Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

As regras do jogo do machismo

Nem um grande feito, como conseguir a classificação para as semifinais da Copa do Mundo, garantiu destaque para as moças do futebol feminino na imprensa. Elas apareceram na primeira página dos jornais, em legenda de poucas linhas (O Estado de S.Paulo, segunda-feira, 24/9), logo abaixo da grande foto de capa que registrou ‘O Palmeiras afundou o Corinthians’.


Discriminação do jornal, preconceito contra as mulheres? Parece que não. Segundo o próprio jornal, firmar-se como profissional de futebol e ganhar a vida exclusivamente com o esporte não é um problema só das brasileiras:




‘A dupla jornada tem um significado especial para boa parte das jogadoras que participam do Mundial feminino. Um levantamento feito pela Fifa mostra que a necessidade de ter outro emprego não é algo exclusivo das meninas do futebol brasileiro. Em quase todo o mundo, viver da bola ainda é um privilégio do sexo masculino.’ (Estadão, 24/9/2007)


Na matéria sob o título ‘Viver só da bola ainda é desafio para as mulheres’ o jornal mostra que só as norte-americanas conseguem viver exclusivamente do esporte. As colegas do resto do mundo precisam ter dois empregos:




‘A atacante Ragnhild Guibrandsen, destaque da Noruega no Mundial da China, é um exemplo. A artilheira divide o tempo entre os campos e as manchetes: é jornalista. Em sua equipe ainda há uma advogada, três professoras e uma assessora de marketing. Na Austrália, a goleira é funcionária de um zoológico e a atacante Sarah Walsh é vendedora. A japonesa Erika Arakawa, por sua vez, trabalha como caixa de supermercado. Já Vicky Exley, meia da Inglaterra, pelo menos pode aprimorar a condição física enquanto trabalha. Ela é carteira. No Brasil, a mudança para o exterior tem sido a solução. Eleita a melhor jogadora do mundo pela Fifa, a atacante Maria atua desde 2003 na Suécia. Ela recebe cerca de 55 mil dólares por ano entre salários e patrocínios’.


Fofocas e celebridades


A imprensa esportiva, justiça seja feita, tem dado o apoio possível às jogadoras de futebol brasileiro e reclamado, como aconteceu durante o Pan-americano, por não haver aqui um campeonato nacional. Durante os jogos, os comentaristas da Rede Globo chegaram a comparar a performance das moças com a dos jogadores da seleção masculina, sugerindo até uma escalação que incluísse algumas das craques no time dos homens…


Mas o que dirão os mesmos comentaristas ao encontrar, na terça-feira (25/9), a foto das jogadoras espanholas que resolveram posar nuas para a revista espanhola Interviú, como forma de chamar a atenção e conseguir um patrocínio? Segundo o Estado de S.Paulo:




‘Jogadoras do Torneio de Madri, que disputa o Espanhol, posaram nuas para a revista Interviú, em busca de patrocínio. Elas recebem 150 euros por mês.`Precisamos de um segundo emprego. Nós é que somos fanáticas, não Henry, Messi ou o Ronaldinho´, disse Saray, a capitã.’


De acordo com a Interviú, que traz sempre uma mulher nua na capa e é especializada em celebridades e fofocas, as jogadoras ‘são camareiras, recepcionistas, jardineiras, professoras, engenheiras, empresárias, estudantes ou estão sem emprego, porém sua paixão é o futebol. Embora ganhem apenas 150 euros por mês e joguem na equipe mais humilde, são as líderes da Superliga’.


Talento e nudez


A idéia, porém, não é original. Poucos dias antes (quinta, 20/9) o jornal O Globo tinha publicado a foto de jogadoras de handball espanhol para a mesma Interviú. A diferença é que a foto foi feita nos vestiários e incluía uma jogadora brasileira. O objetivo era, segundo as moças, o mesmo das jogadoras de futebol: chamar atenção para o esporte e conseguir patrocínio para saldar a dívida milionária do clube.


Se as jogadoras espanholas conquistarem o desejado patrocínio (será que alguma fábrica de lingerie ou de cremes de beleza vai se interessar?) estarão criando uma nova maneira de obter apoio econômico, na qual o que conta não é exatamente o talento profissional. Mas vão, com toda a certeza, tornar ainda mais difícil a profissionalização feminina na área. O perigo é que os espectadores passem a freqüentar os estádios esperando ver mulheres nuas em vez de jogadoras talentosas que poderiam participar de qualquer evento de alto nível.


Ao apelar para a nudez, as esportistas espanholas estão aceitando as regras do jogo machista que vê as mulheres como objeto. Logo elas, que se consideram mais fanáticas do que os grandes e milionários craques do esporte que defendem.

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Jornalista