A semana passada confirmou o tradicional desconforto da imprensa ao lidar com notícia boa. Malemolência caracterizada – sabe-se lá se por cautela ou má vontade – na discrição com que tratou da série de eventos positivos relacionados à área econômica, como, por exemplo, o tão esperado desentranhamento da reforma fiscal, com direito à promessa de alívio de impostos à classe média e tudo mais. Se bem que sempre se possa dizer que a parcimônia da grande mídia em relação às benfeitorias governamentais se justifica em razão de as mesmas se aterem basicamente à economia, que de resto já vem consolidada da gestão anterior, enquanto outros setores vitais continuam deixando muito a desejar.
Tanto é que a tal semana dos gols bonitos do escrete governista não poderia passar sem um vergonhoso e vexatório tento contra as próprias redes, com a divulgação de um relatório da ONU destacando que o Brasil continua sendo o paraíso das desigualdades, da corrupção, do crime e da impunidade. Anúncio para o qual, de qualquer forma, a imprensa também não deu muita bola, provavelmente pelo mesmo motivo de retratar com reservas os números que douram a pílula governista, ou seja, por já não se constituírem em nenhuma novidade.
Rejeição das ações
Mas a semana também acabou coroada por uma nova e deprimente exibição de incontinência verbal por parte do presidente Lula, que, talvez encorajado pela popularidade paradoxalmente em alta, conforme a pesquisa da Sensus, encarregou-se de tumultuar o ambiente com um grosseiro ataque ao Judiciário. Um recado direto ao ministro do STF e presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, pelas advertências que têm feito sobre a nova menina dos olhos do lulismo, o programa assistencialista ‘Territórios da Cidadania’, que estaria em desacordo com a legislação – que proíbe a criação de programas e o aumento de gastos sociais em ano eleitoral. Afinal, serão 11 bilhões de reais distribuídos em 958 localidades para suprir carências que, como bem diz o editorial de sábado (1/3) da Folha de S.Paulo, poderiam ter sido atendidas em anos anteriores – e não, coincidindo exatamente com eleições municipais.
O que transparece da maneira intempestiva com que o presidente advertiu o Judiciário para que ‘metesse o nariz apenas nas coisas deles’, além de um execrável ranço de autoritarismo, é uma clara tentativa de intimidar um poder que ultimamente vem incomodando o governo pela independência e firmeza de suas posições. Linha esta já esboçada na semana anterior, quando endossou a cascata de ações movidas por fiéis da IURD contra órgãos da imprensa e que, claramente, aponta na mesma direção, ou seja, a coerção como instrumento de repressão e cerceamento das liberdades democráticas. O que, felizmente, também neste caso vai aos poucos sendo desmascarado pela rejeição sistemática que as ações vêm recebendo nos tribunais, muitas das quais sequer sendo acolhidas.
Reforma tributária
Esse comportamento dúbio e escamoso de parte a parte é característico da era lulista, com um governo que recorre a toda sorte de manhas e artimanhas para se afirmar e uma imprensa que morde e assopra ao sabor dos acontecimentos. Muito mais morde do que assopra, verdade seja dita, embora motivos não faltem – seja pelos escândalos que afloram quase que espontaneamente, seja pelas patuscadas proferidas aos borbotões pelo presidente. Mania que promete dar ainda mais o que falar nos próximos meses, com sua anunciada disposição de dedicar cinco dias à campanha e dois a governar.
É sob esse pano de fundo que dois ‘Brasis se opõem e digladiam permanentemente’, diferenças estas particularmente evidenciadas na última semana, como já foi dito, com a mídia contrapondo o surto desenvolvimentista que resiste à própria instabilidade externa à rotina dos mais variados transtornos de ordem social e política. Contrastes que ofuscam até mesmo um feito histórico agora oficializado e que sempre pareceu inalcançável – a liquidação da dívida externa –, ainda mais por parte de quem se temia justamente o contrário, ou seja, o calote. Também, pudera, com a arrecadação batendo recordes a cada mês, a ponto de os 20% a mais no mês de janeiro suprirem a própria extinção dos recursos da CPMF, e uma política monetária que privilegia apenas o setor financeiro – outro dia o presidente da República chegou a dar graças a Deus pelo fato de os bancos terem lucrado tanto –, nunca os cofres públicos estiveram tão abarrotados.
Resta saber se a reforma tributária que começa a ser alinhavada virá corrigir as distorções produzidas através dos anos, coisa que muitos duvidam em razão dos inarredáveis interesses políticos em jogo. Mormente a disposição de simplificar o sistema de arrecadação de impostos, aliviar a tributação da classe média e a diminuição da contribuição previdenciária, tidas como pontos de honra da nova costura. No passo em que o Congresso costuma deliberar em matérias tão importantes, justifica-se o ceticismo com que a imprensa vem encarando uma reforma da qual – esta, sim – Lula poderia jactar-se no futuro.
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Jornalista, Santos, SP