Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A Abril nos tribunais

O jornalista Luís Nassif está mobilizando a blogosfera com seu dossiê Veja, série de artigos que denunciam o antijornalismo praticado pela revista nos últimos anos. Envolve interesses corporativos, destruição de reputações, tráfico de influência. Desmascara a diretoria editorial da revista e, principalmente, Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi. Trata-se de estudo avassalador, embora não surpreendente, que precisa ser lido e divulgado.

O material já causou estragos. A Veja esboça uma ligeira mudança de tom nas suas edições semanais e há suspeitas de que ela tem obstruído as ferramentas de busca eletrônica aos conteúdos de matérias e postagens antigas – especialmente as que corroborariam as denúncias. A revista processa Nassif e, aparentemente, utiliza funcionários anônimos (além dos supracitados) para espalhar ataques pessoais a ele.

É compreensível que Nassif tente evitar conotações político-partidárias em sua empreitada. Seria (e continua sendo) cômodo para a revista refugiar-se numa batalha moral contra o ‘lulo-petismo’. Quando se trata de ética jornalística, entretanto, não cabem desculpas ideológicas.

E o respaldo da imprensa?

Mas o público sabe que esse comportamento da Veja também possui um viés eleitoral. Ela é acusada de defender interesses que se beneficiam do poder conferido pelas urnas a eles próprios ou a terceiros. Se alguém escancara essa contaminação, direta ou indiretamente, mexe nas suas motivações. Por isso, é importante não esquecer que o gesto de Nassif insere-se num contexto político, pois assim será tratado pelos detratores.

Os grandes veículos, assim como a Associação Brasileira de Imprensa, fingem que a querela não existe. Não querem se expor a exumações semelhantes, principalmente depois que a Folha de S.Paulo foi envolvida num dos episódios denunciados. Os comentaristas abordam a questão com cuidado, sabedores do poder destrutivo de Veja.

Esse comportamento revela muito sobre a categoria. A manipulação teria sido aberta, conhecida por todos, durante anos. E a revista só foi confrontada por iniciativa de um indivíduo isolado que, apesar da força de sua biografia e de seus argumentos, não angariou o respaldo de uma imprensa que se diz combativa e independente (ou melhor, que é ‘combativa’ e ‘independente’ quando interessa).

Precedente histórico

Imagina-se que a direção da revista tenha instruído seus advogados a causarem o maior estrago possível, financeiro e pessoal, na vida de Nassif. As despesas são altíssimas, os prazos dilatados, os resultados incertos e as primeiras instâncias, imprevisíveis. A desigualdade de forças resvala na coerção do gigante empresarial que tenta destruir exemplarmente seus desafetos incômodos.

Mesmo assim, parece alvissareira a hipótese do Judiciário ser constrangido a se manifestar. Passou o tempo de tratar falsos depoimentos, incriminações indevidas, denúncias vazias, deturpações e mentiras como simples efeitos colaterais da liberdade de imprensa. A integridade moral dos indivíduos e o interesse coletivo são protegidos por leis que estão acima de couraças retóricas.

A nobre iniciativa de Nassif não envolve apenas os leitores de Veja e talvez nem o público genérico de periódicos. Trata-se de esclarecer o uso antiético e quiçá ilegal da grande imprensa para favorecer determinadas facções corporativas ou políticas. Tamanha abrangência só pode ser respeitada por um poder de envergadura equivalente, conferindo máxima lisura ideológica à decisão.

O desejável sucesso da defesa do jornalista, ainda que custoso e demorado, pode abrir um precedente histórico e contribuir para uma análise profunda sobre o jornalismo nacional.

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Historiador e escritor