Abaixo, selecionei algumas críticas representativas que foram feitas acerca do filme Homem de Ferro. A única coisa comum a todas elas é a seguinte: todas funcionam como peças de propaganda da obra.
Não é preciso ser muito perspicaz para perceber que os textos selecionados têm algo em comum – o fato de serem peças de propaganda da obra. Penso que há uma diferença entre crítica de cinema e publicidade. Segundo André Bazin, a função do crítico é:
‘Atuar como mediador entre a obra cinematográfica e o espectador comum, oferecendo um modelo de leitura da primeira e sublinhando os eventuais valores poéticos nela presentes. Refiro-me aos críticos que atuam em jornais e revistas ou que escrevem em suplementos culturais cujo público-alvo não se restringe ao meio acadêmico. A função daqueles que escrevem sobre cinema é ajudar – e não complicar – o leitor a percorrer o itinerário do filme com um mínimo de conhecimento lingüístico – de modo a permitir que se reconheça, durante o trajeto, aquilo que é importante e o que não o é. Uma função, portanto, que, mesmo antes de se reportar à apreciação estética da obra considerada no seu conjunto, incide sobre a sua sucessiva racionalização, quer dizer, a tradução em termos lógico-discursivos do sentido poético que ela exprime através dos procedimentos de significação que lhe são próprios’ (http://www.coisadecinema.com.br/matArtigos.asp?mat=1733).
Tendo em conta as palavras de Bazin, procurarei fazer aquilo que os críticos não fizeram.
Opção anti-ética
Homem de Ferro parece um panfleto contra o militarismo e o comércio de armas, mas funciona exatamente como seu oposto. Neste, como em muitos outros filmes, os militares norte-americanos são apresentados como profissionais sérios, comprometidos unicamente com os direitos humanos e a democracia. Estão no Afeganistão não por razões imperiais, mas para combater terroristas ferozes que querem dominar a Ásia.
O herói é um fabricante de armas bem-sucedido que acaba nas mãos de terroristas. Quando descobre que os produtos de sua empresa estão sendo utilizados pelos bandidos, com a ajuda de um colega de cativeiro, percebe que tem a obrigação de fazer algo. Tony Stark engana os terroristas, fabrica uma armadura, foge e quando chega em casa aperfeiçoa sua nova invenção. Após avisar a imprensa que pretende parar de fabricar armas, usa sua nova armadura para ir novamente ao Afeganistão e destruir os produtos que, sem saber, fabricou para os terroristas.
Mas a ética do herói é distorcida. Em nenhum momento o ‘homem de ferro’ cogita dar o mesmo tratamento às armas que construiu e vendeu para o exército dos EUA e que permitiram a ocupação imperial do Afeganistão.
A ética é um ramo da filosofia que trata dos valores, que podem ser considerados individualmente, socialmente e hierarquicamente. Uma das características da ética é sua superioridade em relação à moral. As distinções morais não têm lugar nas cogitações éticas. Assim, a conduta do personagem Tony Stark, que escolhe destruir as armas em posse dos terroristas e não as que estão com os militares norte-americanos, pode até ser considerada moral (tendo em conta uma moralidade norte-americana), mas sem dúvida é anti-ética. Ao considerar a fabricação, venda e posse de armas um mal, para ser ético o herói deveria se empenhar na destruição de todas as armas (independentemente de quem as tivesse).
Mensagem do império
Outra coisa singular no filme é a silenciosa linguagem do império que está presente no seu roteiro. Na dinâmica cinematográfica de Homem de Ferro não existe espaço para coisas como ‘autodeterminação afegã’ ou ‘respeito à soberania daquele outro país’. O direito dos EUA de entrar e permanecer no Afeganistão não é questionado. O Afeganistão é apenas um palco para as ações militares e heróicas norte-americanas.
A cada lançamento fica mais evidente que a indústria cinematográfica norte-americana pode ser considerada, também, uma eloqüente mensageira do império. É notável como os filmes estão se transformando em peças de propaganda da predominância e da proeminência militar dos EUA. Homem de Ferro não foge a esta regra.
Agora cedo a palavra aos críticos/publicitários cinematográficos.
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Advogado, Osasco, SP