Escrever no jornal, dizia Manuel Bandeira, é como escrever na areia, lembrando-se talvez dos poemas que padre Anchieta produzia. As ondas do tempo vêm e arrastam para o esquecimento aquilo que foi publicado e distribuído. Há os arquivos institucionais e os pessoais, mas limitados, ou de difícil acesso.
Escrever em blogs, sites e assemelhados é como escrever no ar – os ventos virtuais levam nossas palavras para longe, pelas infovias elas voam, viajam, vicejam em outras telas. Contudo, não são eternas, podem desaparecer do dia para a noite. E por isso, a necessidade do livro, do velho livro de papel, que multiplica de modo palpável frases e idéias.
Por saber que o jornal e a web são frágeis suportes, Cristovam Buarque resolveu publicar textos seus mais recentes no livro Sou insensato, em que faz um elogio da utopia, da obsessão, da revolução educacional.
É um livro crítico, um livro de oposição ao governo Lula. Um livro de ex-ministro, cuja demissão por telefone ainda não foi devidamente digerida. Nem é bom que o seja. Lula entendeu que não tinha ali um ministro da Educação, mas um opositor, um adversário. No lugar de um ministro, havia um subversivo. Insensatez de Lula teria sido não cortar o ‘mal’ pela raiz…
Defendendo causas perdidas
Uma das forças de Cristovam Buarque é a sua capacidade didática. Ele sabe criar aquilo que os franceses chamam repères, referências verbais, frases redondas, definitivas, com as quais o leitor conta para refletir mais tarde. Quando Cristovam fala em cortinas de ouro, de petróleo, de lenha e de chips, estabelece pontos de apoio e de visualização para que pensemos as diferenças sociais, culturais, tecnológicas, políticas e econômicas que discriminam, impossibilitando a milhões de pessoas viverem como pessoas.
De insensato, o livro tem muito pouco. Os artigos se encadeiam com uma lógica só encontrada nos loucos (Chesterton dizia que os loucos perderam tudo, exceto a razão!). A insensatez consiste em se esforçar para ser lúcido. Cristovam Buarque critica os intelectuais e escritores brasileiros que, baseados em razões sem razão, optaram pelo silêncio, perderam o tom crítico, divorciaram-se do utópico e do revolucionário.
A insensatez está em pensar por conta própria. Em continuar defendendo causas perdidas. Em escrever na areia, no ar, no papel e, sobretudo, na mente escravizada pela aparente sensatez.
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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br