Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Regulação da imprensa, uma discussão necessária

Anacrônica para uns e necessária por outros, a polêmica Lei de Imprensa teve parte de seus artigos revogados por uma liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a partir de uma solicitação do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). Criada em 1967, durante a ditadura militar, a lei regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação. Entre os artigos suspensos está o que prevê a prisão de profissionais de imprensa condenados por calúnia, injúria e difamação. Os processos com base na lei ficam suspensos pela liminar até que o mérito da ação seja julgado, o que deve ocorrer dentro de seis meses.


O Observatório da Imprensa na TV de terça-feira (4/3) discutiu a questão com as presenças do ministro do STF Carlos Ayres Britto e de Miro Teixeira, em Brasília. No Rio de Janeiro, participou Maurício Azêdo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). O diretor do site Consultor Jurídico, Márcio Chaer, participou em São Paulo.




Maurício Azêdo, jornalista há mais de 50 anos, é presidente da Associação Brasileira de Imprensa. Advogado formado pela Faculdade de Direito da antiga Universidade do Estado da Guanabara, foi conselheiro do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro.


Carlos Ayres Britto, ministro do Supremo Tribunal Federal, é membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Doutor em direito constitucional pela PUC de São Paulo, professor e autor de livros jurídicos e de poesia, membro da Academia Sergipana de Letras. Concedeu a liminar que suspendeu a aplicação de parte da Lei de Imprensa.


Miro Teixeira, deputado federal pelo PDT-RJ, também é jornalista e advogado. Cumpre o nono mandato na Câmara. É um dos autores da ação que pediu a extinção da Lei de Imprensa.


Márcio Chaer, jornalista, é diretor da revista eletrônica Consultor Jurídico. Criou a coluna ‘Leis & Negócios’ da revista Exame, foi comentarista jurídico da TV Cultura sobre Direitos e Justiça e trabalhou em diversos jornais e revistas, como Veja e Folha de S.Paulo.


No editorial que precede a discussão, Alberto Dines ressaltou que apesar de a Constituição do país ser democrática, algumas leis, criadas do período ditatorial, ainda têm viés autoritário, como a Lei de Imprensa. ‘Temos, portanto, leis mortas que não foram enterradas e leis vivas que precisam definitivamente ser consagradas. Além disso, há juristas que consideram a lei, autoritária em certos aspectos, mais branda do que as novas leis criadas a partir da redemocratização. Como se não bastassem essas contradições, temos outras: o que sobrar da velha Lei de Imprensa deve ser incorporada aos diferentes códigos hoje existentes ou devemos manter a tradição de ter um estatuto especial para regular as questões relativas à imprensa e à liberdade de expressão?’, afirmou [leia abaixo a íntegra do editorial].


A reportagem exibida a seguir ouviu diversas opiniões sobre o tema. O advogado Walter Vieira Ceneviva acredita que a liminar tem conotação de ‘matéria requentada’, porque há décadas os juízes vêm deixando de aplicar dispositivos da Lei de Imprensa que seriam incompatíveis com a Constituição promulgada em 1988. Para ele, é importante haver uma lei específica para garantir o exercício da liberdade de imprensa, pois o Código Penal não seria suficiente. O ministro do SFT Marco Aurélio Mello explicou que não ocorrerá a incidência dos artigos suspensos nos processos em curso: ‘A regência passa a ser do Código Penal’.


Víctor Gabriel Rodriguez, doutor em Direito Penal, acredita que se os jornalistas forem processados pela lei comum sairão prejudicados, já que a pena será acrescida de um terço por conta do meio de divulgação. O sociólogo Fernando Weltman chamou a atenção para o fato de a mídia brasileira ser bastante diversificada. A liberdade de imprensa de empresas de comunicação de menor porte seria constantemente ameaçada. Na opinião do jornalista Carlos Chagas, é preciso levar em conta a origem latina das tradições do Brasil porque, tradicionalmente, as nações com esta gênese costumam ter Lei de Imprensa, ao contrário das de origem saxônica.


A lei como instrumento de ameaça


No debate ao vivo, o deputado Miro Teixeira afirmou que a busca pela imprensa livre é antiga e comentou que a Lei de Imprensa forneceu base legal à repressão contra os jornais Pasquim e Movimento, na década de 1970, entre outras tentativas de reprimir o trabalho da imprensa. Para ele, a lei servia como instrumento de ameaça. O deputado concorda com a opinião de Fernando Weltman de que é necessário observar a questão dos jornais de pequeno porte e do interior do país, que sofreriam até ameaças físicas. ‘É preciso apregoar que nós queremos imprensa livre. O direito à informação é um direito do povo, do contribuinte’, disse Teixeira.


Alberto Dines explicou aos telespectadores que o ministro Carlos Ayres Britto participaria do programa na qualidade de jurista e professor, e não como relator da matéria, para explicar didaticamente a questão do ponto de vista jurídico. O ministro contou que o primeiro passo foi a petição perante o STF com pedido de liminar proposta pelo PDT, que fazia um balanço da aplicação da Lei de Imprensa no Brasil e mostrava sua incompatibilidade com a Constituição Federal. Na opinião do ministro, a Carta Magna é libertária e prestigia efetivamente o livre trânsito das idéias, a liberdade de pensamento e a expressão artística.


