São Paulo. Dia 8 de março. Nas ruas do centro da cidade, militantes realizam uma marcha em comemoração ao Dia Internacional da Mulher.
Sem o mesmo agito, no Maksoud Plaza, hotel de luxo a uma quadra da Avenida Paulista, jornalistas (com predomínio absoluto dos homens) da imprensa alternativa (ou de esquerda como muitos preferem) passam o dia conversando, sem uma pauta pré-definida, sobre a situação da comunicação no país e no mundo.
O encontro, na avaliação do professor Bernardo Kucinski, autor de Jornalistas e Revolucionários – Nos tempos da Imprensa Alternativa e ex-funcionário da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, foi histórico. Disse ele que jamais participou de uma iniciativa como aquela em 40 anos de carreira jornalística.
No salão refrigerado, 42 jornalistas, professores ou simplesmente pessoas atuantes na área das comunicações, de diferentes regiões do Brasil, expuseram suas idéias e contaram seus casos, de vitórias e derrotas.
A concentração era de personalidades do eixo Rio Grande do Sul – São Paulo – Rio de Janeiro, com a exceção de Ermano Allegri, da Agência de Informação Frei Tito para América Latina (AditalHYPERLINK ‘ http://www.adital.org.br/)’ ), que destacou a importância de envolver outras regiões do país, especialmente do Norte e Nordeste, nas próximas conversas, reais e virtuais.
Ao fim, após intervenção do jornalista Altamiro Borges, do portal Vermelho, ficou acertado que o encontro resultaria na elaboração de um relato (realizado por Flávio Aguiar) a ser compartilhado entre todos os participantes. A partir desse relato, seria produzia uma carta, cujo destinatário não foi definido (pode ser o governo, o presidente ou a sociedade em geral). Também formou-se uma comissão executiva para pensar a próxima reunião, que deve ocorrer no Rio de Janeiro.
Esses foram os resultados concretos.
No ar, ficou a idéia de uma articulação institucional dos alternativos, como resultado da evolução do processo – a Associação Brasileira de Mídia Alternativa (Asbrama).
Também muito se falou na necessidade de utilizar a internet para fortalecer a atividade de todos, e também na necessidade de aproximação com emissoras de rádio e TV. Outro tema que dominou o diálogo foi a formação dos jornalistas.
Um encontro assim seria impensável anos atrás?
Considerando o fato de as iniciativas feitas pelo Coletivo Intervozes para articular a imprensa alternativa não terem avançado, a resposta é: sim. O coletivo realizou um seminário com grande público no Fórum Social Brasileiro, em Belo Horizonte, para justamente debater caminhos conjuntos para os veículos alternativos. Na seqüência, foram organizadas reuniões – algumas ocorreram –, montou-se uma lista de discussão, elencaram-se ações objetivas, mas o esforço não apontou para convergências.
O que mudou de lá para cá, na minha avaliação, é a expectativa que tinham todos esses veículos em relação ao governo Lula. Em sua maior parte, apoiadores do projeto de poder que levou o Partido dos Trabalhadores (PT) à presidência, acreditavam que o governo desenvolveria algum programa para democratizar as verbas de publicidade, que engordam os cofres da imprensa e da mídia comercial. Isso não ocorreu, e boa parte dos veículos vivem à míngua, em xeque.
A prova disso é o fato de o encontro ter sido chamado pelo advogado Joaquim Palhares, um empresário comprometido com as causas sociais, petista histórico, que fez da Carta Maior a mais importante experiência recente de produção de jornalismo alternativo. Carta Maior não sobreviveu à falta de anunciantes e apoio e, no final do ano passado, desarticulou sua profissional redação, que contava com gente do primeiro time da comunicação brasileira.
A derrocada de Carta Maior, que permanece no ar desfigurada de seu projeto de reportagens, é semelhante a de outras publicações. Allegri, na reunião, destacou que a Adital teria recursos suficientes para sobreviver por no máximo mais seis meses. Outras experiências encontram-se na mesma fronteira.
Isso, no entanto, não fez com que o debate se concentrasse apenas em formas de garantir remuneração a esses projetos, mas esse tema surgiu em vários momentos da discussão. É importante que isso seja debatido, mas é fundamental também que o debate venha acompanhado da idéia de independência. Os veículos alternativos precisam, acima de tudo, de independência editorial.
A agenda, a mídia e a democracia
Essa difícil situação poderia engendrar um processo rancoroso. Por isso, surpreendeu-me que não tenha sido um encontro de exclusiva contraposição à grande imprensa (ou à mídia burguesa, no jargão classista), o que seria até normal, considerando o clima de Fla-Flu que marca o debate contemporâneo.
