Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Na Bolívia, imprensa só dá espaço a separatistas

A Bolívia está passando por um momento difícil. A direita, com o apoio da embaixada dos Estados Unidos, está mobilizada e joga com a divisão do país. Neste próximo domingo, 4 de maio, está promovendo um plebiscito ilegal em Santa Cruz de la Sierra para decidir pela autonomia da chamada Meia Lua, região do país onde empresários e setores que sempre estiveram vinculados ao retrocesso e à exploração do povo não aceitam o governo de Evo Morales. Estes grupos, que controlam os meios de comunicação em sua quase totalidade, não escondem o racismo que cultivam com demonstrações de ódio aos indígenas, a maioria da população boliviana (mais de 60%).

Quanto à mídia, o panorama é dos mais negativos. Os meios de comunicação conservadores, os mesmos que defendem a liberdade de imprensa na Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), entraram de sola na campanha em favor do separatismo. Predomina o velho e surrado esquema do pensamento único, ou seja, todo o espaço a quem está do lado da direita e nada para quem combate a ilegalidade do separatismo.

Em Santa Cruz, segundo relato do jornalista boliviano Grover Cardozo, rádios, canais de televisão e jornais estabeleceram um canal direto com o chamado Comitê Cívico Pró-Santa Cruz e a prefeitura, enquanto os espaços alternativos deixaram de lado o medo e tomam as ruas e as praças para protestar contra o samba de uma nota só dos veículos tradicionais.

Fato consumado

É esta a democracia que os defensores do separatismo apregoam. Ou seja, uma democracia que só dá vez e voz aos que pensam em se separar da Bolívia. Um dos maiores aliados é a embaixada estadunidense, cujo titular é nada mais nada menos que Philip Goldberg. Este representante do governo de George W. Bush aparentemente pode nada significar. Mas se for mais analisado, verifica-se que de ingênuo não tem nada, muito pelo contrário. Este senhor desempenhou a mesma função de embaixador estadunidense nos anos 90, quando da divisão da Iugoslávia. Teve atuação intensa, estimulando a ação dos grupos separatistas. A Iugoslávia acabou se pulverizando em vários países. A nomeação de Goldberg para a Bolívia no ano passado não foi por acaso. Veio cumprir uma missão.

O plebiscito convocado para este domingo não foi reconhecido pela Justiça, tampouco pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Não terá, portanto, qualquer valor legal. Soma-se a isso o tipo de cobertura midiática que a mídia tradicional está realizando e pode-se ter uma idéia do verdadeiro objetivo da convocação. Isto é, os separatistas, com apoios internacionais óbvios, querem criar um fato consumado que poderá levar a Bolívia a uma situação de extrema gravidade. Esta gente não prega prego sem estopa.

Passada a limpo

Tudo que está sendo feito é calculado com antecedência, milímetro por milímetro. Pior, os meios de comunicação conservadores empenhados na campanha ainda se autodenominam democratas. Estes ‘democratas’ já apoiaram os vários ditadores que assolaram a Bolívia nos anos da Guerra Fria e, quando do período democrático, ficavam do lado do então presidente Gonzalo Sánchez de Losada, apologista do modelo neoliberal, repudiado pela ampla maioria do povo boliviano, e que hoje vive nos Estados Unidos. A extradição deste senhor, que fala espanhol com sotaque estadunidense já foi pedida pela Justiça boliviana, mas dificilmente os Estados Unidos a concederão. Sánchez de Losada, por sinal, ainda deve ser julgado pelas acusações que pesam sobre ele, inclusive pela morte de bolivianos em protestos contra o seu governo e outros desrespeitos aos direitos humanos.

Os separatistas, golpistas por natureza, querem voltar ao poder, exatamente para colocar em prática uma política de favorecimento a uma minoria de privilegiados, os mesmos que hoje não aceitam Evo Morales como presidente da República. Não se conformam com o fato de a Bolívia estar sendo passada a limpo depois de tantos anos de exploração do povo.

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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