Para Márcio Chaer, a discussão sobre a validade da Lei de Imprensa e a comparação das penas previstas por ela com as impostas pelo Código Penal é secundária, apesar do levantamento do debate sobre o tema ter sido positivo. O diretor do Consultor Jurídico acredita que a principal ameaça ao trabalho da imprensa é o crescente número de processos contra jornalistas – e comentou um levantamento que aponta que entre os cinco grandes grupos de comunicação do país há, em média, um processo por jornalista. ‘Os picaretas descobriram que o judiciário pode ser usado como refúgio para bandido. Eles descobriram que podem intimidar os jornalistas, que podem se vingar de jornalistas’, avaliou.


Chaer afirmou que o mau jornalismo inflaria o número de processos. Outro ponto levantado por ele foi a cumplicidade que teria ocorrido entre os jornalistas e juízes até 1994, ano em que foi instalada a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Judiciário. A partir daí, a mídia teria passado a cobrir com maior acuidade o poder Judiciário e os juízes a acompanhar mais rigorosamente o trabalho da imprensa.


O Judiciário e a imprensa


O maior inimigo da liberdade de imprensa, na opinião de Maurício Azêdo, seria o poder Judiciário, que não estaria cumprindo o papel de proteger as instituições do Estado democrático de direito: ‘Ele hoje é um instrumento de mais agressões à liberdade de informação e de opinião’, disse. O jornalista acredita que o fato de haver ‘uma leva extraordinária de magistrados jovens’ pode contribuir para o aumento do número de punições a jornalistas, pois aqueles, devido à pouca idade, estariam desinformados ou teriam vocação totalitária.


O ministro Ayres Britto disse que a decisão do Supremo foi de exaltação da liberdade de expressão e que a revogação dos artigos já começou a repercutir no meio forense no sentido desfavorável aos autores das ações. Ayres Britto comentou que esta foi a primeira grande oportunidade que o tribunal teve de se debruçar sobre o tema. Sem antecipar o voto, o ministro disse que o consenso é de que a Lei de Imprensa é mais dura que a legislação comum. Miro Teixeira observou que o grande e crescente número de pedidos de indenização foi uma forma encontrada para censurar a imprensa. A partir da decisão do Supremo, os juízes teriam começado a perceber que ‘estavam diante de uma aberração’ e começaram a arquivar as ações propostas.


Márcio Chaer discordou da opinião do presidente da ABI de que o pior inimigo da imprensa seria o poder Judiciário, já que de cada 10 processos contra meios de comunicação, 8 teriam o parecer favorável ao jornalista. ‘O Judiciário tende a corresponder ao desafio de fazer do nosso Brasil uma democracia plena com dois pilares bem definidos. O primeiro, informação em plenitude e qualidade e o segundo, visibilidade dos poderes’, disse o ministro Ayres Britto.


Um telespectador perguntou ao deputado Miro Teixeira se haveria a necessidade de uma regulamentação específica para os jornalistas. O deputado afirmou que nem toda profissão tem um controle e que, no caso da suspensão de parte dos artigos da Lei de Imprensa, os envolvidos não estriam legislando para jornalistas, mas sim para garantir o direito de a população ter acesso à informação. ‘Não há democracia sem essa plena liberdade’, afirmou.


O jornalista Márcio Chaer acredita ser absolutamente necessária uma lei especial para imprensa. Um exemplo seria uma lei que tratasse o dano moral cometido por um jornalista que não tivesse a intenção de cometer o erro – como um ‘acidente de trabalho’ –, desde que a informação fosse corrigida logo em seguida. Para ele, a imprensa ás vezes provoca perseguição ao setor por não ouvir adequadamente o ‘outro lado’. A regulamentação específica ‘mais ajudaria do que atrapalharia’, na opinião do jornalista.


No encerramento do debate, Miro Teixeira avaliou que todas as questões relativas ao trabalho da imprensa poderiam ser resolvidas por jurisprudência. O ministro Ayres Britto respondeu ao comentário de Márcio Chaer sobre a sua posição contrária à iniciativa de alguns ministros de não concederem entrevistas. O ministro do Supremo disse que um juiz deve ser discreto, não ‘ser estrela, nem se fechar em copas’. Ayres Britto encerrou o programa citando uma frase de Thomas Jefferson, presidente dos Estados Unidos no início do século 19, que considerou adequada ao contexto atual: ‘Se eu tivesse que escolher entre um governo sem jornais e jornais sem um governo, eu preferiria os jornais sem um governo’.


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Sobras do entulho autoritário


Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 451, no ar em 4/03/2008


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa. O Brasil é uma democracia, nossa Constituição – que neste ano completa vinte anos – é uma Constituição democrática, contudo mantemos leis que não são democráticas, herdadas do regime militar e denominadas genericamente de ‘entulho autoritário’.


Uma sobra deste entulho é a chamada Lei de Imprensa, que começou a ser removida pelo Supremo Tribunal Federal há poucos dias. Teoricamente caduca, esta Lei de Imprensa contraria a Constituição, mas ainda não foi removida formalmente. Temos, portanto, leis mortas que não foram enterradas e leis vivas que precisam definitivamente ser consagradas. Além disso, há juristas que consideram a lei, autoritária em certos aspectos, mais branda do que as novas leis criadas a partir da redemocratização.


Como se não bastassem essas contradições, temos outras: o que sobrar da velha Lei de Imprensa deve ser incorporada aos diferentes códigos hoje existentes ou devemos manter a tradição de ter um estatuto especial para regular as questões relativas à imprensa e à liberdade de expressão?


Este emaranhado precisa ser explicado para ser devidamente desfeito. Porém uma coisa é certa: quando não há leis a sociedade sofre, mas quando há um excesso de leis a sociedade pode sofrer muito mais.

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Jornalista