Num dia, ameaças, insultos, mobilização de tropas. No outro, ameaças, insultos e… apertos de mão e tapinhas nas costas. Pois foi assim, ao melhor estilo pastelão, exibido pelas redes de TV por ocasião do encontro da Cúpula do Grupo do Rio, em Santo Domingo, que se esvaziou o bafafá armado por Hugo Chávez – sempre ele – em torno da incursão colombiana que culminou com a morte do segundão das Farc Equador a dentro.
Arranjo que, de qualquer forma, não impediu que a farsa da chamada revolução bolivariana – que soava como um novo canto da sereia aos ouvidos da orfandade socialista – soçobrasse com a descoberta de que a ligação do presidente venezuelano com a guerrilha era bem mais estreita do que se supunha, conforme revelaram documentos aprendidos pelos militares colombianos que executaram a operação. Uma cumplicidade de resto assumida pela própria virtual declaração de guerra com a qual ele inicialmente reagiu à bem-sucedida ação colombiana em território equatoriano, onde a guerrilha sintomaticamente se alojava, quando o mais racional e razoável seria contemporizar em nome do combate ao flagelo do terrorismo.
Curiosamente, levou quase uma semana para que a imprensa tupiniquim desse o devido destaque a um incidente que Chávez transformou num cavalo de batalha para acuar o presidente colombiano – e declarado desafeto – ao tomar as dores do aliado Equador, o qual, juntamente com a Bolívia de Evo Morales, compõe o triunvirato de um movimento que não tem seduzido nem os próprios nativos. Veja-se o gradativo desencanto registrado na própria Venezuela, onde a popularidade de Chávez vem despencando a olhos vistos. Afinal, não é preciso ser muito inteligente para perceber o desvario de hostilizar logo os dois maiores parceiros comerciais do país, Colômbia e Estados Unidos.
Engolindo em seco
O fato é que os dias de glória do chavismo – se é que um dia existiram – vão se transformando num dejà vu difícil de digerir até para os que até outro dia se deleitavam com as bravatas do comandante. Daí o por assim dizer, silêncio ensurdecedor que procedeu essa última malograda encenação para escamotear o que a esta altura é indisfarçável, ou seja, o apoio velado que ele vem prestando aos terroristas das Farc, revelado não só pela tal documentação aprendida, como pela própria ligação pelo celular feita a Rául Reyes que acabou permitindo a localização do acampamento da guerrilha em terras equatorianas.
Encenação que, em todo caso, a comunidade internacional, representada pela OEA – exceção dos EUA, aliado incondicional de Uribe – optou por embarcar em nome da diplomacia, da sacrossanta soberania dos povos, justificadamente ou não violada pelos colombianos. Quer dizer, fez de conta que embarcou, já que condenação pública à Colômbia, veementemente exigida pela troupe, acabou não acontecendo, com o presidente equatoriano no fim das contas se dando por satisfeito com um pedido formal de desculpas de Uribe. Ainda mais que os urros de Chávez já haviam se reduzido a miados, ou, mais constrangedor ainda, naquela ridícula cantoria que improvisou para desanuviar o ambiente.
De qualquer forma, foi o desfecho que todos esperavam, ainda que no frigir dos ovos os problemas permaneçam e se continue a tapar o sol com a peneira. Sim, pois a questão crucial trazida à tona pelo incidente vai continuar pairando como uma ameaça constante a um efetivo entendimento entre as partes envolvidas: a cumplicidade entre os governos esquerdistas da região, com Chávez na cabeça, e os narcoterroristas das Farc. Evidência que, estranhamente, a própria grande imprensa brasileira – exceto o Globo, o único a posicionar-se a favor da Colômbia – engoliu em seco, com direito a interpretações bizarras como a da colunista da Folha de S.Paulo Eliane Cantanhêde, que não obstante reconhecer que nada justifica o Equador dar guarida às Farc, taxou de inadmissível e ‘um retumbante fracasso’ a incursão colombiana ao país vizinho. Ora direis, retumbante fracasso…
Despotismo terceiro-mundista
Que o governo adote um discurso cauteloso e conciliador, como fez Lula com a condescendência habitual frente a um boquirroto ainda maior, não só é compreensível como faz parte do jogo. Mas no que diz respeito à imprensa, o distanciamento do palco dos acontecimentos não só resultou numa cobertura superficial e frívola como no desperdício de uma rara chance de praticar um tipo de jornalismo que vai caindo em desuso, o de apuração in loco dos fatos. Em suma, perdeu-se a chance de matar a cobra e mostrar o pau, desmascarando Chávez de uma vez por todas, se bem que a essa altura só não vê o seu jogo duplo quem não quer.
Menos mal que ao menos o Congresso não compactuou com tão grotesca farsa, com manifestações de repúdio até de quem não se esperava, como o normalmente maneiroso José Sarney, que não usou de meias palavras para denunciar a pantomina que, por conveniência, o establishment finge ignorar. Não é a primeira vez que o Senado em particular se mostra refratário ao belicoso estilo chavista, a exemplo da grande imprensa que, desta vez, no entanto, teve apenas a Globo assumindo uma posição claramente simpática à ação colombiana. Noves fora Veja, é claro, cuja conhecida ojeriza a figuras epônimas que encarnam o despotismo terceiro-mundista está fartamente ilustrada na contundência com que retrata o caso na edição desta semana.
O que sempre é melhor do que ficar em cima do muro, penso eu.
******
Jornalista, Santos, SP