Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Fatos & fotos: absolvição anunciada

Um dos fatores que podem ter influenciado algumas das abstenções no julgamento de Renan Calheiros no Senado decorreu da imperícia da Editora Abril – uma empresa jornalística que não soube avaliar os dados psicológicos em jogo e colocou os interesses comerciais apressadamente em primeiro plano. Algumas das abstenções e votos contra que absolveram Calheiros talvez tenham vindo de homens (simpatizantes de causas evangélicas, por exemplo) que não acreditavam em sua inocência mas também não o queriam condenado graças a uma mulher de credibilidade duvidosa.

Eis minhas hipóteses, já relatada em artigo neste Observatório (‘Em busca da credibilidade perdida’, parte 1 e parte 2): a revista que primeiro veiculou o escândalo no afã de resgatar o prestígio de outrora, decapitando o Legislativo nacional, empenhou-se bravamente na tarefa – numa cobertura parcial que não deu chance de defesa ao senador e permitiu que ele, no fim das contas, posasse de vítima de complô da mídia, bem à moda do poder.

Mas foi sabotada pela própria empresa: a Playboy, revista masculina do mesmo grupo editorial, fez fotos sensuais da ex-amante do senador e, embora tenha evitado publicá-las antes da votação em plenário, não pôde impedir que vazassem (a Bandeirantes as divulgou em seu telejornal), o que pode ter colaborado com as abstenções: para moralistas, um trabalho desse tipo desqualifica não só a denunciante como também a denúncia.

Novo epíteto

Foi no mínimo imprudente a Abril ter produzido as fotos, porque nos dias de hoje é impossível evitar que cheguem a um celular, à internet e, afinal, à grande mídia. Bastaria ter negociado com Mônica Veloso para que esperasse um momento mais adequado à exibição do que o senador perdeu quando a preteriu em favor da mãe de seus filhos.

Mas a editora, de olho no aproveitamento comercial do momento político, não quis perder tempo. Agora os redatores da Playboy devem estar quebrando a cabeça para arranjar um novo epíteto para a moça, já que ‘musa da cassação’ foi para o espaço.

******

Jornalista, integrante da Renoi, Rede Nacional de Observatórios da Imprensa