonia: a verba terá que ser mais repartida.


É o que se pode deduzir da exclusão de O Liberal de encartes de Y. Yamada que saem apenas no Diário do Pará. A programação para o jornal dos Maiorana foi reduzida, mas não eliminada. O poder de decisão que lhes restou, no embate com os Yamada, parece ser o de aceitar o que lhes é oferecido ou recusar tudo. Como o mar não está para peixe, aceitam. A era da soberba acabou.

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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)