Qual será o suporte que facilitará a sobrevivência do jornalismo musical? O papel ou a tela do computador? Nos últimos anos, assistiu-se à tentativa de lançamento no mercado de novos títulos que, infelizmente, acabaram sucumbindo posteriormente devido a uma série de circunstâncias, como as revistas Frente e Zero. As revistas que continuam por aí conseguem sobreviver graças a uma grande dose de heroísmo, lutando contra problemas que vão da dificuldade em se conseguir anúncios, passando pela questão da distribuição (é fato que revistas independentes não conseguem atingir um país de dimensões continentais) e chegando ao preconceito de outros jornalistas.
Por outro lado, o jornalismo de internet continua fazendo sucesso e crescendo cada vez mais no que diz respeito à área musical. Um exemplo é a revista eletrônica Bacana (www.bacana.mus.br), sediada em Curitiba e comandada pelo jornalista Abonico R. Smith, 32 anos, com passagens por publicações como a General e o jornal Gazeta do Povo. O Bacana está prestes a chegar à 40ª edição, contra as três edições que a revista Frente soltou no mercado. Apesar de todas essas vantagens, quem se presta a tocar adiante esse tipo de jornalismo online (e até mesmo colaborar com ele) o faz por puro amor à arte, pois não se ganha dinheiro com isso.
Na entrevista concedida por e-mail, Abonico reflete um pouco sobre esse duelo entre o ‘on paper’ e o ‘online’. Ele acha que a internet não passa de um formato a mais, mas diz que ‘fazer revista factual impressa e distribuída em bancas hoje, no Brasil, é algo quase impossível’. Para o jornalista, é necessário repensar o modelo do jornalismo impresso. Quando isso ocorrer, ‘os leitores vão continuar mostrando sua fidelidade ao formato’.
Outra saída para o jornalismo impresso, segundo Abonico, seria a regionalização. ‘Não dá mais para depender da produção centrada apenas no eixo RJ-SP’, diz. Além disso, ele se mostra contrário a uma divisão etária dos leitores de cada formato. Segundo previsões de vários estudiosos no assunto, os adolescentes ficariam com a internet, enquanto um público mais maduro se mostraria fiel às revistas de papel. Mas o buraco seria mais embaixo, segundo o jornalista: ‘O que existe, infelizmente, é a falta do habito de leitura desde a infância’, diz.
Abonico também fala sobre a volta da revista Bizz, da qual participa como colaborador. A publicação fez a cabeça de toda uma geração nos anos 80. A Editoria Abril a está relançando com edições mensais regulares e monotemáticas, fugindo do hard news, aposta que pode lhe garantir a sobrevivência. O jornalista também produz o programa Enfoque na TV Paraná Educativa. A atração está concorrendo na categoria de melhor programa de TV ou emissora do Prêmio Claro de Música Independente, que é uma espécie de ‘Oscar’ dos independentes, sejam eles músicos ou jornalistas.
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Como você definiria o Bacana? Ele seria uma revista eletrônica ou um e-zine?
Abonico R. Smith – O Bacana é uma alternativa na internet para quem gosta de ler sobre música pop e sente a falta de uma revista em papel que una qualidade editorial, periodicidade, constância, preço baixo e distribuição nacional. Não digo que é um e-zine porque e-zine significa ‘fanzine eletrônico’. O Bacana não é um fanzine. É feito por jornalistas e gente que entende do que está escrevendo. Traz reportagens, resenhas, entrevistas – nada de achismos ou preferências pessoais ou de turmas. Enfim, é pensado profissionalmente. Só não é um veículo que renda dividendos ainda, mesmo porque essa não é a intenção até agora. Está mais próximo sim de uma revista eletrônica. Foi formatado como uma revista, com edições, capas, seções – o que o diferencia de um portal. Como não se ganha nada ainda com o Bacana, ele é feito nas brechas do meu tempo pessoal e ainda no tempo de cada colaborador. Não há periodicidade definida, embora a meta seja sempre manter edições semanais ou no máximo quinzenais. Colocando tudo isso em uma balança, eu diria que está mais para uma revista eletrônica, mesmo.
Você acha que a internet é um refúgio seguro para o jornalismo musical brasileiro, uma vez que algumas revistas de papel tentaram se estabelecer no mercado editorial nestes últimos anos, mas não conseguiram?
A. R. S. – Não usaria a palavra refúgio. A internet é apenas um formato a mais e hoje o formato mais adequado para quem deseja estar conectado com a intensa velocidade de informação que corre no mundo hoje em dia. Fazer revista factual impressa e distribuída em bancas hoje, no Brasil, é algo quase impossível, um verdadeiro feito heróico para quem ainda aposta no formato mais tradicional. Não dá para dizer que as revistas vão acabar, mas elas precisam repensar suas funções, formas e conteúdos. Veículos como o Bacana e outros sites de postura editorial semelhantes vieram para dar conta da urgência de informações e praticidade no ato de fazer com que elas cheguem mais rápido e barato ao consumidor.
