Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Assessor ou torcedor?

Está lá nos livros de história da comunicação: um sujeito chamado Ivy Lee, considerado um dos pioneiros da assessoria de imprensa – ou das relações públicas, para ser mais preciso – foi acusado no século passado de fazer contrato com um grupo empresarial para melhorar a imagem de Hitler na sociedade americana.

Mesmo com esse possível apoio, pelo que consta nos livros de História, Adolph Hitler não tinha assessor de Imprensa. Se tinha, não ficou famoso. Joseph Goebbels não era jornalista e nem assessor de imprensa. Era marqueteiro. Ou melhor, ministro da Propaganda. Os livros de História, pelo que eu me lembro, também não falam dos assessores de imprensa de Joseph Stalin, de Benito Mussolini ou mesmo de Idi Amin Dada. Poucas pessoas devem saber de cabeça o nome do assessor de imprensa de George W. Bush. Ou de Eurico Miranda.

A pergunta é: alguém aceitaria ser assessor de imprensa de um desses personagens? E, caso seduzido por um alto salário, seria mesmo assessor pura e simplesmente ou um torcedor?

Antes que algum aventureiro lance mão, não se trata de comparar métodos e atitudes das personalidades citadas. A questão é: assessor de imprensa deve ser torcedor do assessorado?

Em férias

Nos anos 1980, como repórter de O Globo, vivenciei uma situação dessas no Rio de Janeiro. Muitos dos profissionais que trabalhavam com o então governador Leonel Brizola eram acusados de serem mais do que assessores do fundador do PDT. Eles seriam fãs e torcedores. A própria imprensa registrou diversos casos de desentendimentos entre repórteres e assessores por causa da figura de Brizola. Quem foi repórter na época lembra bem.

Embora tenha sido uma figura polêmica, é difícil não reconhecer um certo carisma e simpatia na figura pública do ex-governador do Rio de Janeiro (duas vezes) e do Rio Grande do Sul. Eu mesmo, como simples repórter, tinha simpatia pessoal (jamais política) por ele, embora tenha criticado muito o seu governo em muitas coberturas jornalísticas. Em razão disso, até ouvi um comentário atribuído a Brizola. ‘Mas ele não votou em mim? Por que mete tanto o pau no meu governo?’. Autoridades públicas não entendem certas coisas.

Alguns anos mais tarde, já afastado das redações, fui convidado pelo meu colega Fernando Brito para trabalhar na assessoria do governador, em seu segundo governo. Não aceitei. Sabia o que me esperava. Há pessoas e instituições que são difíceis de assessorar. E posso falar de cadeira, pois trabalhei na Cia. Souza Cruz, que fabrica um produto acusado de causar câncer. Fui ainda assessor da presidência da Legião Brasileira de Assistência (LBA), gestão Marcos Villaça. Nunca vou esquecer que, quando assumi o cargo, liguei para o então chefe da sucursal da Folha de S.Paulo, no Rio, meu amigo Marcelo Beraba, hoje ombudsman do jornal, para comunicar minha nova função. Beraba me disse textualmente: ‘LBA, na Folha, só se for escândalo’.

Depois de enviar um release para a redação da Folha endereçado ao meu amigo, meses depois consegui publicar uma matéria de interesse público sobre a LBA. Liguei para o Beraba para agradecer. Surpreso, ele me respondeu: ‘Não dei força nenhuma. Estava de férias’.

A velha história

Entendo que os profissionais de assessoria de imprensa devam ser dedicados aos seus assessorados e/ou instituições. Torcedores, jamais. Existem assessorados e instituições difíceis de segurar.

Recentemente assisti, numa palestra, a um caso que também pode ilustrar meu questionamento: o assessor de imprensa de um político polêmico tentando defender seu assessorado para uma platéia majoritariamente hostil. Tentava provar por A mais B que seu assessorado é vítima de uma campanha preconceituosa por parte da imprensa.

Sobrou para mim. Ex-colega de redação, não gostou de uma pergunta que lhe fiz. Disse que eu tinha sido provocador. É aquela velha história do que é bom para o governo, a gente divulga, o que é ruim, a gente esconde. Mas acho mesmo que a frase que melhor se enquadra em tudo o que escrevi aqui é: passarinho que come pedra, sabe o fiofó que tem.

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Jornalista e professor da Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha, Rio de Janeiro)