O poder não gosta mesmo do Jornal Pessoal. Mais uma prova foi dada agora: nenhuma mensagem institucional sobre os 20 anos desta publicação foi enviada à redação. Em certo sentido, o silêncio é uma forma involuntária e não assumida de elogio. Auditar os poderosos é um dos principais objetivos deste jornal. Como não gostam de ser acompanhados e criticados, os poderosos reagem dando um gelo no fiscalizador importuno. Se dependesse deles, o JP já estava rifado.
Mas há uma péssima moral nessa atitude, ao menos para a moral pública: os temas incômodos devem ser ignorados; eles são propriedade e privilégio dos eleitos & escolhidos. Mesmo que interessem ao público, afetando diretamente seu presente e interferindo sobre suas possibilidades de futuro, esses assuntos devem ser imobilizados pelo silêncio. Quem teima em cobrar dos homens públicos o compromisso com os cidadãos, é estigmatizado como chato, inconveniente, tira-prazer. Assim agindo, os poderosos reforçam ainda mais o poder que já têm e reservam aos demais o papel que lhes é devido: de meros coadjuvantes, quando não são nada além de cenário, paisagem.
O silêncio diante de uma data que tem seu significado, principalmente para a efêmera imprensa alternativa e para o direito de informação, não dói nada pessoalmente, mas é parte de uma chaga social. Ainda mais numa região colonial como a nossa, a questão é aviltante: as pessoas são privadas de saber que a história está acontecendo e que nelas podiam ter participação, se soubessem o que sucede e como entrar no enredo.
Mesmo assim, a indiferença não desestimula nem enfraquece a crença no valor da boa informação para uma sociedade que, muitas vezes, se debate na escuridão. É menos danosa do que a agressão, a resposta irracional e violenta dos prejudicados ou atingidos pela crítica. Não é para agradá-los ou incensá-los que a imprensa se consolida como instituição vital nas democracias. Mesmo que continue a provocar críticas infundadas e injustas.
Gratidão e emoção
Um amigo me disse, na semana passada, que numa roda me foram feitas duas críticas frontais. Contestou a primeira: de que não critico a Companhia Vale do Rio Doce. O amigo apresentou seu próprio testemunho: vários anos atrás ele publicou artigo no qual eu atacava a empresa, por remeter para fora nossas riquezas e deixar aqui os buracos. Só quem não lê este jornal pode apresentar tal restrição.
Já quanto à segunda crítica, meu amigo se calou: que me considero dono da verdade. Essa não é uma crítica incomum, muito pelo contrário: é usual. A única coisa que peço a quem a faz ou diante dela se cala, como meu amigo (e da onça?) fez, é que leia com mais atenção o JP e, se não for pedir demasiado, também meus livros. Esta edição pode até servir de contraprova. Sem qualquer planejamento, ela se tornou interativa. Excetuada a especial, dos 20 anos, é a edição na qual mais o leitor falou. Não por tê-lo induzido, mas porque ele teve vontade de falar ao invés de calar-se, que parece ser a atitude comum dos nossos cidadãos, integrantes da maioria indesejavelmente silenciosa.
Eu não falo por impulso da eloqüência ou por capricho da vontade. Se fosse assim, já teria me destruído como profissional da informação, que atua no mercado há quase 42 anos. Não teria a credibilidade que, felizmente, consegui preservar nesta já longa caminhada. Antes de escrever, identifico as fontes de informação sobre o tema a abordar e procuro extrair delas o máximo possível. Checo mais uma vez antes de passar em frente meu texto.
Ao longo dos anos, esse processo me permitiu começar a ser, eu próprio, uma fonte geradora de informações, interpretações, análises, opiniões. É do meu dever – e também da minha natureza – partilhar o que sei com a sociedade. Se o que sei e publico não é a verdade, nem dela sequer se aproxima, os que quiserem contestar têm no jornal o espaço para se manifestar. E se me convencerem do que dizem, os seguirei. É assim que consigo aprender e evoluir. Não tenho vocação para estátua de sal, apesar de toda minha curiosidade. A polêmica é um dos veios mais férteis da minha formação. Lamento que as polêmicas se tenham empobrecido tanto, quando simplesmente não desaparecem. Mas não com a minha contribuição, ativa ou passiva.
Com suas tantas limitações, é uma bênção dos céus que o Jornal Pessoal ainda consiga merecer a aprovação de pessoas como os 57 integrantes da Temple Comunicação, a empresa formada por jornalistas, alguns dos quais foram meus alunos no curso de comunicação da UFPA. Ao chegar em casa deparei com um bolo confeitado, que reproduzia a capa deste jornal, com a primeira manchete que não lhe dei: ‘Jornal Pessoal é um dos mais lidos em toda a Amazônia’. Foi o melhor, mais inventivo e mais gostoso presente que o jornal já recebeu em toda a sua existência.
Sou imensamente grato ao carinhoso pessoal da Temple. Pela idéia do bolo e pela concepção que o tornou possível: surpreender-me e me deixar alegre, sem qualquer expectativa de reciprocidade que não seja a pessoal, delimitada pela gratidão e a emoção. Tanto que, junto com o bolo, vieram os quatro volumes do Estudo de Impacto Ambiental do Projeto Serra Leste, gentilmente enviados por Núbia Rodrigues Mapa, analista ambiental da CVRD.
Todos os dias
Como profissional, o único presente que almejo é a informação. Se uma pessoa, empresa ou governo acha que está fazendo certo, não tem por que esconder o que faz. Fornece a informação e espera a avaliação de quem vai usá-la. Se a análise está errada ou não agrada, deve contraditá-la. Se a contestação também não satisfizer, aí as partes debatem, polemizam ou se digladiam – civilizadamente – diante do público, a quem cabe o veredicto. Cada parte se respeita e desempenha o seu papel. Assim é melhor para todos. E é justamente esta a força da democracia: as partes não precisam se destruir para que uma delas prevaleça. Sempre há lugar para a divergência, a alternância, o diverso, a minoria.
Este é o bom combate do Jornal Pessoal: ele quer que as cartas estejam na mesa, disponíveis para todos, e vença o que estiver mais perto da verdade, ou a represente integralmente, ou tenha a melhor proposta, ou desenvolva o melhor argumento. Não o dono da bola, nem aquele que maneja o porrete. Quem não fala, não é interlocutor. Quem não se expõe ao debate não pode conduzir o negócio público, nem seu negócio particular é legítimo. Se quisermos a democracia, é assim que o jogo precisa ser jogado.
A meta deste jornal não é agradar os poderosos, nem ser seu par. É continuar a ser um teste da verdade a cada edição. Como a dos 20 anos, esta e todas as que virão, mesmo que sejam poucas, ou nenhuma. O bom combate não se apresenta com data previamente estabelecida: é aquele que se trava todos os dias. Assim tem sido e assim será.
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Editor do Jornal Pessoal, Belém (PA)