Ainda que essa contraposição – capitaneada nos últimos tempos por Paulo Henrique Amorim (contraditoriamente funcionário da TV Record, a que mais cresce no Brasil) e seu discurso simplificante – encontre partidários entre os alternativos, as bandeiras desfraldadas foram muitas e as abordagens, múltiplas.
Muito se falou na agenda. Ou seja, nos temas que são abordados e debatidos no espaço público por obra dos meios de comunicação. Da necessidade de se construir uma agenda alternativa.
Esse é um excelente debate, desde que venha no plural: construção de agendas. O resto é o velho choque de agenda que marca a relação entre mídia e poder, com pequenas variações. A construção de uma pauta alternativa, no entanto, é assuntos dos mais importantes. Mas essa pauta só irá emergir de um debate radicalmente crítico, não do choque de teses. Liberdade é a palavra-chave.
Coube ao jornalista Cláudio Cerri a mais inovadora leitura sobre a crise da agenda neoliberal. Em sua avaliação, os veículos de comunicação privados não mais querem impor uma agenda para a sociedade, mas sim impedir que sua agenda superada seja varrida do mapa.
‘O que não é o mercado é corrupção’, sintetizou Cerri. O problema, no entanto, é o quanto essa agenda foi internalizada, em processos do Estado brasileiro, por obra do próprio governo Lula e seu pragmatismo. Nesse caso, não há choque de agendas, mas sim convergência de expectativas. E isso a imprensa alternativa deveria apontar.
André Singer, que foi secretário de imprensa do governo Lula, falou da importância de um jornalismo de esquerda crítico e apartidário. Na sala, havia bons e nanicos exemplos disso. ‘A imprensa é conservadora, mas não antidemocrática’, disse.
A frase de Singer, além de desbancar a tese de golpismo, aponta para o futuro. Aos alternativos, resta serem democráticos e progressistas, contribuindo para que o debate público avance. Isso, num cenário de adensamento informativo, requer meios. Ou seja, é preciso ser grande. Alternativo não é sinônimo de nanico, não precisa ser.
Internet, juventude e o discurso pós-moderno
O encontro demonstrou que há, hoje, mais que ontem, uma disposição dos alternativos de abdicar de cacoetes discursivos que impedem a ampliação do debate e, conseqüentemente, limitam o papel desses meios no espaço público. Na era do estilhaçado, em que a realidade projeta-se através de um prisma de possibilidades, a unidade de ação (‘frente ampla’) tornou-se old fashion.
Naquele sábado, a idéia de uma só voz foi substituída pelas pós-modernas ninfas: diversidade e pluralidade. Termos como ‘colaboração’, ‘agregação’ e ‘compartilhamento’ foram usados recorrentemente.
Era um encontro de, sobretudo, homens com mais de 50 anos. A juventude, ali, aparecia com projeção, uma idéia, algo remoto. O discurso que se fez sobre os jovens demonstra total falta de contato de boa parte desses baluartes com a revolução que está em curso: a revolução da internet.
Ainda que muitos tenham falado na importância da rede para o futuro de seus empreendimentos – muitos deles há muito tempo existem apenas no ciberespaço – percebe-se que poucos têm contato com o que se convencionou chamar de web 2.0.
Em minha fala, único participante do encontro com menos de 30 anos, defendi que é preciso pensar o processo de formação da imprensa alternativa em duas vias: 1. sim, aproximar os jornalistas e veículos alternativos das escolas de comunicação e de outros espaços nos quais a juventude esteja produzindo informação; 2. mas, fundamentalmente, é preciso aprender com os jovens. A imprensa alternativa precisa descer de seu pedestal e vir aprender a usar blogs, videocasts, podcasts, a interagir com o leitor, a desenvolver dinâmicas participativas, redes sociais, a usar twitter etc.
Ao tomarem contato com esse outro mundo, os alternativos perceberão que a imprensa alternativa se processa numa miríade de pequenas experiências.
É preciso agir sobre esse universo, pautá-lo, de forma interativa, aceitando que o mundo atual não prevê caminhos centralizados, que as tecnologias de informação e comunicação (TICs) são filhas da anarquia, são o resultado do esforço de gerações que raptaram os produtos da indústria bélica e deram a eles uso social, e que isso tudo pode e deve estar ao alcance de todos (essa, a nossa grande bandeira).
Vela a lista de participantes:
Adalberto Marcondes (A
Leia aqui o relato da reunião, e também aqui. Uma avaliação publicada no blog do Rovai está aqui.
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Jornalista