O que não falta nas livrarias são livros sobre Nova York, escritos por e para brasileiros. Guias de turismo, relatos de viagens e aventuras. Nova York bem ali, na próxima esquina, para todos os bolsos, gostos e sonhos. Mas poucos emocionarão tanto quanto Nova York do Oiapoque ao Chuí, da jornalista carioca Tânia Menai. O livro reúne 23 relatos na primeira pessoa de brasileiros que escolheram ‘a cidade que nunca dorme’ para realizar um objetivo de vida. Músicos, diaristas, cabeleireiros, empresários, jornalistas – todos foram atraídos pelo ideal de terra da promissão.
A própria Tania Menai poderia ser personagem do seu livro. Radicada em Nova York desde 1995, ela mudou-se para a cidade com o propósito inicial de estudar e ficar somente três meses. Como todo imigrante que buscou a big apple para expandir seus horizontes, Tania viveu histórias de desafios e superações. Ela integrou a primeira equipe de brasileiros do Wall Street Journal Americas, foi relações públicas de Lily Safra e fez cursos diversos, usufruindo a efervescência cultural que só uma cidade como Nova York é capaz de oferecer. Atualmente Tania Menai colabora para as revistas Veja, Exame, piauí, Bravo!, Superinteressante, TPM e Trip, onde mantém o blog Só em Nova York
A princípio planejado como documentário, o projeto acabou se transformando em livro, para que pudesse atingir um número maior de leitores. O critério para escolha dos personagens foi que tivessem profissões diferentes, não fossem amigos íntimos da autora e morassem em Nova York. Embora revelem graus diferenciados de adaptação ao duro ritmo de vida nova-iorquino, todas as entrevistas impressionam pelos exemplos de perseverança e esforço, alguns deles no limite do sobre-humano. Alguns personagens são mais conhecidos do público brasileiro (e norte-americano), como o fotógrafo Vik Muniz, a cantora Maucha Adnet e a modelo Alessandra Ambrósio. Contudo, independentemente de serem famosos ou anônimos, todos os relatos marcam pela demonstração de coragem.
O livro desfaz mitos. O primeiro, alimentado pela imprensa, é que imigrante brasileiro em Nova York – e, por extensão, nos Estados Unidos – é sinônimo de alguém que veio de Minas Gerais. Na verdade, o universo é bem mais amplo e nele cabem paulistas, paranaenses, cariocas, gaúchos, maranhenses e cearenses. Outro mito é o que credita a Nova York a facilidade de se ganhar em dólar e levar uma vida de glamour, desmentido pela crueza dos relatos. ‘Esta cidade nos exige muito, talvez muito mais do que nos imaginássemos capazes de oferecer’, diz Tania Menai nesta entrevista concedida por e-mail.
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Como surgiu o projeto? Quais foram as dificuldades para realizá-lo?
Tania Menai – Minha vontade inicial era fazer um documentário. Mas só para reunir a equipe levou dois meses – todo mundo aqui é sempre ocupadíssimo. Então resolvi fazer um livro e acho que, neste caso, foi até melhor. Livro é mais fácil de distribuir do que documentários. O processo foi super-prazeroso. As pessoas receberam a idéia com bastante entusiasmo – o único quebra-cabeça foi arrumar tempo na agenda de todos eles. Parece que nesta cidade não existe a expressão ‘tempo livre’! As fotos e ilustrações também foram feitas por brasileiros daqui, então todos estavam na mesma sintonia. A maior dificuldade, no entanto, foi na hora da edição, no Rio de Janeiro – minha impressão foi de que as revisoras não foram orientadas adequadamente. Trata-se de relatos em primeira pessoa, que mantêm sotaques e palavras em inglês. Deu um certo trabalho para fazer os revisores de texto entenderem estas peculiaridades.
Por alguma razão, algum relato ficou de fora do livro?
T.M. – Sim, alguns infelizmente não entraram. Não tive espaço para todos – então entraram os que já estavam prontos e um ficou de fora porque os amigos que leram antes acharam o personagem um pouco arrogante. Então, tirei. O critério era: os personagens terem profissões diferentes, não serem meus amigos íntimos e que morarem em Nova York. Mas no site do livro, as pessoas podem contar suas histórias – nós postamos todas.
Você mora em Nova York há mais de uma década. Esses relatos lhe proporcionaram um olhar diferente sobre a cidade? O que você aprendeu com eles?
T.M. – Não vi a cidade com um olhar diferente – apenas confirmei o que já sentia por ela. Aprendi que todo mundo passa por ciclos e situações semelhantes, independente da classe social ou profissão. Esta cidade nos exige muito, talvez muito mais do que nos imaginássemos capazes de oferecer. Alguns amigos que moram aqui, e que leram o livro, contaram que sublinharam frases de tanto que se identificaram com os sentimentos relatados.
Você acredita que os desafios de viver em Nova York se manifestam da mesma maneira para todos que procuram a cidade, independente da origem étnica?
T.M. – Sim. É um DNAzinho que tem nesta gente que vem pra cá – e isso independe da nacionalidade. Pode ser um paquistanês ou um mexicano. Mas pode acreditar que é um paquistanês e um mexicano que não têm nada de acomodados, que querem mais e não têm medo da possibilidade de recomeçar a vida ou de enfrentar preconceitos, um novo idioma ou uma nova cultura. Não é fácil para ninguém, principalmente no primeiro ano. Às vezes, para dar um passo para frente, temos que dar dois para trás.
Algum personagem do livro a emocionou de uma forma especial? Por quê?
T.M. – Sim. O relato da Maucha Adnet contando sobre a morte do Tom Jobim – especificamente na parte em que o piloto que levava o corpo dele para o Rio disse no alto-falante que o tempo estava nublado porque o Rio amanheceu chorando. Sou carioca, não me segurei. E também no relato do Guto, engraxate. O cara é um lutador. Hoje ele está numa situação melhor do que na época da entrevista.
Com os depoimentos, tem-se a impressão de que com muito trabalho e persistência é possível ter alguma chance em Nova York. O livro não poderia funcionar também como um incentivo a potenciais imigrantes, embora esse não seja seu objetivo?
T.M. – Ele pode ser um incentivo, sim. Mas também pode desmistificar aquela idéia de que tudo é glamour, tudo é dólar e tudo é fácil. Acho que a sinceridade destes relatos mostra todos os lados da moeda – e são mais de dois!
Uma conhecida frase de Tom Jobim abre o livro: ‘Morar em Nova York é bom, mas é uma merda. Morar no Rio é uma merda, mas é bom.’ De alguma maneira, você discordaria de Tom?
T.M. – É a frase mais sábia que ele disse! A gente vive comparando uma terra e outra. E ele resumiu de uma forma brilhante. Por exemplo, eu morro de saudades da praia do Leblon, da informalidade, dos sorrisos, da família. Por outro lado, o Brasil te exige carteira de identidade, CPF, PIS, título de eleitor, carimbos de cartório (tudo isso apenas para você perder tempo e dinheiro – não há função nenhuma, a não ser empregar gente nos empregos públicos). Que coisa arcaica! Aqui, nos EUA, você tem apenas o seu número do social security e pronto. Também fico ofendida no Brasil a cada vez que tenho que preencher meus dados no verso do cheque – é o país da desconfiança. Por outro lado, nos EUA o pessoal da imigração também é emburrado. É disso que o Tom falava. O Vik Muniz fala sobre isso no livro. Segundo ele, não existe este Shangri-La.
Um aspecto curioso do livro é o contraste entre o ‘jeitinho’ e a desorganização estrutural no Brasil e a competitividade e o profissionalismo em Nova York. Como você vivencia essas diferenças em seu trabalho como jornalista freelance?
T.M. – O Brasil tem tanto para oferecer, é um país tão rico – é uma pena que tanta gente boa saia de lá para refazer a vida fora por causa da falta de oportunidades e desorganização, como você falou. Acho que o país ainda não se deu conta da perda desta força motriz que sai com cada imigrante. Neste aspecto, eu já sou nova-iorquina há anos. Por exemplo, em Nova York tem-se respeito pelo tempo do outro. E isso é uma coisa que eu não me acostumo mais no Brasil. O descompromisso e o pouco caso me irritam – deve ter um monte de gente que me acha chata. Aqui, se você não tiver pontualidade na hora de chegar a uma entrevista, na hora de responder a uma mensagem ou telefonema, você está fora. E é por isso que a cidade funciona. Ninguém perde tempo tendo que pedir duas vezes. Até na hora de redigir um e-mail as pessoas esperam praticidade. Pode até se tornar numa coisa fria, mas é trabalho. E no trabalho eles não brincam.
Como é o seu cotidiano de jornalista freelance vivendo no centro do mundo? Como é sua relação com os editores brasileiros?
T.M. – Não tenho rotina – trabalho em casa e saio para entrevistas, palestras, ou cursos. A cidade é o meu escritório. Ontem mesmo fui ao New York Times assistir a uma palestra com colunistas que escrevem sobre Nova York. Tento absorver o máximo da cidade. Já a relação com meus editores é o pilar do meu trabalho. Tenho os prediletos, claro – são normalmente os que têm uma visão de mundo um pouco mais ampla, então não preciso me esticar ao propor uma pauta. Sempre brinco que tenho uma ‘dupla vida de Véronique’, como no filme francês. Porque da mesma forma que convivo com os brasileiros, via e-mail, convivo bem com os norte-americanos. Tenho ótimas relações com alguns assessores de imprensa e com as pessoas que eventualmente se envolvem em alguma matéria.
O pós-11 de setembro dificultou de algum modo sua atuação como jornalista em Nova York?
T.M. – Não. Pelo contrário, na época fomos os que mais trabalhamos, tirando os bombeiros e médicos. Mas acho que, diplomaticamente, o visto dado a jornalistas brasileiros passou a valer apenas um ano – o pessoal tem que ir ao Brasil todos os anos para renovar o visto. Tenho passaporte alemão, então não passo por isso.
E a convivência entre os nova-iorquinos? Dizem que as pessoas se tornaram mais solidárias após a tragédia do World Trade Center…
T.M. – Sim, mas apenas no dia 12 de setembro. No dia 13, todo mundo voltou a olhar para o seu próprio umbigo novamente. Essa é uma piada que se fala por aqui. Mas é verdade!
Se você retornasse hoje para o Brasil, o que gostaria de levar de Nova York? E o que não levaria de jeito nenhum?
T.M. – Certamente levaria as fotos dos momentos incríveis que vivi aqui, os livros que comprei e utensílios para casa e cozinha, que são de primeira qualidade – até porque meu namorado é chef. Levaria também o profissionalismo, a experiência multicultural e o caderninho de telefone, porque o que mais vale nesta vida são os contatos e os amigos. Não levaria o inverno, de jeito nenhum. Acho que nunca poderia morar em Porto Alegre.
Se você fosse definir Nova York numa palavra, qual seria?
T.M. – Energia.
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Jornalista, editor da revista eletrônica Balaio de Notícias