Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sensacionalmente correto

Fait divers. Um nome interessante, incomum e com um importante significado no jornalismo popular. Esse termo francês indica os fatos que envolvem escândalos, curiosidades e fenômenos bizarros encontrados nos jornais. E, por isso, é caracterizado como sinônimo de imprensa popular e sensacionalista. É por meio desse recurso que muitos meios de comunicação conseguem atrair a atenção e promover a diversão dos leitores.

Acontece exatamente como Robert K. Merton e Paul F. Lazarsfeld explicam no livro Teoria da Comunicação em Massa. Eles falam que as grandes platéias dos meios de comunicação de massa, embora alfabetizadas, não são culturalmente refinadas. É aí que surge a imprensa popular, que tenta atingir o público que não acompanha a mídia tradicional.

Você deve estar se perguntando como isso acontece. É simples. Basta observar as capas de alguns jornais populares do Brasil. Eles quase sempre dão preferência às matérias de entretenimento ou de violência. Ou aparecem fotos de mulheres seminuas ou manchetes de crimes bárbaros. Sem contar a diagramação das fotos e dos títulos das matérias, que é uma miscelânea de cores.

Essas são formas comuns e práticas de atingir esse público-alvo. Danilo Angrimani , em seu livro Espreme que sai sangue, afirma que o sensacionalismo usa o fait divers como carro-chefe nas manchetes de capa e assim, consegue toda a atenção dos leitores:

‘O fait divers, como informação auto-suficiente, traz em sua estrutura imanente uma carga suficiente de interesse humano, curiosidade, fantasia, impacto, raridade, humor, espetáculo, para causar uma tênue sensação de algo vivido no crime, no sexo e na morte. Conseqüentemente, provoca impressões, efeitos e imagens (que estão comprimidas nas formas de valorização gráfica, visual, espacial e discursiva do fato-sensação). A intenção de produzir o efeito de sensacionalismo no fait divers visa atrair o leitor pelo olhar na manchete que anuncia um acontecimento produzido, jornalística ou discursivamente, para ser consumido ou reconhecido como espetacular, perigoso, extravagante, insólito, por isso, atraente’.

Popular, mas irresponsável?

Preste atenção em alguns jornais populares. O Notícias Já , de Campinas (SP) e região, pode ser um exemplo. A disposição das matérias e das fotos na capa é feita de maneira equilibrada e organizada. Contudo, fotos de mulheres com roupas sensuais chamam a atenção na página, como aconteceu na edição de 12 de setembro. A manchete: ‘Gata faz manha pra tirar de novo a roupa para a Playboy ‘, com o nome da revista enfatizado em cor laranjado se destaca. Mas o antetítulo dessa manchete é pior: ‘Aceita, vai…’, como se incentivasse o público a implorar a exposição do corpo da modelo.

Ainda nesta edição, o título principal envolve o tema violência: ‘Aluno de medicina afunda o rosto de colega com tijolada’. Com uma manchete assim, o leitor se sente seduzido a acompanhar a matéria e saciar o seu mundo de fantasias e medos. Como afirma Edgar Morin, a exposição da violência promovida pelo jornalismo ao mesmo tempo incita e apazigúa um fundo de violência existente no ser humano, operando uma espécie de liberação dos pensamentos cotidianos, que antes estavam reprimidos.

Quer outro exemplo de jornal que extrapola no fato de chamar a atenção do leitor? O Popular, de Mogi Mirim (SP). Esse periódico não usa tanto a violência e a sensualidade para atrair o seu leitor. Mas emprega outro recurso comum para o jornalismo popular: a utilização de várias cores fortes e, às vezes, até exageradas. O palavreado é mais simples e com expressões regionalistas, dando-lhe um caráter mais popular. Sem contar o uso de muitas fotos e pouco texto.

SP Destak é outro periódico popular de São Paulo. Esse, porém, tem um diferencial: a sua distribuição é gratuita e a sua diagramação se parece com a dos jornais tradicionais. É direcionado para a classe mais baixa, porém, tem uma linguagem um pouco mais rebuscada do que o comum. Quase não parece ser um jornal popular. Mas isso não é ruim, não. Pelo menos, os leitores poderão ter um vocabulário mais extenso e diversificado.

Existem outros jornais populares que usam outros recursos chamativos sem apelar para conceitos violentos e sensuais. O Diário Gaúcho, em Porto Alegre (RS), é um exemplo. Assim como o SP Destak , ele não expõe fotos apelativas. Tem uma diagramação equilibrada e organizada. A capa de 12 de setembro exemplifica essa disposição. E o emprego de diversas cores e palavras regionais é a forma que o periódico utiliza para ser aceito pela população local.

Esses e todos os demais jornais populares do País têm uma grande importância, pois atingem a população excluída da informação. Mas não é por isso que eles podem desempenhar essa tarefa de qualquer jeito. Os jornalistas têm a oportunidade de disseminar a cultura e estimular o intelecto da população. Cabe a cada um desses profissionais alcançar essas pessoas com informações de qualidade. Ter uma linguagem simples, porém sem ser ‘chula` e de baixo nível. Prender a atenção dos seus leitores de uma forma que não seja necessário expor corpos nus ou violentados. Quando isso acontecer, o jornalismo popular vai ter mais credibilidade para cumprir a sua principal função: colaborar com o crescimento intelectual das camadas mais baixas da sociedade. Vai continuar sendo sensacional, entretanto, da maneira mais correta.

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Aluno do Curso de Jornalismo do Centro Universitário Adventista