‘Leia a íntegra da carta enviada pelo ex-ministro da Casa Civil José Dirceu em carta enviada a 512 deputados que irão julgar a sua cassação.
‘Exmo. deputado,
No momento em que se aproxima o desfecho de meu processo disciplinar, dirijo-me aos colegas para prestar alguns esclarecimentos. Há 150 dias, estou no centro das atenções da opinião pública sob a acusação de ter organizado e coordenado um esquema de corrupção para favorecer parlamentares e partidos que apóiam o governo Lula.
Todos nesta Casa sabem que um político, quando acusado, mesmo injustamente, perde totalmente as garantias e direitos fundamentais que as constituições democráticas estabelecem de forma a defender todos os cidadãos e cidadãs de injustiças promovidas em nome da coletividade. O ônus da prova passa do acusador ao acusado, em uma inversão de valores só admitida no mundo político e nos regimes de exceção.
A denúncia contra um político é como epidemia contagiosa. Feito o cordão de isolamento, quem não provar a condição de saudável está irreversivelmente condenado à segregação. A atividade política, na maior parte do mundo, é vista com repugnância e desprezo por boa parte da sociedade. É considerada um mal necessário, por uns, e até desnecessária, por outros.
Políticos que acumulam poder e reconhecimento social acumulam, também, ressentimentos, incompreensões, mágoas e ódios despertados pelos mais diversos motivos. Audiências negadas, telefonemas não retornados, convites recusados, a falta de um sorriso ou de um cumprimento, uma pendência não resolvida, o atraso em um compromisso, o esquecimento de um nome ou de uma referência, uma resposta atravessada, um pleito não atendido e outros tantos desentendimentos ou decepções. Difícil quem não tenha motivos para desgostar de alguém com poder. Mesmo que só o faça na solidão de sua consciência.
Por mais justas que sejam as reclamações, muitas vezes os ressentimentos sedimentados contra as pessoas que acumulam poder decorrem da incompreensão ou desconhecimento do acúmulo de pressões, problemas, conflitos e responsabilidades que pesam sobre os ombros de quem ocupa cadeiras estratégicas na estrutura de um governo. Algumas personalidades conseguem resolver melhor esses conflitos, outras, não.
Embora esses sentimentos estejam subjacentes ao meu processo, reconheço que existem razões objetivas para que minha passagem pelo governo seja minuciosamente investigada por todas as instâncias republicanas. Faço questão que todos os casos em que haja qualquer suspeita sobre minha participação em atos ilícitos sejam apurados com rigor, independência e isenção. Tanto no âmbito do Poder Executivo (Polícia Federal, Controladoria Geral da União, Conselho de Ética Pública ou comissões de sindicância), como no do Poder Legislativo (Comissões Parlamentares de Inquérito) e do Poder Judiciário.
Tenho a consciência tranqüila e estou seguro de que nada fiz de ilegal ou ilícito. Cheguei a ter dúvidas sobre minha responsabilidade involuntária em alguns dos fatos mencionados. Será que nos 30 meses em que chefiei a Casa Civil, trocando 25 telefonemas e participando de oito a dez reuniões e audiências por dia, com centenas de empresários, políticos e personalidades públicas do país não teria tido nenhum deslize que pudesse ser compreendido como falta de ética ou atitude indecorosa?
Reconstituindo minha agenda e rememorando tudo que fiz no governo, concluí que não tenho do que me envergonhar ou temer. Depois de cinco meses sendo diariamente massacrado na mídia, com minha vida e das pessoas que me rodeiam sendo devassada, minha história tragada pela enxurrada da desmoralização, não se levantou uma voz, um cidadão, um empresário, um político, uma personalidade da sociedade civil para denunciar ao país qualquer conversa enviesada, antiética ou imoral que tenha tido durante minha passagem pela Casa Civil.
O único que me acusou foi desqualificado pela própria Câmara dos Deputados, que lhe cassou o mandato. Não apresentou prova alguma e até retirou a representação contra mim por falta de consistência. Todas as demais referências apontadas como atentatórias ao decoro parlamentar foram constituídas com base em suposições, ilações e interpretações decorrentes de uma falsa imagem construída a meu respeito, que se propagou sem que eu percebesse sua relevância.
A conseqüência disso é que, por mais inconsistentes que sejam as supostas evidências contra mim, os formadores de opinião não aceitam os argumentos que sustento. Todos querem que eu assuma algo que não fiz só porque acreditam que eu controlava tudo no governo, no PT e no país, e nada poderia acontecer sem que eu soubesse ou comandasse.
A mídia me julgou e condenou no dia em que um deputado corrupto resolveu se vingar por eu ter negado qualquer proteção para livrá-lo do processo que viria. Muitos congressistas sabem do que estou falando. Chamo a atenção porque isso pode acontecer com qualquer um de nós a qualquer momento. Quando a mídia escolhe alguém para crucificar, justa ou injustamente, não há reputação que resista incólume.
Todos sabem que a pressão da mídia é o combustível do Congresso. O prejulgamento da opinião publicada aterroriza os homens públicos. Tudo que confirma a sentença previamente estabelecida merece destaque e grande repercussão. Tudo que contesta a construção dessa falsa realidade é ignorado ou desqualificado. É dessa maneira que figuras anônimas e inexpressivas viram celebridades da noite para o dia. Essa é a lógica que transforma em párias os defensores dos políticos marcados pela ditadura da imprensa. Até mesmo quem zela pelos direitos constitucionais dos cidadãos é tratado como conspirador, como conivente com a impunidade.
Em um ambiente como esse, não há como ser julgado com justiça, serenidade e isenção. Digo isso com franqueza, sem querer ofender colegas, especialmente os que têm a difícil tarefa de julgar publicamente seus pares. Aliás, quem me chamou a atenção para essa realidade foi o ex-presidente desta Casa Ibsen Pinheiro, que sofreu processo semelhante.
Não bastassem minhas convicções sobre o fato de que não deveria ser julgado no Poder Legislativo por atos supostamente praticados no exercício do Poder Executivo, a pressão inconseqüente da mídia sobre o Congresso já seria razão suficiente para justificar minha busca de amparo no Poder Judiciário. Além de lutar pelos meus direitos constitucionais para preservar o mandato a mim delegado por mais de meio milhão de eleitores, a iniciativa terá como conseqüência a solução de uma controvérsia jurídica: um mesmo cidadão pode pertencer a dois poderes republicanos distintos, simultaneamente? Um cidadão ser julgado em um Poder por atos praticados no exercício de outro Poder é invasão de prerrogativas? Invade os limites da independência entre Poderes?
O Supremo Tribunal Federal vai julgar e definir essa questão. Minha iniciativa não deve ser entendida como fuga do julgamento político ou desrespeito às instâncias correcionais da Câmara dos Deputados. É um direito legítimo de buscar fórum mais neutro para evitar o atropelo dos princípios e normas jurídicas, para evitar a consumação de um fuzilamento político motivado pela necessidade de se entregar aos adversários e ao partido da mídia uma cabeça premiada com o selo da passagem pelo governo.
Estou seguro da minha inocência. No entanto, ao contrário do que divulgam, se a tese que levanto for acolhida pelo Supremo, não estarei imune a eventuais processos. Qualquer pessoa ou partido político pode me denunciar ao Ministério Público ou ao STF, inclusive com base nos levantamentos das CPIs. Caso entendam que tenho responsabilidade nos fatos investigados, serei julgado e poderei ser punido, inclusive com a perda dos direitos políticos. A diferença é que tal julgamento se daria com base em fatos concretos, e não em disputas políticas apoiadas em denúncias vazias.
Por outro lado, se o STF entender que devo ser julgado pelo Plenário da Câmara, não rogo condescendência nem a clemência dos colegas. Quero ser julgado com rigor, serenidade e justiça. Só peço uma coisa: se não tiver convicção de minha culpa, não permita que eu seja injustamente banido da vida pública do país pela segunda vez.
Obrigado pela atenção e consideração.
