Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O gosto inconsciente do público idiotizado

A invasão não pára. Pode ser vista como interminável e crescente. Apesar de ser benéfica para um grupo, sua fórmula encontra-se saturada. É desta maneira que podemos classificar o cinema comercial de modo geral, acima de tudo aquele produzido nos Estados Unidos, principal pólo mundial da cinematografia. A característica essencial é uma só: propor entretenimento e diversão. E ponto final.

Os filmes tidos como comerciais (lembrando que existe outra vertente, bem oposta, que é o ‘cinema de arte’) provocam emoções por meio de efeitos digitais esplêndidos, capazes de simular épocas futuristas ou até mundos inexistentes. A questão aqui não é apontar falhas nas produções, mas sim, mostrar que o público repudia qualquer cinema que não aquele norte-americano comercial. É o efeito da narcose cultural provocada pela mass media.

O público aceita os blockbusters (filmes voltados para o entretenimento e diversão) de maneira rápida. As produções atingem violentamente, como se fossem um dardo pontiagudo, o gosto popular. E o povo não reclama. Bebe a fórmula do prazer e da felicidade momentânea, atendendo aos requisitos hedonistas. E o retorno aos grandes estúdios é garantido.

Pipoca e coca-cola

Cito um exemplo para comprovar como nossos telespectadores se mantêm idiotizados. Recentemente, estive em uma locadora de vídeo e vi, na prateleira abarrotada de filmes de ação com Van Damme e terror para jovens, o último filme do diretor italiano Nanni Moretti, O Crocodilo. Soube, minutos depois, que seria a primeira pessoa a alugar aquela comédia-dramática. No entanto, o filme que estava ao lado, Homem Aranha 3, havia sido locado 88 vezes. Nada contra a franquia de Homem Aranha – acho os filmes divertidos e com seqüências de tirar o fôlego. Mas a diferença fica evidente. Um é restrito e desprezado, juntando poeira nas prateleiras. Já o outro, infalível.

Razões disto tudo? A idolatria e o amor cego pelos símbolos norte-americanos. Enraizados na cultura brasileira, bloqueiam a diversidade nas expressões artísticas. A bestialidade do público reina em um poderoso trono com direito a cetro real e manto guarnecido de bordadura. As pessoas sequer se permitem duas horas para assistir a um filme de arte que valoriza a estética fotográfica e a qualidade de um bom roteiro. A vontade em dedicar a mente para uma história rica em interpretações e, muitas vezes, com roteiro que preserva a simplicidade da vida, é zero. Vivemos a campanha ‘Não queremos espaço para reflexão; apenas entretenimento com um balde de pipoca e Coca-Cola de dois litros no meio das pernas.’

Diretores idealistas

Atualmente, dois estilos cinematográficos tomam conta do público juvenil, que é a classe que vai ao cinema e ‘ergue’ a bilheteria: a comédia besteirol e o terror gore. No primeiro, os diretores utilizam piadas escatológicas para conquistar os admiradores. Ah, sem contar que esses cineastas são adeptos à banalização do sexo. O segundo estilo trata o massacre de jovens por psicopatas alucinados. São aqueles filmes em que o telespectador tem de tomar cuidado para não receber um espirro de sangue vindo dos botões do DVD player. Em ambos, as histórias parecem sempre as mesmas – só mudam o diretor, os atores e o cenário. Roteiros saturados e sem o mínimo de sacadas inteligentes.

Assim é que se porta o cinema norte-americano, devorando impiedosamente o público. Desde a década de 1980, o cinema nos Estados Unidos vem se auto-destruindo com bobagens descartáveis. Claro que, mesmo dentro da vertente comercial, uma ou outra produção acaba se salvando. Mas são poucas.

Conforme entrevista que concedi a uma aluna de Jornalismo para ser publicada no jornal da Unesp e um artigo que escrevi sobre cinema latino-americano para o mesmo veículo de comunicação, o bom cinema sobrevive pela garra de diretores idealistas que não permitem ser derrotados pela audiência e bilheteria milionárias. E ainda existe um público, restrito e mal compreendido, que se permite a uma boa dose de diversão, ora cult, ora intelectualizada.

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Jornalista e pesquisador na área de cinema, professor de Comunicação no Senac e colaborador da revista Maxxi’s