Sou jornalista há poucos anos, graduei-me em 2003, mas tenho o privilégio de dizer que já descobri o caminho que não quero seguir. Refiro-me ao jornalismo do senso comum. Explico melhor: semana passada li nos jornais um comentário muito feliz do presidente Lula. Ele disse que a sociedade brasileira está degradada e que o Estado contribuiu para isso nos últimos 30 anos. A profundidade dessa afirmação é enorme, mas acho que o presidente, apesar da correção em assumir a culpa do Estado, se esqueceu de pontuar o papel da imprensa nesse período.
Hoje domingo, 9 de março de 2008. Coincidência ou não faço 30 anos nesta data. Trabalho numa TV Educativa em Belo Horizonte e, chegando de manhã para mais um plantão no departamento de jornalismo da emissora, ao fazer a ronda no site da Polícia Militar verifiquei que no fim de semana foram registrados 17 homicídios na Região Metropolitana da capital mineira (não contei os que morreriam de domingo para segunda). Infelizmente não fiquei pasmo.
Há alguns meses assustei-me ao ver que o número de homicídios em dois dias de um mesmo fim de semana chegou a 21, sendo 16 dos mortos menores de idade. A maioria envolvida em guerras do tráfico de drogas. O declínio e a degradação da sociedade realmente existem, não é um delírio do presidente Lula. O que sempre passa batido é que a imprensa jamais enfatiza ou assume que o país está de fato em guerra civil. A mídia em geral sempre se esquivou desse papel.
A Guerra do Golfo, em 1991, matou mais de 100 mil iraquianos, 30 mil kuaitianos e 269 soldados norte-americanos em 43 dias de conflito. Esse número possivelmente é bem menor do que o que ocorre somando-se todos os homicídios que aconteçam no país em um semestre, por exemplo. Os números o Estado esconde, transforma-os ou simplesmente os omite.
A imprensa se contenta em rodear como urubus o corpo de qualquer brasileiro que venha morto do exterior, caracterizando a cobertura como um problema diplomático, tenha esse indivíduo entrado em outro país de forma legal ou não. Mas esquecemos de voltar o olhar para a nossa própria ruína, para os corpos que caem podres como a própria essência da sociedade nas periferias e favelas desse Brasil condenado. As coberturas policiais nos telejornais hoje vêm despidas de qualquer reflexão. Pior, caracterizam a violência urbana simplesmente como tragédia, isso como forma de instigar a emoção do telespectador, apelando para o sensacionalismo, deixando de cobrar a responsabilidade do governo e da própria sociedade em torno dos fatos.
Repito, tenho apenas cinco anos de profissão. Não sou um sujeito apocalíptico, mas o berço me fez entender que há alternativas para fugir do senso comum. É por isso que agradeço a Deus e a Alberto Dines pelo Observatório da Imprensa existir. A sociedade pode não ter salvação. A mídia pode não ter salvação. Mas a imprensa, pelo menos, tem um espelho para poder enxergar quando a sujeira toma conta de sua face.
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Sobre as reportagens em telejornais, noto que toda notícia econômica tem um enfadonho roteiro representado por um personagem. Por exemplo: o governo cria um novo imposto. Em vez mostrar seu funcionamento, o repórter conta a vida de ‘Dona Sueli’, que mora na cidade tal, trabalha em tal lugar, e tem dois filhos. Depois explica-se o novo imposto e pede-se a opinião da senhora – monossilábica frente ao insistente microfone. Outro caso é a utilização de material de agências por correspondentes. Os correspondentes, parecem ser apenas um luxo das emissoras. Com todo material usado de agências de notícias, não há qualquer motivo para a estadia deles no exterior. O exemplo mais contundente seja, talvez, o do correspondente da Globo em Buenos Aires, Ari Peixoto. Apesar de estar na Argentina, o repórter entra diariamente com notícias sobre a Venezuela. Não está presente e limita-se a repetir material de agências, o que poderia ser feito do Brasil.
A propósito da decisão do STF suspendendo temporariamente alguns artigos da Lei de Imprensa, gostaria que se discutisse a obrigatoriedade do diploma para se exercer o jornalismo. Resquício do AI-5, cerceia a liberdade e parece ser mantido por razões sindicais e/ou de reserva de mercado. Coisa única no mundo. Isto a despeito das faculdades particulares, de farta oferta e péssima qualidade, cujos diplomas são garantia de nada. (Paulo Martins, estudante, Rio de Janeiro, RJ)
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Comento a matéria do jornalista Carlos Castilho sobre os sites noticiosos na internet, indicando com toda propriedade que a maioria das imagens focaram outros países, ou seja, esquecendo-se do nosso [ver ‘Sites noticiosos nacionais priorizam imagens internacionais‘. Isto me reporta à Utopia, de Thomas Morus, como se o Brasil fosse um paraíso, sem problemas, e que os outros e tão-somente os outros são problemáticos.
O Brasil deveria gozar do privilégio de ser estampado, mostrado, falado, em todos os jornais e na internet, esperando assim, quem sabe, que o povo brasileiro criasse uma consciência crítica em relação aos nossos próprios problemas. Talvez se não fôssemos tão limitados, tão alienados; teríamos um país diferente e passaríamos a fazer parte desta história que não é contada. É uma lástima. Che fare? Parabéns: o Observatório da Imprensa é o único que não nos deixa esquecer de quem realmente somos. (Carlos Rubens Montes Pinto, aposentado, Belo Horizonte, MG)
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Jornalista, Belo Horizonte, MG