Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Conspiração do silêncio contra fato gritante

A grande mídia não deu uma linha na primeira página no dia seguinte às declarações do presidente Lula, na Espanha, advertindo o presidente dos Estados Unidos, G.W. Bush, de que não aceitará exportação da crise monetária-imobiliária para o Brasil.

O primeiro-ministro espanhol, José Luis Zapatero, apoiou incontinente. A foto dos dois, na primeira? Um europeu e um sul-americano no mesmo barco contra Tio Sam? Necas. Foi jogado para dentro do guarda-roupa da edição o fato espetacular cujas conseqüências tendem a se traduzir em tensões diplomáticas e posicionamentos políticos latino-americanos, caso haja aprofundamento das contradições econômicas nos Estados Unidos, onde os juros mais baixos, como arma para combater a recessão, podem provocar fuga do dólar para o euro. Não é isso que já começa acontecer relativamente a diversos países, no Oriente Médio, na Ásia e na América Latina, com destaque para a Venezuela?

Os governos neo-republicanos sempre se subordinaram à Casa Branca diante de tensões econômicas internacionais, desde a grande crise monetária dos anos de 1980, que criou o Consenso de Washington para estabelecer governos paralelos do FMI dentro de diversos países da América Latina, em nome dos interesses maiores dos credores nacionais e internacionais. FHC, por exemplo, foi salvo duas vezes (1997/98 e 2002) por Bill Clinton, presidente norte-americano que governou durante a era da exuberância econômica irracional, assim chamada pelo ex-presidente do Banco Central, Allan Greenspan.

Cheiro de povo

Lula desafinou o coro dos presidentes neo-republicanos. O que fez a mídia? Estatelou-se diante da notícia significativa. Como se tivesse prestando serviço aos seus patrões, convenientemente, guardou o assunto que, obrigatoriamente, pelo critério do bom senso jornalístico, teria de ser destaque. Preferiu, no dia, dar espaço para a prisão de Cacciola. O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e Folha de S. Paulo, os chamados quatro grandes, que fazem a cabeça dos pauteiros, esconderam Lula e o incômodo que causou às relações com os Estados Unidos. Ficam com medo de incomodar o sono de Tio Sam.

Será que vão proceder da mesma forma, quando o presidente brasileiro disser, nesta semana, em Nova York, ao presidente norte-americano aquilo que disse que vai dizer, para que Bush segure a onda da economia norte-americana, pois o Brasil não vai aceitar pagar prejuízos causados pelos especuladores? Quando o presidente Sarney falou grosso com os credores, foi um Deus nos acuda. Taxaram de calote o que foi um anti-calote, porque os juros, na Era Sarney, foram regiamente pagos.

A megalomania lulista de colocar-se na primeira pessoa do singular, para tratar as relações internacionais do Brasil com o mundo(‘Eu e a Índia’, como destacou Millôr, ‘Eu e meu amigo Bush’), teria despertado ojeriza tal nos editores que simplesmente se vingaram do fato, não o colocando em destaque, quando era absolutamente uma novidade?

Lula repetiu o que Tancredo dissera: que não iria pagar dívida com o suor do rosto do povo, mas a grande mídia, atuando como desodorante para afastar o cheiro desse povo, preferiu desconhecê-lo.

Palmas para o laxismo

Que pensariam os espanhóis da sua imprensa ela se comportasse como a brasileira na edição das primeiras páginas, logo após declarações bombásticas do chefe do poder espanhol em visita a outros países, onde busca ampliar os espaços da Espanha no mundo? Teriam, naturalmente, minimizado as palavras do representante do povo espanhol em nome de idiossincrasias racistas não confessadas?

Lula, graças ao seu posicionamento surpreendente, tenderia a influir poderosamente na América do Sul, já que as conseqüências da crise imobiliária-monetária norte-americana poderão afetar a todos, se houver um descarrilamento da locomotiva econômica de Tio Sam.

Por essas e outras, como mostra o livro A mídia nas eleições de 2006, de Venício A. de Lima, não há como não conjeturar que a grande mídia joga contra Lula. Assim foi nas eleições de 2006 – imperdível, o trabalho citado – e assim está sendo agora. Contra o presidente e a favor dos credores. Há anos a mídia prega Banco Central Independente para que não seja alvo dos que desejam sacar dinheiro público contra ineficiências empresariais.

Que fez a mídia, agora, quando o Banco Central norte-americano jogou o discurso da independência fora para salvar justamente os banqueiros encalacrados na crise imobiliária-monetária? Os que pregaram austeridade do BC, agora defendem o laxismo em relação ao mercado, para salvá-lo das imprudências que promove. E a mídia grande? Bateu palmas para o laxismo e deixou de evidenciar a crítica a esse laxismo feita pelo presidente brasileiro.

O caixa-doisinho da imprensa

A viagem ao exterior do presidente e a cobertura midiática apaixonada da tramitação da CPMF no Congresso mostra à exaustão a falsa preocupação midiática. Não deixa margem a maiores dúvidas que, ao tentar detonar a CPMF, a grande mídia, na prática, está querendo voltar ao tempo anterior à existência desse imposto, que, por ser prático, colocou em risco todas as ações corruptas geradas no interior do aparelho estatal, como as famosas práticas da elisão fiscal. Isto é, roubo legalizado.

A oposição, que agora entra no inferno astral do mensalão mineiro, o pai de todos os mensalões, organizados pelos tucanos das gerais no tempo do governador Azeredo, depois seguidos pelos bons alunos petistas, perdeu o discurso. Governistas e oposicionistas estão devidamente enlameados.

A CPMF precisa ser detonada pela grande mídia porque ela abre a caixa preta dos caixas dois da vida e garante a discussão de uma eventual Constituinte exclusiva para fazer a reforma política que os corruptos dos mensalões não deixam fazer.

Por acaso, a grande imprensa não faria também um caixa-doisinho de vez em quando, em forma de sub e superfaturamento, ou de maracutaias para transferir, via laranjas, ações para alterações de composições acionárias, capazes de permitir penetração do capital estrangeiro no sistema midiático, como, da mesma forma, impulsiona, com tais comportamentos, as evasões de divisas? Ou foi fanfarronice a denúncia da TV Bandeirante contra o Grupo Abril, alardeada, no plenário do Senado, pelo senador Renan Calheiros?

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Jornalista, Brasília, DF