Não é a primeira vez – e provavelmente não será a última – que um político americano dá entrevista coletiva e pede perdão à mulher e aos filhos por ter errado no seu comportamento sexual. Desta vez foi o governador (ex, aliás) de Nova York, Eliot Spitzer, descoberto por usar uma conta fria para pagar seus caríssimos encontros com prostitutas. Antes deste, houve o caso do governador de New Jersey, que se revelou gay, e, mais remotamente, o caso do ex-presidente Bill Clinton e seu affair com a estagiária Monica Lewinski.
Os governadores renunciaram. Clinton terminou o mandato e hoje faz campanha pela indicação da mulher para concorrer à presidência dos Estados Unidos.
Nos três casos, o que chocou a opinião pública não foi exatamente o comportamento sexual nada puritano dos políticos, mas o fato de terem mentido. E, nos três casos, as mulheres ficaram lá, firme e fortes, acompanhando as constrangidas explicações dos maridos.
A novidade é o tipo de cobertura da imprensa. Desta vez a mídia está discutindo a situação das mulheres, retratadas nas cerimônias públicas de expiação dos maridos.
Sob os holofotes
Sérgio Augusto discutiu o assunto no artigo ‘Sob o signo do medo e da hipocrisia’, dado na edição de domingo (16/3) do Estado de S.Paulo:
‘Com medo de desfazer seu lar, afetar a vida e a psique de suas três filhas e o que mais costuma pesar em situações como essa, Silda não assumiu a tradicional posição de mater dolorosa, mas outra, mais moderna, atualíssima: a de uxor plácida, a mulher traída, estóica. Assim como Renilda Santiago, a musa do Valerioduto, Jacqueline Kennedy… Silda optou por `ficar do lado do seu homem´.’
Para o colunista da Folha Michael Kepp (americano radicado no Brasil), a explicação é outra:
‘Nos Estados Unidos, os casamentos são vistos como sociedades, e os casamentos políticos criam equipes ainda mais fortes, parcerias conjugais que às vezes nascem nas faculdades de direito de elite. Bill Clinton conheceu Hillary quando os dois estudavam em Yale e Eliot Spitzer conheceu Silda na Escola de Direito de Harvard. A esposa/sócia faz campanha para seu marido e, quando se torna primeira-dama, às vezes recebe poder político. Hillary Clinton comandou iniciativas políticas de peso, como o plano de saúde do governo Clinton. A primeira-dama brasileira não é vista como sócia desse tipo, ocupa um cargo puramente simbólico e não é obrigada a expor-se à atenção pública. Quando senadores brasileiros acusados de corrupção renunciam a seus cargos, em desgraça, eles o fazem no Senado, e suas mulheres geralmente não estão a seu lado.’ (Folha de S.Paulo, 16/3/2008)
Mas qual será a verdadeira razão que leva as mulheres a se submeterem à humilhação pública ao lado do maridos? Pela primeira vez temos a palavra de uma das envolvidas, a ex-mulher do ex-governador de Nova Jersey, Dina Matos Greevey, em artigo publicado no New York Times e reproduzido no Estadão na quinta-feira (13/3), com o título ‘Respeitem a dor das mulheres’:
‘Meu coração sangra por Silda Wall Spitzer. Não só porque ela e as filhas terão de enfrentar a tormenta causada pelos maus passos do marido, mas porque também terá de suportar o julgamento de comentaristas, muitos dos quais têm perguntado por que ela deveria ficar ao lado de um homem durante seu mea-culpa público – e anêmico. Na condição de alguém que ficou ao lado do marido na mesma situação, tudo que posso dizer é: essa é uma decisão pessoal. Não há nenhum protocolo para a esposa ou parceira sob a luz dos holofotes. Não me ofereci voluntariamente. Não estava em condições de tomar uma decisão racional, e não havia tempo. Ele me pediu para ficar ao lado dele, e eu fiquei.’
Nova postura
Dina Matos McGreevey conclui dizendo que o importante, quando situações desse tipo se repetirem – e ela não tem dúvida de que vai acontecer – é que as mulheres sejam poupadas:
‘Vamos evitar a psicanálise e o julgamento sobre a mulher. Ela não é a autoridade eleita. Ele que enfrente as câmeras sozinhos. Vamos fugir dessa noção de que a esposa de um político eleito precisa estar lá. Respeitem a privacidade diante do que já é uma situação extremamente dolorosa’.
Das mulheres citadas, só uma parece ter transformado a humilhação a seu favor. Depois de escrever sobre o assunto e dar inúmeras entrevistas à TV, Hillary Clinton mudou sua imagem entre os americanos e hoje luta para sair candidata à presidência dos Estados Unidos. Com o apoio integral e entusiasmado do marido ex-presidente. Ou será que Bill Clinton está apenas pagando seu débito?
É animador verificar que a mesma imprensa que usou o caso Clinton para explorar ‘a dor’ da mulher traída, tem hoje uma nova postura sobre a exposição das mulheres na mesma situação.
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Jornalista