Faz tempo, muito tempo: estávamos na época da ditadura. Todos os anos, os jornalistas iam a Pirassununga, no interior paulista, para assistir à entrega de espadins aos cadetes da FAB. Um horror: os repórteres ficavam confinados num ‘chiqueirinho’, debaixo do sol, o general-presidente de plantão fazia um discurso, depois havia um coquetel, e fim. Notícia que é bom, nada. Mas os jornalistas não podiam faltar: e se o general-presidente falasse algo importante? E se houvesse um acidente qualquer?
Um dia, enquanto o avião presidencial pousava, este colunista comentou com o ótimo repórter João Russo que bem que podia acontecer alguma coisa, para dar notícia. Russo respondeu: ‘Eles querem fazer festa, você quer notícia. É por isso que eles não gostam da gente’.
O problema é que não são apenas ‘eles’. Na semana passada, ao protestar contra os processos movidos, só para chatear, contra jornalistas e veículos de comunicação, esta coluna recebeu críticas de todos os lados. Coisas do tipo ‘que é que a imprensa está querendo’, ou ‘de que vale uma sentença judicial depois de tantos anos’, ou ‘tem mesmo de encher o saco e fazê-los gastar dinheiro, porque é a única linguagem que esse pessoal entende’.
Alguns poucos, claro, seguem os blogueiros partidarizados, usando até o mesmo jargão; mas esses não têm importância. Outros, a grande maioria, usam bons argumentos para bater nos meios de comunicação. Basicamente, queixam-se da arrogância jornalística, do pouco espaço concedido à defesa dos acusados, da longa demora para publicar respostas – isso quando são publicadas. Queixam-se também da Justiça, pelo prazo decorrido entre o fato e sua eventual punição.
Estes, com muita freqüência, têm razão. Quantas vezes não vemos uma pessoa acusada de chutar seu cachorro, bater na sogra e maltratar os filhos informar que não é casada, não tem filhos nem bichos de estimação, e mesmo assim entrar no noticiário, à guisa de ‘outro lado’, com a frase ‘fulano negou as acusações’?
Há mais, muito mais. Há as caras e bocas de alguns apresentadores de TV, há o tom debochado que determinados apresentadores de rádio adotam quando falam de alguém de quem não gostam, há a escolha de palavras para conduzir a opinião pública na direção desejada pelo jornalista. Exemplo recente: um cavalheiro não compareceu a uma audiência judicial por estar acompanhando a irmã, que era operada de câncer. A escolha das palavras: ‘Fulano não compareceu à audiência e alegou que estava acompanhando a irmã que passava por cirurgia para retirar um câncer’ – como se fosse uma desculpa das mais esfarrapadas!
Quem passa por esses problemas não gosta dos meios de comunicação, nem de quem trabalha neles. Podemos não dar bola para isso ou podemos tentar mudar nossa imagem. O caminho correto é óbvio. Mas será o escolhido?
A lenda do xerife indomável
Era um jovem promotor, midiático e agressivo, que se dizia implacável na luta contra o crime organizado. Fascinou a imprensa, fascinou a opinião pública, deu milhares de entrevistas sobre suas façanhas. Acabou entrando na política e se elegendo, com facilidade, governador do Estado.
Mas, como dizia meu avô Jacob, cuidado com quem bate no peito apregoando suas virtudes e dizendo que é melhor que os outros. O governador de Nova York foi apanhado numa daquelas escutas telefônicas de que ele tanto gostava, quando os bisbilhotados eram os outros, e se descobriu que gastava alguns milhares de dólares com prostitutas de luxo. Para mascarar seus gastos milionários com o sexo pago (custos multiplicados por alguns de seus hábitos, que segundo as prostitutas envolviam práticas sexuais inseguras), recorria a um truque típico de criminosos de colarinho branco: dividia os pagamentos em várias remessas, procurando ficar sempre abaixo das quantias que provocam investigação automática. Teve de renunciar ao cargo, numa daquelas entrevistas coletivas terríveis, com a esposa traída ao lado, dizendo que apesar de tudo faz questão de perdoá-lo.
Deve responder a processo por uma série de motivos, inclusive a violação de uma lei federal que proíbe facilitar a travessia de fronteiras estaduais para fins de prostituição. E ainda não explicou de onde saía tanto dinheiro para pagar tão alto por algumas horas de sexo. A encrenca pode ser ainda maior.
Sexo é cultura
Encrenca, aliás, é a palavra exata para o caso. Em seus excelentes estudos sobre as ‘polacas’, a historiadora Beatriz Kushnir conta que, quando aparecia um cliente com doença venérea, as prostitutas trazidas sob falsas promessas da Europa Central para o Brasil comentavam, em ídiche, que era ‘ein kranke’ – um doente, alguém que traria problemas. Daí surgiu a palavra ‘encrenca’, que só existe no português do Brasil.
Como…
Um grande banco internacional faz anúncios musicados dizendo que apóia a música clássica. Só que a música que utiliza nos anúncios não é erudita: é O Sole Mio, esplêndida canção folclórica napolitana de Giovanni Capurro e Edoardo di Capua, gravada pela primeira vez em 1907. Elvis Presley gravou uma versão em inglês de grande sucesso, It’s now or never.
…é…
Esta é de um grande jornal: informa que o cientista italiano Galileo Galilei foi executado pela Inquisição, por proclamar que a Terra girava em torno do Sol. Quase certo – mas Galileo não foi executado, não. Preferiu desmentir-se e continuar vivo.
…mesmo?
A notícia saiu numa grande rede de TV. Falando sobre o crescimento do PIB, Produto Interno Bruto, a repórter citou uma empresa que investiu dez mil dólares. Erro pouco: é dez milhões. E nem é tanto assim, considerando-se o investidor: uma das maiores empresas mundiais de autopeças, a Delphi.
Brilho
De vez em quando, algum jornalista de nível produz um comentário definitivo. Vale a pena transcrever o que disse, em O Globo, o colunista Ancelmo Góis:
‘Lula tem razão quando diz que o sonho de todo brasileiro é ter um carro. Mas sonho mesmo é o dia em que os governantes investirem em transportes coletivos, como os europeus. Nesse dia, o brasileiro vai poder, enfim, dispensar o carro e andar em metrô, trem e ônibus confortáveis e práticos. Porque luxo mesmo é não ter carro’.
Jornalismo misterioso 1
Uma ótima foto mostra o presidente Lula a se arrastar por baixo de uma cerca, numa inauguração em Dianópolis, Tocantins. Só faltou um detalhe: por que o presidente se arrastava em baixo da cerca, em vez de entrar por uma porta ou algo parecido. Isso o jornal não conta.
Jornalismo misterioso 2
Foi uma tremenda festa de casamento, chiquérrima, cheia de milionários. Nas reportagens, houve comentários ultra-elogiosos a um fabuloso colar da mãe da noiva, ao vestido da noiva, às inacreditáveis jóias de uma ou outra convidada. Nas fotos, o de sempre: carequinhas barrigudinhos com suas esposas muito bem vestidas, e só. O magnífico colar de esmeraldas? O vestido de noiva de alta costura? As jóias que puseram os repórteres para babar? Bom, isso não apareceu nas fotos. Até houve quem explicasse que essas coisas não podem ser fotografadas, por exigência do seguro. E desde quando as seguradoras mandam nos fotógrafos dos jornais? E desde quando não se pode fotografar o vestido da noiva?
E eu com isso?
Na falta de informações sobre as atividades dos muito ricos, vá lá: a gente tem de se contentar com o pessoal de cinema e TV. Aí chovem as notícias.
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‘Deborah Secco mostra o penteado novo’2.
‘Giovanna Antonelli finaliza almoço e cruza os talheres em restaurante no RJ’3.
‘Com barba de `Queridos Amigos´, Dan Stulbah almoça em restaurante do Leblon’4.
‘Amiga confirma que brother é homossexual’O grande título
Muita disputa, muita disputa. Comecemos pelo portal de um grande jornal:
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‘PT entra aciona Marco Aurélio no CNJ’Só para esclarecer: o personagem da notícia é o magistrado, não o aloprado.
Em seguida, dois de futebol:
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‘Versão nacional de livro `recebe´ Zidane no Brasil’Alguém, com certeza, saberá entender o sentido desse título.
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‘Tribunal absolve Luxemburgo, mas multa treinador’Este dá para entender: o jornalista esperava que Luxemburgo fosse suspenso. Como não foi, e a pena se resumiu à multa, é como se tivesse sido absolvido, entende?
E o melhor de todos:
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‘Os famosos também comem’Como se vê, está errada a idéia tão difundida de que vivem apenas de fama e brisas.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados