Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Entre os ecorrevolucionários e os ecorreformistas

Há uma batalha surda sendo travada diante dos nossos olhos. Trata-se de uma disputa sobre o significado de uma palavra que tem ocupado lugar central nas preocupações mundiais e, principalmente, nas sociedades industrializadas: sustentabilidade. E a mídia não está isenta deste debate.

Na prática, a sustentabilidade pode ser afirmada e exercida de muitas maneiras distintas e até contraditórias. Atualmente, podemos distinguir duas interpretações fundamentais sobre o significado social do termo: a primeira, dominante nos meios empresariais, defende a idéia de que são necessárias mudanças na forma de gerir as empresas e no comportamento dos indivíduos para permitir a continuidade da reprodução da sociedade de consumo. Este é o ponto de vista que classifico como ‘ecorreformista’.

A segunda interpretação, oriunda de pequenos grupos de ativistas, em sua maioria (mas não somente), engajados com a chamada questão ambiental, reivindica mudanças na sociedade de consumo para garantir a continuidade da espécie humana. Para recuperar uma dicotomia clássica da política, chamo a esse grupo de ‘ecorrevolucionários’.

Os dois lados

A batalha em torno dos significados da sustentabilidade é, portanto, muito mais do que simples discussão semântica ou preciosismo conceitual acadêmico. Ela sintetiza duas formas de encarar o cenário atual, marcado pelas ameaças resultantes do aquecimento global. O resultado desse embate irá criar, no longo prazo, as bases de um imaginário social que servirá como sustentação para a criação de normas, instituições e estilos de vida em um mundo que se prepara para conviver com situações climáticas extremas. O conceito de sustentabilidade é, portanto, uma questão política, na medida em que pode definir critérios e formas de distribuição social dos impactos negativos da atividade humana.

A imprensa, evidentemente, desempenha um papel crucial na constituição desse imaginário. Na verdade, a necessidade de equilibrar a formação de uma opinião pública sobre temas de interesse geral é característica inerente aos meios de comunicação em regimes democráticos e, se a questão da sustentabilidade assume dimensão política, a imprensa teria, no mínimo, o dever de ‘ouvir os dois lados’. O que se percebe, porém, é que, por despreparo ou partidarismo, o noticiário tende a difundir e legitimar quase exclusivamente o ponto de vista ecorreformista.

Estratégia reducionista

Os meios de comunicação realizam uma estratégia reducionista para reforçar o sentido ecorreformista da idéia de sustentabilidade. Eles divulgam e valoram positivamente as ações parciais de empresas e setores que atraem para si o adjetivo sustentável, sem atentar para a dimensão propriamente sistêmica da produção. Se fosse levada em consideração toda a cadeia produtiva, da extração de matéria-prima à responsabilidade pelo destino dado às mercadorias quando se transformam em lixo, nos âmbitos social, econômico e ambiental, o caráter pouco sustentável das atividades atuais apareceria inevitavelmente.

O que a imprensa mostra e legitima são fragmentos de ações: tal indústria petroquímica financia projetos em comunidades de pescadores, tal construtora mantém um instituto para ações sociais, tal metalúrgica implantou um sistema de tratamento de água. O derramamento de petróleo no mar, a montanha de lixo produzida pela construção civil e as demissões em massa nas quais essas mesmas empresas estão envolvidas são outras notícias e aparecem desconectadas dos problemas de sustentabilidade.

Parte desse mosaico de imagens e informações desarticuladas que constitui o noticiário deve-se, sem dúvida, às características do próprio jornalismo. Não se pode pleitear que cada matéria realizada examine em profundidade todos os ângulos de uma notícia, criando, como o mapa em tamanho real do conto de Jorge Luis Borges, um retrato fiel e multidimensional do mundo. Isso não exime, porém, a imprensa de sua tarefa democrática de buscar o contraditório ou, pelo menos, atentar para as contradições em discursos claramente publicitários.

Se a reportagem, como célula primária do jornalismo, não pode se abrir a todas as possibilidades de interpretação política dos fatos, o noticiário, como conjunto de reportagens, deveria preencher essa lacuna, dando voz a fontes ecorrevolucionárias com semelhante amplitude que dá a ecorreformistas. É hora de se buscar um engajamento efetivo das empresas de comunicação no enfrentamento dos dilemas socioambientais que se apresentam. Trata-se, em última instância, de uma questão de interesse das próprias empresas jornalísticas: evitar a extinção de leitores(as), telespectadores(as) e ouvintes.

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Mestre em Comunicação e Semiótica, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie