Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Organizações lançam campanha sobre concessões de rádio e TV

Em 5 de outubro, movimentos sociais e populares devem ir às ruas para reivindicar que as concessões recebidas por empresas privadas para operarem emissoras de rádio e TV sejam dadas e renovadas com critério e clareza. A data foi escolhida pelo seu simbolismo e marca o início da Campanha por Transparência e Democracia nas Concessões de Rádio e TV, convocada por diversas organizações da sociedade civil. Neste dia, vencem de uma só vez os prazos de validade das outorgas para exploração do serviço de radiodifusão recebidas por empresas que controlam algumas das principais redes de televisão do país: Globo, Record e Bandeirantes.

As manifestações devem ocorrer em várias cidades do país, como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre, Vitória, Manaus e Brasília, em ações articuladas por entidades de diversos setores, como o Movimento Sem Terra (MST), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Marcha Mundial de Mulheres (MMM) e a União Nacional dos Estudantes (UNE), além de organizações ligadas à área da comunicação, como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e o Intervozes.

Para o mesmo dia, a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) convocou um boicote à programação da Rede Globo. A Conaq questiona o papel da emissora como agente de deslegitimação das organizações quilombolas e dos movimentos sociais em geral.

Concentração x Diversidade

A campanha que se inicia em outubro apóia-se sobre a premissa de que a concentração da propriedade dos meios de comunicação nas mãos de poucos é, em grande medida, responsável pelo fato de que a mídia é marcada pela falta de pluralidade de versões e da sub-representação da diversidade social e cultural do Brasil. ‘Os movimentos sociais não estão reivindicando qualquer tipo de censura. A reivindicação que está sendo feita é a da representação do povo brasileiro na esfera da comunicação’, diz Luana Bonone, diretora de Comunicação da UNE.

Em grande parte, o problema da concentração pode ser explicado pela ausência de critérios claros para a distribuição das concessões. Basicamente, estes critérios estão previstos na Constituição, mas nunca foram de fato regulamentados.

Por exemplo, a proibição do monopólio ou oligopólio no setor das comunicações é um princípio constitucional, previsto no artigo 220, porém não há nenhuma legislação inferior que descreva o que caracteriza a concentração da propriedade. Por esta razão, não há como questionar a óbvia situação de oligopólio da mídia.

Segundo dados da pesquisa ‘Os Donos da Mídia’, realizada pelo Instituto de Pesquisas e Estudos em Comunicação (Epcom) em 2003, as seis redes privadas nacionais identificadas à época – Globo, SBT, Record, Bandeirantes, Rede TV! e CNT – dirigem diretamente 47 emissoras de TV e, indiretamente, a atuação de outras 249 emissoras dos 138 grupos que figuram como afiliados regionais. A estas seis redes de TV estão vinculados outros 372 veículos, entre rádios AM e FM, jornais e revistas.

Além da questão da propriedade, a Constituição também institui princípios que deveriam garantir a diversidade na programação das rádios e TVs, como a exigência de veiculação de programas realizados por produtores independentes e produções regionais. Novamente, não existe regulamentação.

‘Faltam critérios claros, baseados no interesse público, e faltam também mecanismos que comprometam as emissoras com estes princípios’, lembra João Brant, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação. Brant explica que as empresas concessionárias assinam um contrato que serve apenas para formalizar a concessão, e mesmo assim é muito difícil ter acesso a ele. Apenas o extrato do contrato é publicado no Diário Oficial da União.

Uma das propostas apresentadas pelo Intervozes é a criação de conselhos estaduais e municipais que possam acompanhar como as empresas utilizam o espaço que lhes é concedido, tendo como base estes critérios constitucionais devidamente regulamentados. ‘É preciso que a sociedade possa exercer um controle democrático sobre estes meios, fazendo avaliações durante a vigência das outorgas e, principalmente, no momento das renovações.’

As concessões para os serviços de rádio têm prazo de 10 anos. Para televisão, o prazo é de 15 anos.

