Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Primeiro o boom, depois o crash

Mugido, estouro, escarcéu, crescimento acelerado, expansão rápida: cada boom costuma ser seguido de um crash – colapso. Anglicismos onomatopaicos incorporados ao jargão financeiro, marcos da gangorra econômica contemporânea.


A crise financeira internacional – iniciada há pouco mais de um mês e cujas dimensões ainda não foram avaliadas com exatidão – foi provocada pelo boom imobiliário americano. Delírio creditício seguido pelas inevitáveis inadimplências, retrato do capitalismo pós-industrial baseado na ausência de regulação e na desenfreada busca de escala.


Nosso boom imobiliário também está sendo alimentado artificialmente (no caso pelas sobras de recursos que os bancos passarão a dispor a partir de 2008). Não resulta da aceleração do crescimento econômico nem decorre de um ciclo de desenvolvimento sustentado.


Nos dois casos, meras bolhas. E bolhas tendem a estourar. Acima ou abaixo do Equador.


Pátio de milagres


Os vilões da crise americana foram as agências de classificação de risco que não dispararam os alarmes quando o mercado foi inundado por papéis e produtos financeiros sem garantias reais.


A vilã de uma eventual crise imobiliária brasileira será a mídia. Ela está faturando os tubos com as suntuosas campanhas de lançamentos imobiliários, esquecida de seu papel de servir o público com um aconselhamento responsável. Ou, pelo menos, sem acumpliciar-se com os trambiques.


As áreas úteis dos apartamentos são cada vez menores, em compensação as áreas de lazer são cada vez maiores. Não aparece nenhum consultor ou analista para avisar os leitores que a manutenção das fabulosas academias de ginástica, piscinas, brinquedotecas, salões de festas, bosques e zoológicos que enchem os olhos nos anúncios coloridos será paga pelas taxas de condomínio. Este custo não é mencionado na sedutora propaganda.


Os magníficos empreendimentos imobiliários necessitarão de legiões de empregados contratados e administrados por empresas que certamente não trabalharão gratuitamente. Isso também não é mencionado nos fascinantes anúncios.


A mídia impressa brasileira transformou-se numa espécie de pátio de milagres onde se vendem ilusões de felicidade e promessas de bem-estar jamais concretizadas. Há uma década os anúncios exibiam plantas, hoje quem vende imóveis são louraças.


Surto de exuberância


Tudo bem: o problema é do consumidor(a) idiotizado(a) que não examina o produto que compra. Mas a indústria de imóveis não vende produtos prontos, fáceis de examinar – vende projetos e projeções, plantas de papel e maquetes de gesso, símiles. Só na entrega das chaves será possível verificar se a publicidade não foi enganosa. Tarde demais.


As construtoras e as incorporadoras não têm obrigação de explicar como ficará o trânsito e o acesso nas ruas além das piscinas refrescantes e guetos florestais. Mas os jornais e as revistas (que agora descobriram o filão imobiliário) têm a obrigação cívica de oferecer um suporte informativo complementar sobre os novos paraísos urbanos, mix de concreto e árvores ornamentais.


A própria imprensa ilude-se com o boom imobiliário. Ainda não fez as contas: está comprando papel com dólar barato e vendendo espaços às grandes incorporadoras a preço de banana. Pretende lucrar na escala.


Atrás de cada surto de exuberância esconde-se a miragem dos grandes volumes. Nesta equação geralmente falaciosa o boom transforma-se em crash.