Deputado José Dirceu’
Luís Nassif
‘A volta da direita inculta’, copyright Folha de S. Paulo, 16/10/05
‘Não haverá eleição fácil no próximo ano. O paroxismo da cobertura dos escândalos do governo fez Luiz Inácio Lula da Silva sangrar, mas não morrer. Em contrapartida, deu gás para o aparecimento de um personagem que parecia extinto: a direita raivosa, que havia desaparecido com o fim do ‘milagre’ dos anos 70.
Quando se transforma em superlobista o poderoso Vavá, alguma coisa deu errado. O único feito registrado de Vavá foi ter levado um grupo ligado à Federação dos Hospitais ao Palácio do Planalto, sem avisar o assessor presidencial com quem deveria ocorrer a reunião. Segundo o assessor, Vavá era muito bonzinho, o pleito até que era justo, mas havia um advogado muito impertinente no grupo, razão por que nem cafezinho foi servido. Mas durante alguns dias o poderoso Vavá ganhou espaço digno de um Waldomiro e de um Delúbio.
Há uma tonelada de suspeitas para serem investigadas, inclusive intenções passadas iluminadas pelas informações que surgiram com as CPIs -como a, agora esquecida, medida provisória que legalizaria a atuação dos bingos no país. Mas a cobertura já entrou em ritmo de Vavá. E Lula continua vivo, mesmo sangrando e sem dispor de um projeto de país.
Mas quem tem o projeto? Se a crise cambial não se manifestar no próximo ano, se a conjuntura internacional se mantiver favorável, os erros da política econômica aparecerão apenas após a campanha.
No próximo ano se terá numa ponta Lula, na outra a reedição da aliança PSDB-PFL, algum populista ou conservador correndo por fora, muito ódio acumulado para ser despejado de todos os lados. E um componente novo na história: a volta da direita tosca.
Desde a campanha das diretas, a discussão pública foi atormentada pelo radicalismo infantil da esquerda xiita, pelo maniqueísmo, pelo denuncismo que brotava da aliança entre quadros petistas e procuradores.
Agora, parte da mídia começa a investir em algo inédito na história recente do país: o rancor de uma direita ultra-radical, tão maniqueísta, autoritária e primária quanto a esquerda xiita antes de chegar ao poder. Mas com uma diferença fundamental: o esquerdismo infiltrava-se em algumas redações, no enfoque de matérias, mas não se constituía em opção editorial. Nesse período, o contraponto eram alguns expoentes de uma direita culta.
Agora, na luta pela diferenciação, alguns colunistas e órgãos de imprensa passaram a investir -como opção editorial-, no radicalismo da direita inculta. São uma espécie de Severino Cavalcanti com roupas de grife, o exemplar típico da classe média emergente européia dos anos 20, descrito por José Ortega y Gasset (1883-1955) em sua ‘Rebelião das Massas’.
De Olavo de Carvalho herdaram as fixações, não o brilho. Estão longe do cartesianismo brilhante de um Gilberto de Mello Kujawski, de um Oliveiros Ferreira, de um Miguel Reale. Usam a opinião como arma, com a sutileza de um halterofilista trinchando um frango em restaurante de luxo. Valem-se de estereótipos, da exacerbação do ódio em todos os níveis -seja para atingir um ‘inimigo’ político ou para exprimir mera opção estética. Têm a certeza férrea dos ignorantes.
Entre eles, há alguns talentos genuínos, que brandem o discurso por esperteza. Na maioria, se guiam apenas pelo ‘feeling’ -e aí reside o perigo. Por incultos, respondem intuitivamente a uma demanda dos leitores. E há demanda por ódio, radicalização, simplificação e autoritarismo.
O resultado tem sido a editorialização da notícia, o exercício de um opinionismo autoritário e raso, que choca o público mais sofisticado, o leitor mais instruído, mas soa como música para uma classe média que há pelo menos 15 anos se deleita com linchamentos e catarses.
É esse o clima que se espera nas próximas eleições. Numa ponta, Lula, ferido e sem projeto, mas vivo, indo à forra. Na outra, uma oposição ainda sem discurso e sem projeto, por isso mesmo suscetível de encampar esse discurso do ódio.
Vai ser necessário muito bom senso, a consolidação de pactos em torno de lideranças com idéias e moderação para tirar o oxigênio da radicalização.’
Reinaldo Azevedo
‘Considerações sobre a tolerância’, copyright Primeira Leitura (www.primeiraleitura.com.br), 17/10/05
‘Escrevi dois textos, dentre muitos aqui, que se referem diretamente à questão da mídia e da ideologia. Num deles, apontava um truque muito comum da esquerda: acusar a ‘direitização’ do jornalismo e dos meios de comunicação, embora sejam os esquerdistas que dêem as cartas na maioria dos veículos e assinem a maior parte das colunas de análise – isso no que se refere à política. A economia costuma ficar rendida, com raras exceções, à metafísica influente do governo de turno. É menos adesão ideológica do que ‘fontismo’. O ‘fontismo’ consiste em não ser desagradável a quem fornece informação para ter direito a uma nova e exclusiva. A esquerda não costuma debater economia por ignorância de causa. Quem duvidar do que aqui se diz deve listar os nomes na ponta do lápis. Também o espírito de boa parte das reportagens, mesmo de veículos que a esquerda chama de ‘burgueses’, está pautado quase sempre NÃO pela ‘justiça’, mas por aquilo que o militantismo entende por ‘justiça social’.
O segundo truque é chamar uma ideologia de ‘progresso’ e, pois, opor ‘progressistas’ (eles) a ‘reacionários’ (seus inimigos). Exemplo: um ‘sem-teto’ invasor tem sempre razão: é o que dita a ‘justiça social’, que invariavelmente condena o proprietário do imóvel, que só teria a defendê-lo a Justiça, que, não raro, nem é aplicada. Os politicamente corretos acreditam que a piedade anula as leis. Vamos, então, deixar os sem-teto ao relento? Não! Eles podem ir para albergues – se o padre Júlio Lancellotti desprivatizar os pobres, é claro…
A satanização de qualquer pauta que não seja do interesse da esquerda tem sido uma constante no país desde a redemocratização. A rigor, desde antes. Quero que me digam, por exemplo, quais eram as forças realmente comprometidas com a democracia em 1964. A UDN e os militares, nós sabemos, queriam o golpe. Mas e Jango, Brizola e as esquerdas, algumas já armadas? Queriam o quê? Um regime de liberdades? No entanto, criou-se a mística do martírio. Naquele ano, dizem, os ‘bonzinhos’ perderam. Venceram os maus. O curioso é que os derrotados daquele embate voltaram ao país e chegaram ao poder. E tudo justamente porque o modelo que defendiam não venceu. E se tivessem ganhado? Não só não teriam concedido a seus inimigos de antes a chance que tiveram como, muito provavelmente, teriam se autodestruído em lutas intestinas. Desde Robespierre – vamos pôr ‘cultura’ na análise -, a primeira paixão de um esquerdista legítimo é eliminar seu adversário. A segunda é eliminar um aliado da véspera.
Conversei com um diplomata de um importante país europeu na semana passada. Veio visitar a revista. A ‘informação’ que tinha e que lhe fora passada por uma ‘colega’ brasileira era a seguinte: a verdade não é contada no Brasil! A ditadura militar de 1964 teria matado pelo menos 300 mil pessoas!!! Quando eu lhe disse que, segundo a própria esquerda, com muito boa vontade, morreram, no máximo, 424 pessoas durante toda a vigência do regime, o homem quase cai da cadeira. Tinha na cabeça, no mínimo, padrões chilenos ou argentinos – que, ainda assim, são modestos se comparados aos de Mao Tsé-tung, Lênin-Stálin, Pol Pot ou Fidel Castro (o amigo de Chico Buarque e José Dirceu).
Estou justificando as mortes? Eu, não! Por mim, quem matou de um lado ou de outro deveria é estar na cadeia. Ainda hoje. Mas a anistia foi um processo de pacificação que me pareceu, se não exatamente o melhor, necessário. Um mal menor diante da alternativa. Aceito, como brasileiro e observador da cena, os seus termos. Alguma ditadura comunista foi implantada, em algum país, matando menos de 500 pessoas? Não que eu saiba. Em tempo: como jornalismo é ‘cultura’, o número acima está no livro Dos Filhos Deste Solo, de Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio. Esses 424 nomes ainda incluem pessoas que, mesmo sem militância, acabaram mortas por razões que se supõem ligadas à política. Casos analisados para efeitos de indenização mesmo foram, precisamente, 364. Pessoas mortas comprovadamente vinculadas a ações políticas, 293. Fidel diria que os nossos ultradireitistas são uns molengas!
É vidente que não lido assim com a morte, como se fosse um número frio. Não eu! Mas o fato é que se cria um passado de suposto massacre de oprimidos, que teria sido promovido pela ‘direita’, como se a ‘esquerda’ martirizada oferecesse não mais do que os trigais do Senhor como alternativa, então descartada. Tal suposição, implícita, sem nunca ser dita, serve ao propósito de satanizar opiniões e criar pechas. Ai daquele que levar na testa a de ‘direitista’! É como se tivesse de carregar nas costas, por exemplo, todos os mortos pelo nazismo e pelo fascismo, como se jamais tivesse havido uma direita liberal, democrática, antitotalitária. Eles, no entanto, continuarão a se dizer socialistas ou comunistas, como se já tivesse havido, alguma vez, na história, algum socialismo democrático, que não tivesse se construído sobre milhões de cadáveres.
Luís Nassif alertou, na Folha de domingo, para a ‘volta da direita inculta’, atacando articulistas e veículos de imprensa. Não sei se me incluía e a Primeira Leitura (site e revista) em sua lista. Acho que não. Deve ter mirado em gente maior e mais importante. O fato é que os bate-paus do petismo fizeram uma bricolagem eletrônica de sua coluna com textos de Diogo Mainardi e meus e puseram na rede. O conjunto está servindo de aríete para o petismo ‘denunciar’ o que seria uma grande armação da ‘direita’ contra o governo Lula. Com efeito, queira Nassif ou não, a coluna vem a público dias depois de PT, PC do B e PSB divulgarem uma nota em que ignoram as denúncias contra o governo Lula e pregam a investigação do governo FHC. Afinal, também eles estão resistindo à ação da direita…
Há um esforço para desqualificar debates e opiniões recorrendo ao puro e simples nominalismo: ‘Isso é de direita’. E, pois, dispensam-se os argumentos seja para evidenciar que o outro está errado, seja, quando menos, para elucidar de que ‘direitismo’, afinal, se trata. Pretendem-se impor pelo terror, pelo risco de isolamento de quem pensa de forma diferente e até mesmo pela ameaça – recebo algumas por dia aqui em Primeira Leitura: de me fazer engolir os óculos a lhes dar destino ainda mais heterodoxo… De ‘inculto’, até agora, não haviam me chamado. Nassif não deve estar se referindo a mim como estão supondo os batedores de carteira da reputação alheia do petismo. Só não toparia debater com ele cavaquinho e boxe, assuntos em que considero a sua superioridade humilhante. Mas fiquei curioso: gostaria de saber onde é que anda essa direita radical. Aos petistas que estão espalhando suas maledicências na rede, asseguro: ainda não chegou o cheque da CIA…
São dias curiosos estes. Já lhes contei de um debate de que participei na quinta-feira com um jornalista de bastante visibilidade. Segundo ele, 95% da mídia é conservadora. Elogiou ainda o padrão Hugo Chávez de relação com a imprensa. O próprio PT acusa, desde que inventou aquela inacreditável e desacreditada versão do caixa dois de campanha, a existência de perseguição e preconceito. Marilena Chaui é a autora da tese de que existe ódio contra o PT porque ele é, afinal, o partido (!) responsável pela democratização do país. Desta feita, é Nassif quem acusa o ressurgimento de uma direita, segundo ele, identificada com os anos 70, também portadora de supostos ódios e adverte as oposições para que não cedam à tentação. Cuidadoso, deixa claro que sua restrição se refere apenas à ‘direita inculta’. Os cultos, parece, não representam grande ameaça. Curioso: eu acho que direitistas e esquerdistas, cultos ou incultos, desde que respeitem o Estado de Direito, compõem elementos da paisagem ideológica. E ponto final. Um direitista não precisa ser culto para ter direito de existir. Aliás, eis uma cobrança que raramente é feita à esquerda, não é mesmo?
Não, eu não gostei da coluna de Nassif. E dou um recado aos espertinhos: acho que ele não pensava em Primeira Leitura ou em mim. Aliás, nem tenho a pretensão de que ele seja meu leitor. Mas um texto cai na vida, não é?, e, uma vez solto, conta mais seu efeito do que sua intenção. Assim, não arbitro nem opino sobre as disposições subjetivas do autor. Refiro-me aos desdobramentos práticos e ao uso que está sendo dado ao que escreveu. Um uso que, vejam só!, eu não considero estranho ao espírito do artigo. Acho que Nassif foi suficientemente amplo, lasso e ambíguo para permitir que os petistas interpretassem o que escreveu segundo a sua conveniência.
Nassif faça o que quiser. Não tenho nada com isso. Mas, se a sua intenção não foi engrossar o cordão da patrulha petista, está servindo de inocente útil à camarilha que até hoje lambe as feridas da derrota do Conselho Federal de Jornalismo, às ONGs que pretendem monitorar a ‘independência da mídia’ – são todas, sem exceção, organização petistas – e aos que têm a intenção de reeditar, em 2006, a luta do bem contra o mal havida em 2002.
Ah, sim, uma nota de contentamento: em sua coluna, Nassif faz uma referência a Olavo de Carvalho, acusando essa nova direita inculta de ter herdado ‘as [suas] fixações, não o brilho’. Olavo colabora com Primeira Leitura sempre que pode. Todos os dias, chegam alguns e-mails pedindo a sua cabeça. Nem funcionário da casa ele é, infelizmente. Muitos de seus adversários declarados de pensamento escrevem aqui, e Olavo nunca nem sequer sugeriu que não devessem fazê-lo.
Certos ‘democratas’ brasileiros, se pudessem, eliminariam pela fome aqueles de quem divergem já que não podem fazê-lo a bala. Dizer que Olavo é ‘brilhante’ (e é mesmo!), com a ressalva, porém, das ‘fixações’, corresponde a reconhecer o óbvio, porém pagando o devido pedágio à patrulha politicamente correta. Até porque, convenha-se, até Átila, o huno, era bom, excluídos os seus defeitos. Não pago pedágio a ninguém.
A canalha da bricolagem pode continuar a espalhar meus textos por aí associados aos de Diogo (o que me honra) e aos de Nassif. É um favor que me fazem. Estão na rede. Estão no mundo. Reitero: tenho a convicção absoluta de que ele não pensava em Primeira Leitura ou nos meus artigos ao escrever a sua coluna. Reajo porque acho que forneceu elementos de propaganda a quem não aceita a divergência e pretende fazer da intolerância um novo humanismo.
De resto, e isto é história, sempre que o totalitarismo se impôs, foi sob as barbas, ou os bigodes, do ‘centrismo inculto’, como poderia testemunhar Kerenski na Rússia ou a social-democracia na Alemanha pré-Hitler. Nassif deveria ser mais claro e se explicar. Como está, seu texto só incentiva a intolerância. Mas esse já é um problema dele, não meu.’
Elio Gaspari
‘Os tucanos querem a lei do silêncio’, copyright Folha de S. Paulo, 16/10/05
‘O grão-tucano Aécio Neves, governador de Minas Gerais, diz que o presidente eleito do PT, Ricardo Berzoini, confunde a opinião pública quando pede a investigação das malfeitorias financeiras cometidas nas campanhas do PSDB. Nas suas palavras, praticam ‘um grande equívoco aqueles que no PT ainda acham que misturando as coisas, ou incriminando outros, se absolvem’.
Na origem dessa controvérsia está a presença do caixa da campanha do senador Eduardo Azevedo, presidente da nação tucana, numa das pontas do valerioduto que engordava petistas.
Sabe-se que a bomba de Roberto Jefferson explodiu numa disputa por uma diretoria de Furnas. Nela estava, havia 12 anos, o doutor Dimas Toledo. Tinha, entre outros, o apoio de parlamentares do tope de Jefferson, Severino Cavalcanti e José Janene. Numa história pouco investigada, Furnas teria repassado alguns milhões de reais às caixas delúbias. Acreditando-se que isso seja verdade, seria difícil crer que essa linha de transmissão tenha sido inaugurada pelos petistas. Em 12 anos, Toledo serviu também aos governos Itamar Franco e FFHH.
O PSDB adota uma conduta histérica toda vez que se fala na caixa mineira. Ao contrário do que diz Aécio Neves, é ótimo que se misturem as coisas. Na verdade, é necessário que a caixa petista não seja isolada das demais. Do contrário, se estabelece que o objetivo das investigações é apenas provar que o PT é igual aos outros. Daí em diante, sendo os petistas iguais aos tucanos e aos pefelês, considera-se zerada a questão, como se os grande partidos, sendo todos iguais, tivessem carta de corso sobre o dinheiro da Viúva.
O argumento segundo o qual os petistas se enganam quando pensam que ‘incriminando outros, se absolvem’ é apenas uma variante bem-educada do velho ‘bom cabrito não berra’.
A prepotência petista impediu os companheiros de começar a faxina de suas cavalariças em 2003, quando Waldomiro Diniz foi apanhado com a mão na sacola. Achava-se que o poder era tanto que tudo era permitido. Hoje, os tucanos se julgam tão fortes a ponto de supor que lhes é permitido fazer de conta que nunca bicaram as arcas valerianas.’
O Globo
‘Percorrendo Roma longe da imprensa’, copyright O Globo, 17/10/05
‘Bem longe da crise política que afeta parlamentares do seu partido, o PT, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a primeira-dama Marisa Letícia saíram escondidos ontem pela manhã da luxuosa embaixada do Brasil, localizada na Piazza Navona, um dos cartões postais de Roma, para um passeio longe também da imprensa. Para tentar despistar os jornalistas de plantão, Lula deixou o Palazzo Pamphili pela porta dos fundos. A ação dos seguranças nas estreitas ruas que cercavam a embaixada impediu que a imprensa acompanhasse o passeio de Lula e dona Marisa, que saíram numa van com os vidros totalmente escuros, para impedir a identificação.
Para não informarem o destino do passeio turístico, assessores do presidente Lula alegaram ser ‘uma agenda privada’. Segundo eles, Lula queria mostrar alguns pontos de Roma à primeira-dama. Os relatos sobre o roteiro do casal foram desencontrados. Enquanto o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), dizia que o presidente havia visitado a Basílica de São Paulo, que fica fora dos limites do centro histórico da cidade, o porta-voz André Singer informava que Lula visitara a Basílica de São Pedro, no Vaticano.
Lula teria conversado com turistas na cidade
Lula e dona Marisa andaram de carro por vários outros cartões postais, segundo as informações: Castelo Sant’Angelo, Coliseu, Pantheon e a Colina de Gianicolo, de onde se tem uma vista privilegiada da cidade.
Assessores disseram que Lula apenas ‘deu uma volta de carro’. Já o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), disse que o presidente parou para tomar um café no ‘Sant Eustachio’, que vende grãos especiais de vários países, inclusive do Brasil. Segundo o governador, Lula teria até conversado e cumprimentado turistas no local.
– Hoje, sou um peregrino – comentou Lula com o governador petista, comemorando o fato de estar andando por Roma.
Mais tarde, Lula e dona Marisa apareceram na janela do quarto na embaixada, que fica nos fundos. Lula olhava distraidamente o movimento dos carros. Perguntada pelos fotógrafos se havia saído, dona Marisa disse que sim, mas que não tinha visitado os monumentos.’