Privatização do ar

Assim como o contrato, outras informações a respeito dos processos de concessão e de renovação das outorgas são transformadas em um grande mistério pelos órgãos gestores. Não há uma lista com o nome dos proprietários de rádios e TVs disponível e para encontrar dados referentes à validade das outorgas é preciso consultar um sistema bastante técnico, mantido pelo Ministério das Comunicações e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Na verdade, nem mesmo os próprios órgãos gestores parecem ter controle de fato da situação. Em agosto, o Ministério publicou uma portaria que institui processo de recadastramento das concessões. Pede, por exemplo, que as empresas enviem dados como o quadro societário, endereço de estúdio e escritório.

A medida, aparentemente louvável, demonstra a leniência com que os órgãos gestores tratam o setor privado da mídia. Ao pedir que seja informado sobre a composição do quadro societário, o Ministério das Comunicações assume desconhecer uma informação que deveria ter passado pelo próprio órgão antes de se tornar um dado. A alteração de sócios ou a transferência da outorga para outra pessoa jurídica tem de ser autorizada pelo Executivo federal.

A falta de transparência cria situações como a que vem sendo discutida no Senado, a respeito da compra de emissoras de rádio pelo presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), usando ‘laranjas’. Apesar da dificuldade de acesso aos dados reais, sabe-se que a situação não é exclusividade do senador.

Além disso, a caixa-preta das concessões estabelece uma privatização branca do bem público que é o espectro eletromagnético (o conjunto das faixas de freqüência para transmissão, pelo ar, dos sinais de rádio e TV). Para Antônio Carlos Spis, da direção da CUT, esta situação faz com que os cidadãos e cidadãs brasileiros tomem como natural que o canal X é de propriedade da empresa Y.

‘O desafio da campanha que vamos tocar é, exatamente, chegar às pessoas e fazer com que elas reflitam e vejam que elas podem ter inserção na TV, que o rádio e a TV são do povo brasileiro, são um sinal público’, comenta o sindicalista. ‘É o povo, através da União, que concede à Globo, ao SBT, à Record o sinal que elas usam.’

Renovação automática

A naturalização da propriedade dos canais de rádio e TV é reforçada pela maneira caótica como ocorrem os processos de renovação das concessões. No ano passado, a Subcomissão Especial da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados (CCTCI) destinada a analisar mudanças nas normas de apreciação dos atos de outorga e renovação de concessões de radiodifusão apresentou relatório em que aponta que os processos levam 6,5 anos, em média, para serem concluídos.

Durante todo este tempo – que, em alguns casos, ultrapassa o próprio prazo da concessão que deveria estar sendo renovada –, as emissoras têm a permissão para continuar transmitindo em caráter precário. Por esta razão, é possível encontrar emissoras cuja outorga está vencida há 15, 20 anos e que constam nos sistemas do Ministério e da Anatel como perfeitamente legais.

Como não há limite para esta situação de precariedade, o que ocorre de fato é a renovação automática das concessões.

Sem limites

Este abuso do princípio da renovação é apenas um dos que podem ser observados no cenário atual das concessões. Mas enquanto esta é uma situação abusiva que encontra guarida na legislação, outras são ainda mais acintosas. Mesmo os poucos limites impostos pelas regulamentações atuais não são observados pelas emissoras.

Um dos mais óbvios é a restrição ao tempo destinado à publicidade. A legislação permite que apenas 25% da programação seja usada para este fim. ‘No entanto, temos verdadeiros supermercados eletrônicos funcionando em canal aberto’, lembra João Brant, do Intervozes.

Outro tipo de abuso dos limites mínimos atuais pode ser verificado no rádio, onde diversas emissoras cuja outorga é concedida para finalidades educativas são usadas para fins comerciais.

Por esta razão, a Campanha por Transparência e Democracia nas Concessões de Rádio e TV inclui em sua pauta de reivindicações a realização de ‘ações imediatas contra irregularidades nas concessões’.

A pauta da campanha inclui ainda outros três pontos:

1. Pelo fim da renovação automática: por critérios democráticos e transparentes com base da Constituição;

2. Instalação de uma comissão de acompanhamento das renovações das concessões com participação da sociedade civil;

3. Convocação de uma Conferência Nacional de Comunicação ampla e democrática para a constituição de políticas públicas e de um novo marco regulatório.

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Artigo produzido para a Rets – Revista do Terceiro Setor