Outro dia, liguei a televisão no período da tarde para dar uma zapeada pelos canais. Muito me entristeceu, como estudante de Jornalismo, constatar que os programas exibidos pela TV aberta primavam por uma forma de entretenimento que chega a ser chula, que sequer prezam por um mínimo de qualidade. A Rede Globo, como nos últimos anos, mantém-se fiel à fórmula de vangloriar suas produções e seus olimpianos, com o Vídeo Show, reprisar novelas, Vale a pena ver de novo, e exibir filmes antigos (aqueles feitos para criancinhas), Sessão da Tarde. Já as outras emissoras, caíram numa padronização total. Todas; sem exceção, Band, RedeTV, Record, SBT, tinham como pilar de suas transmissões vespertinas programas de fofocas, que discutiam o enfadonho mundo das celebridades. Seja quem estivesse no comando, Sônia Abrão, Leão Lobo, Adriane Galisteu, o conteúdo não passava disso, como se saber o final da novela das oito ou as investidas de Reinaldo Gianecchini fossem o melhor instrumento para a formação crítica dos telespectadores.
Mas, deixando essa contradição da industrial cultural um pouco de lado, o que me achou realmente a atenção foi a nova tacada, colocada em prática em alguns desses programas, para ‘arrancar’ dinheiro do telespectador via telefone ou mensagens de celular. Refiro-me a um quadro chamado de ‘leilão ao contrário’. Nele, produtos como computadores, aparelhos eletrodomésticos ou até carros e motos, são leiloados através de um processo inverso. O telespectador que der o menor lance único leva a mercadoria pelo preço que ofereceu. Só para exemplificar: se um fogão é colocado em leilão e eu dou o lance de R$ 20,15 e o meu valor for o menor e único dentre todos os outros, levo o fogão pela bagatela que ofereci.
Pontos absurdos
Até aí, tudo bem: uma maneira, digamos, apelativa, de se atrair a audiência. O problema é que o custo da ligação ou das mensagens é muito alto, variando entre R$ 3,00, R$ 4,00, ou mais (fora os impostos), dependendo do estado de origem da chamada ou envio. Além disso, as chances de se acertar os valores são muito difíceis, já que se trabalha com centavos. A grande força do quadro está na tentação que desperta, pois as pessoas acreditam que podem comprar uma moto, por exemplo, ao preço de um centavo.
O programa A Tarde é Sua, da RedeTV, ancorado por Sônia Abrão, centra no ‘leilão ao contrário’ a sua principal atração. E a emissora não pára por aí. O Pânico na TV, aproveitando os bons índices de audiência conquistados aos domingos, colocou em leilão um automóvel de luxo, uma Mercedes C200. Enquanto personagens como Mendigo, Bola etc. ficam paparicando, exaltando o carro, pessoas desembolsam cerca de R$ 5,00 por ligação ou mensagem. Vale lembrar que o número a ser discado começa com aquele tão famoso prefixo: o 0900. Procurei saber quais empresas estão por trás dessa prática para conseguir mais informações. Encontrei duas: o grupo Tele TV e a CellCast Brasil. Ao ler os regulamentos do processo, deparei com pontos absurdos nos sites das promoções.
Crimes dos tele-sorteios
O primeiro deles encontrado na página do leilão da Mercedes, da Tele TV: ‘Cada participante poderá participar quantas vezes quiser, até atingir o limite de ¼ (um quarto) do valor do salário mínimo vigente à época dos lances, por mês e por modalidade de participação…’ Seguindo a mesma linha, a CellCast explicita: ‘Para segurança do usuário e proprietário de linha de telefone, nosso sistema aceitará automaticamente até 100 (cem) ofertas por mês, através do Portal de Voz, provenientes de um mesmo número de telefone de origem, seja fixo ou móvel, contados do primeiro ao último dia de cada mês (…). Quanto à participação através de mensagens de texto SMS, o limite será de 100 (cem) mensagens enviadas por mês.’ Quer dizer, ao se gastar ¼ do salário mínimo ou, no outro caso, cerca de R$ 500,00, o sistema trava. Nada mal para as empresas! Mesmo que algumas operadoras tenham restrição quanto ao uso 0900, nada impede de alguém que não seja o dono da linha, ou uma criança, faça a ligações ou mande mensagens.
Esse tipo de quadro me causa grande desconfiança desde que banalização e os crimes cometidos no ápice dos tele-sorteios vieram à tona. Deixo bem claro que não faço aqui qualquer tipo de denúncia, já que aparentemente os processos são legais! Mas gostaria muito se Elvira Lobato se interessasse novamente por uma boa matéria investigativa.
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Estudante do último período de Jornalismo da Universidade Fumec, Belo Horizonte, MG