A matéria ‘Poeira e conspiração‘, de Luiz Carlos Azenha, publicada na CartaCapital nº 493, é um excelente exemplo de como os males da internet podem fazer bem ao jornalismo.
Aqui mesmo neste Observatório já vi muitos jornalistas lamentarem as inovações tecnológicas. Quando não compromete a saúde financeira dos jornalões e revistinhas, ou provoca demissões de jornalistas, a internet é responsabilizada pela baixa qualidade do jornalismo. Em razão de não saírem da frente de seus computadores, os infojornalistas ficam tentados a inventar notícias – exatamente como aquele norte-americano que escandalizou o New York Times devido ao seu ‘jornalismo inventivo’.
É verdade que a revolução digital está sacudindo os alicerces do velho jornalismo. Mas as novas tecnologias não são e não podem ser culpadas pelos males do jornalismo. Há mais de um século invencionices e sensacionalismos assombram páginas dos jornais grandes e pequenos aqui e lá fora.
Contando histórias
Desde os primórdios do jornalismo, os bons profissionais sempre procuraram fazer uma distinção entre os boatos e os fatos. Alguns, considerando que os próprios boatos são fatos quando escondem deliberadamente a verdade, perseguiam os primeiros até chegar aos últimos.
No livro Manifesto da economia digital, que tive a oportunidade de resenhar, Pick Levine e outros defendem a tese de que atualmente:
‘Não precisamos de mais informação. Não precisamos de melhor informação. Não precisamos de informação automaticamente filtrada e sintetizada. Precisamos entender. Queremos desesperadamente entender o que está acontecendo…’
Ressaltam, ainda, que:
‘Se você deseja entender, precisa reentrar no mundo humano das histórias. Se você não tiver uma história, não terá entendimento. Desde a primeira carne assada por acaso numa savana pré-histórica, entendemos as coisas contando histórias. Não estou falando de ficção ou histórias com densos enredos; falo de narrativas que encadeiam os eventos no tempo e mostram seus desdobramentos.’
Desmontando o boato
Muito embora Pick Levin e seus colegas estivessem se referindo à gestão das empresas, dos mercados e das conversas que a internet proporciona entre os consumidores e entre os mesmos e as empresas, as idéias de ambos podem ser perfeitamente aplicáveis ao admirável jornalismo novo. Em razão da revolução digital, as ‘conversas na rede’ se tornaram a matéria-prima das empresas e dos jornalistas. Se em razão da internet alguns jornalistas deixaram de contar histórias, terão que reaprender a contá-las para recuperar a dignidade e credibilidade das informações que difundem.
Contar uma história foi exatamente o que Luis Carlos Azenha fez na matéria publicada na CartaCapital. Partindo de uma informação veiculada na Wikipédia em espanhol (de que os norte-americanos construíram o aeroporto de Luis Maria Arganã e pretendem instalar uma base militar no Paraguai), o jornalista foi até o local para apurar os fatos e construir sua narrativa.
Através das informações colhidas in loco e dos depoimentos das autoridades entrevistadas, Azenha conta a verdadeira história e desmonta o boato. Informa, também, que no website do Departamento de Estado dos EUA consta que o tal aeroporto foi construído por engenheiros militares paraguaios – informação idêntica à que colheu no local.
Conhecimentos e compromissos
O que nos interessa é menos o conteúdo da matéria do que o procedimento que foi adotado na sua construção. Partindo de um dado que consta da Wikipédia, os fatos foram apurados in loco, narrados, e inclusive confirmados, por outra informação online. É digno de nota o fato de que o jornalista não presumiu que a informação divulgada pelo Departamento de Estado fosse melhor ou mais confiável do que a que consta na Wikipédia. Ao contrário, ele foi ao local, apurou os fatos para que pudéssemos avaliar e julgar dois conteúdos que estão postados na internet sobre o mesmo assunto. Em razão de seu cuidado o jornalista deu uma nova dignidade e importância ao jornalismo.
O procedimento adotado por Azenha deveria se tornar referência para seus colegas. Os jornalistas não precisam demonizar a internet, nem tampouco devem utilizá-la de maneira leviana. Azenha sugere, na era digital, que há uma clara distinção entre o trabalho jornalístico e a produção de conteúdos para a internet. Nem todos os que produzem textos escritos ou iconográficos na rede têm a obrigação de preservar verossimilhança entre os fatos e o que difundiram sobre os mesmos. Em razão de seus conhecimentos e compromissos profissionais, os jornalistas podem e devem procurar os fatos e distingui-los dos boatos que circulam na internet – mas não é isto que tem ocorrido em alguns jornalões e revistinhas.
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Advogado, Osasco, SP