Qual é o motivo para que as revistas de música sofram a duras penas na atualidade? A questão financeira (o dinheiro curto faz com que se cortem gastos pessoais, e nisso se sacrifica o hábito da leitura), ou o comodismo (aquela mentalidade de ‘ah, para que vou comprar uma revista, se posso ter toda a informação na internet’)?
A. R. S. – O motivo são questões financeiras aliadas a certas inviabilidades temporais e geográficas do processo industrial editorial no Brasil. Acho que o que falta é uma regionalização de veículos de comunicação (rádios, tevês, impressos). Não dá mais para depender da produção centrada apenas no eixo RJ-SP. Não acho que haja comodismo. No dia em que revistas e jornais repensarem o modo de tratamento da informação e privilegiaram o conteúdo e os profissionais capazes de fornecê-lo, os leitores vão continuar mostrando sua fidelidade ao formato impresso.
Você está participando do novo projeto editorial da revista Bizz, pela Editora Abril. A proposta é lançar edições especiais temáticas e não cobrir o ‘hard news’. O público-alvo deverá ser na faixa-etária dos 28 anos para cima. Num futuro próximo será que vai prevalecer a seguinte divisão: a molecada se informa sobre música pela internet e o público mais maduro sustentará as revistas ‘on paper’?
A. R. S. – Não vejo essa divisão etária. Eu comprava os números iniciais da Bizz aos 13, 14 anos porque era o único meio que eu tinha para me abastecer de informações musicais. Se em meados dos anos 80 já houvesse esse fácil acesso à internet, com certeza eu e toda a molecada da minha idade que comprava a revista adotaria o modo online, assim como os mais velhos. O que existe, infelizmente, é a falta do hábito de leitura desde a infância. O problema é bem mais embaixo, está lá na base. Vem do sistema educacional brasileiro. Então, adolescentes de hoje lêem muito menos do que deveriam e poderiam ler. Não lêem nem na internet. Preferem ficar em chats e sites que não exijam prender a atenção e estimular o raciocínio por muito tempo. Sobre minha participação na Bizz, fico muito feliz por ter sido convocado novamente para a linha de frente dos colaboradores. O novo editor será o Ricardo Alexandre, um dos mais competentes e confiáveis jornalistas de minha geração.
Você participou das discussões do projeto editorial da revista Zero. Por que não permaneceu na equipe após o seu lançamento?
A. R. S. – O nome da Zero, por exemplo, saiu aqui de casa. Bolei junto com mais quatro pessoas [Alexandre Petillo, Marcelo Costa, Luiz Cesar Pimental e Daniel Motta] a concepção da revista, algumas seções e tal. Mas todos eles moravam em São Paulo e se reuniam periodicamente. Eu mandava tudo aqui de Curitiba, estava separado, não podia ter esse contato sempre. Então fui o participante menos ativo na construção da revista e no desenvolvimento das primeiras edições. Ao longo delas, a Zero foi se distanciando editorialmente do que eu pensava que seria uma revista séria de música e cultura pop. Por seriedade não entenda falta de humor, mas saber tratar o leitor como cliente especial e deixar de lado masturbações pessoais na escolha de pautas e entrevistados. E eu nem pedi para sair, fui sumariamente afastado – sem qualquer aviso – do staff da revista após uma briga pessoal com o então ‘diretor de redação’, Luiz Cesar Pimentel. Insatisfeito que estava, nem reclamei. Agradeci o cartão vermelho. Voltei a falar com o Luiz, nada tenho contra eles ou a Zero. Contudo, o fim da circulação da revista apenas foi uma comprovação de que minhas discordâncias não eram em vão.
Além do site, você mantém um programa de tv. Fale um pouco mais sobre ele.
A. R. S. – Eu produzo o Enfoque, para a TV Paraná Educativa [canal 9 em sinal aberto para Curitiba; pela parabólica para toda a América Latina na polarização horizontal 1320mhz]. É um programa de meia hora de duração, que existe há sete anos e está há dois com o atual formato e com a mesma equipe. É um telejornal diário de cultura, de segunda a sexta [12h, ao vivo, com reprises às 19h30 e de madrugada, por volta das 2h]. Não existe programa semelhante em qualquer outra emissora comercial do Paraná. Para quem conhece o Metrópolis, da TV Cultura de São Paulo, diria que é um equivalente. Jornalismo sobre cultura, mas com espaço para análise e entrevista. Falamos de todas as expressões artísticas e damos um grande espaço às produções independentes e artistas locais/nacionais, que sofrem há anos com a falta de opções na imprensa do estado e com a falta completa de atenção do mainstream. Talvez por isso tenha sido indicado para o Prêmio Claro de Música Independente em 2005, na categoria programa de rádio e tevê. Esta é a primeira indicação de um programa de tevê paranaense para um prêmio nacional. Tomara que na seqüência venham outras para o Enfoque.
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Colaborador dos sítios Laboratório Pop, Bacana, Papo de Bola e Rádio Brasil 2000 FM-SP; blog pessoal: (http://onzenet.blogspot.com)