Volta e meia, lê-se nas colunas de jornalistas formadores de opinião uma proposição no sentido de desqualificar o Observatório da Imprensa como veículo do PT ou ponta-de-lança das ditaduras populistas instauradas na América Latina. Falo em desqualificação porque, como se sabe, insinuar que um órgão da mídia seja vinculado a tal ou qual agremiação partidária implica marcar o que quer que nele esteja posto como marcado pelos compromissos com tal agremiação. Nos tempos que ora correm, em que os ecos da Guerra Fria, não obstante tenha esta acabado, parecem aflorar aqui e ali, tal proposição precisa ser confrontada com os fatos, para se verificar se ela se sustenta.
A bem da verdade, este texto deveria ser enviado para a Veja ou para o Mídia sem Máscara. Contudo, como ambos atacam de dentro de seus redutos, provavelmente, torna-se legítima a resposta de dentro do Observatório.
Sou um dos articulistas bissextos do Observatório. Muitas vezes, simplesmente comento os artigos dos demais. Tenho assinatura da Veja. Não sou petista. Não sou simpatizante do PT. Não sou simpatizante do socialismo, do comunismo ou cousa que o valha. Remeto, com relação ao tema, para quem desejar discutir com seriedade o meu pensamento, aos meus livros Direito Econômico, direitos humanos e segurança coletiva, Porto Alegre, ed. Núria Fabris, 2007, p. 189 e 337-339; Liberdade de informação, direito à informação verdadeira e poder econômico, São Paulo, ed. Memória Jurídica, 2007, p. 70-76; Interpretação jurídica e estereótipos, Porto Alegre, ed. Sérgio Antônio Fabris, 2003, p. 47-49; Direito Econômico e reforma do Estado – 1 – a experiência européia de Constituição Econômica socialista: bases para a crítica, Porto Alegre, ed. Sérgio Antônio Fabris, 1994, p.55-56.
Críticos do governo
Mas isto não quer dizer, necessariamente, que deva assumir um compromisso com a interdição de espaços a que se manifestem os que sejam simpatizantes de tal partido ou de tal posição ideológica, sob pena de tratar como se não existisse o inciso VIII do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, cuja inspiração está no caso Shelley v. Carr, julgado pela Suprema Corte norte-americana, no qual, embora se tenha tratado de discriminação por motivos de raça, apontou para outros fatores não-razoáveis de discriminação, dentre os quais as crenças e convicções políticas e filosóficas. Aliás, até me surpreende quando vejo que quem não tem o seu espaço sonegado, nem corre o risco de o ter, já sai dizendo que não se pode discriminar quem tem o espaço garantido, quando, na realidade, o seu temor é que seja garantido espaço também a pessoas das quais não gosta ou que esposem posturas diversas, deixando de tratar a manifestação de pensamento como um espaço comum para convertê-la em espaço exclusivo.
Mas o exemplo próprio é sempre frágil, porque se poderia dizer que se trata de uma espécie de mascaramento ou, então, que eu estaria a bancar o ‘inocente útil’, expressão muito usual até há bem pouco tempo. Alberto Dines [ver aqui e aqui, por exemplo], Luiz Weis e Rolf Kuntz [ver aqui, por exemplo], só para ficar com os articulistas permanentes, têm sido extremamente críticos para com o atual governo federal. Entre os articulistas bissextos do Observatório, há, inclusive, um antipetista e anticomunista figadal, Paulo Bento Bandarra [ver aqui, por exemplo], que elegeu como principais focos para combater o sistema de saúde cubano o PT e a homeopatia.
Vozes não uníssonas
O problema do sectarismo enquanto vício de raciocínio foi colocado em termos bem elevados num texto muito atacado do professor Ivo Lucchesi [ver aqui] –, do qual, por sinal, gostei muito, principalmente porque para os colocadores de rótulos, criou algumas situações muito difíceis e, com isto, somente lhes restou atacar por ‘mal escrito’ ou ‘confuso’ (em verdade, nem uma coisa nem outra, mas apenas um texto que não se dirigia ao caminho fácil do emocional, mas ao caminho sereno, embora árduo, da razão) – e, apesar dos ataques sofridos, ele fez a opção certa, no que se refere a evitar que um tema que mereceria maiores reflexões desapaixonadas ficasse marcado pelos debates sectários, em que fossem discutidas aplicações da doutrina, sem saber que, com isto, a doutrina, em si mesma, continua intacta (do contrário, o cristianismo teria sido maculado pelos massacres verificados na América, e mesmo a atuação da Ku-Klux-Klan não fica muito atrás de ataques de homens-bomba no Oriente Médio ou das Brigadas Vermelhas, na Itália): Luciano Martins Costa [ver aqui] apresentou um texto no qual havia um exemplo concreto de como a ausência de uma crítica ao capitalismo, ainda que interna, poderia comprometer-lhe a sustentabilidade, e provocou a ira de muitos que confundem crítica ao capitalismo com subserviência a Cuba, Chávez e quejandos, ou apologia de atrocidades por estes últimos cometidas.
O procurador da República Ângelo Costa [ver aqui], também articulista bissexto, reclamou da reação de leitores a artigo que publicara sobre o acidente da TAM, no qual elogiara a mídia e fustigara o governo federal. Noenio Spindola [ver aqui], articulista bissexto, publicou neste espaço artigo contrário a ‘marxistas e fabianos’. Mas o que é tudo isto, senão o próprio desmentido dos fatos à proposição genérica de que se trataria de um veículo petista? A menos que, como tal, se queira caracterizar o veículo que não interdita mensagens que não sejam anti-PT. Mas aí estamos em outro campo: não é o de permitir a veiculação de mensagens anti-PT, mas sim, o de procurar interditar a manifestação de pensamento a quem não pense como o responsável pelo órgão de imprensa. A doutrina da Suprema Corte norte-americana, neste caso, não valeria: os que se alinham automaticamente com os EUA não aceitam uma orientação que provém de lá e é, sim, um dos elementos caracterizadores da democracia.
Aí, dir-se-ia: mas a imprensa abre espaço para o pronunciamento de figuras ilustres do PT, ou simpatizantes, ou comunistas etc. Com toda a certeza: mas é exatamente com a identificação prévia que o contra-veneno já está dado. Nada do que a pessoa diga, tendo em vista a filtragem do rótulo, será tomado em consideração, justamente porque ou será, por presunção absoluta, ou mentira, ou tolice ou apologia de fato criminoso.
Neste espaço, pelo menos, é possível ouvirem-se vozes que não cantam em uníssono, nem se coloca a filtragem do rótulo a que se referiu o professor Lucchesi em seu artigo para o efeito de imunizar o leitor contra o texto escrito. As reações do leitor são determinadas – corretamente ou não – pelo texto em si, e não pelo fato de um rótulo lhe haver sido aposto.
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Advogado, Porto Alegre, RS