Existe algum cão em seu apartamento ou casa? No sítio? Conhece algum vira-lata perdido ou freqüentador assíduo do seu bairro? Se a resposta for não para as três perguntas, bom sinal, pois você é um candidato em potencial a ler o livro Çomo mimar seu cão [o cedilha na palavra ‘como’ supostamente lembra um rabinho de cachorro], do jornalista paulistano Rodrigo Capella. A dica inicial: de preferência leve este simples e divertido compêndio – não confunda com auto-ajuda – para uma leitura ao ar livre. Por exemplo, sentado num banquinho de uma praça ampla e arborizada da sua cidade, tendo como companhia alguns cachorrinhos que por lá passeiam com seus respectivos donos. Após as primeiras páginas e uma pitadinha de reflexão, uma coisa eu tenho certeza: a sua saúde e compreensão do mundo canino, por extensão o humano, aumentarão em graça, humor e cortesia. De repente, você pode até mudar de idéia. Num ato virtuoso e polido adotar um animal. Os médicos receitam. Dizem que faz bem ao coração.
Por falar nisso, se tem uma virtude que andava meio sumida do mapa no mundo contemporâneo é a polidez. A ‘virtude das aparências’, de acordo com os franceses, prima em primeiro grau da educação, parece estar de volta. Forçando-nos a superar atos de recusa, a polidez sugere um encontro, e o seu desdobramento: a comunicação e o diálogo. Conjunção importante, e que vale sempre ser relembrada nesta mesclada sociedade individualista e globalizada.
Sob a perspectiva do eu, advêm desta constatação algumas indagações: nestes tempos, seríamos nós suficientemente maduros para procurar o outro, e romper com a nossa indiferença? Suficientemente maduros para parar – dar um ‘stop’ – e perceber o outro? Tentar se comunicar, tornar comum, dialogar e manter uma interatividade mais plena? Vale refletir sobre tais tentativas e esforços.
Como vale também observar as lições cheias de afetividade apresentadas por Capella em seu livro: 50 dicas importantes para transformar seu animal de estimação num grande companheiro, ou 50 dicas importantes para transformar você num grande companheiro dele, o cão. No fundo, no fundo, já que as relações entre os humanos são mais complexas, procuremos pelos menos tratar bem o fiel amigo de todas as horas. Seja ele um mini-yorkshire de 3 anos (raça do enorme colega Brutus, a quem o autor dedica o livro), um lulu da Pomerânia, um pequinês, um boxer ou um fila.
Eis a apologia fundante e a pergunta básica estampada por Capella na contracapa do livro: ‘O cão é o único que te dá amor incondicional! Não pede mesada, não exige presentes caros e gosta de distribuir carinho. Não está na hora de você fazer o mesmo por ele?’ Uma possível resposta, se é que há respostas – aliás, as soluções são os atos de carinho e cumplicidade cotidiana com o seu cão, seu gato, pássaros etc. e a preservação da natureza em geral –, ou um reconhecimento, está, atentamente percebida, na orelha do livro pelo respeitado cineasta Carlos Reichenbach:
‘É engraçado, só agora me dou conta que posso falar cobras e lagartos de certas ex-namoradas e amigos ressentidos, mas não consigo ter sequer uma lembrança ruim de qualquer amigo canino. Acho que apliquei com eles todas as lições sugeridas neste livro, embora eu continue tendo a impressão de que não é bem (ou só) de cachorros que Rodrigo Capella esteja falando’.
Reichenbach captou o espírito da coisa. A moral da história.
E quais são as lições fundamentais do livro? Cinco estágios, divididos em 50 dicas essenciais para o amadurecimento físico e psicológico do seu cão. (Seria somente do cão!?) Tudo gira em torno do verbo mimar. Isto mesmo, mimar = dar mimos, dar carinho. Tendo como epicentro de toda as situações não o cão em si, mas seu dono. Ou os seus donos – há psicólogos animais especializados e zoólogos que afirmam que os cães não têm somente um dono. Li isto numa revista científica de uma vizinha que estuda Medicina Veterinária na UFMG. Mas esta é uma outra discussão. Pois bem, voltemos ao livro. No estágio número 1, observamos o valor da comunicação, a noção de liberdade, a alimentação, a higiene e as brincadeiras básicas e animadas que o autor revela como essenciais no trato e na convivência diária com o(s) escolhido(s). Tem gente que não gosta só de um. Prefere logo o casal ou toda a ninhada.
A evolução do livro se faz pelo humor fino e a coragem ao divulgar determinadas situações e sugestões realisticamente fantásticas que beiram um tipo de democracia total, transgressora e transparente. É o caso da dica número 14 (estágio 2): ‘TV… Deixe o cão escolher a programação durante todas as semanas. Isso mesmo. No prazo máximo de um ano, você se tornará uma pessoa mais culta e mais canina. Quem garante? O cão’. Não podemos desprezar tais sinalizações e escolhas, pois, segundo o autor, de uma maneira radical, ‘já nós, seres teoricamente humanos, preferimos assistir novelas, seriados, jornais e programas de auditório. Achamos isto divertido. Os cães detestam. Acham que esses programas são um atraso de vida’.
No estágio 3 (se você conseguir chegar até lá será um grande passo, como observa o próprio Capella), conhecimentos e noções de reciprocidade, polidez e leitura vão se aprofundando. As observações chegam ao máximo da exigência na dica 26 (estágio 3), cujo título é ‘História’. Como não se sabe o tipo de narração que o canídeo exigirá do dono, e para uma formação mais diversificada e humanista, aliás, mais canina, a sugestão é a seguinte: ‘Monte uma biblioteca para o seu animalzinho e catalogue toda a coleção… Com certeza terá um cão mais comunicativo, sociável e empreendedor’.
No estágio 4, o item 36 chama a atenção, um dos assuntos prediletos de todos os homens e mulheres: ‘Namorar’. Os cães também necessitam namorar, segundo o autor. O cúmulo da sacanagem e solidão é cadastrar o cachorro nos sites de namoro virtual (coisa que muitos marmanjos e marmanjas fazem há tempos). Interessante esta questão, pois vem à memória uma reportagem que vi semanas atrás numa emissora de TV a cabo. Uma sorridente e ruiva norte-americana estava sendo entrevistada enquanto escolhia num site específico um par ideal para sua jovem fox terrier de puro sangue. Ela ficou em dúvida entre dois pretendentes. Um do estado da Flórida e o outro de Michigan.
Se você conseguir – eu acho que consegue – chegar até o último estágio, o de número 5, você realmente tem uma saudável vocação para compartilhar a sua residência com um cão ou cadela (você decide!). As coisas encrencam mesmo, como aponta a dica 45, se você pretende adotar um cachorro e tem alguma criança em casa. Por quê? ‘O cão não gosta de dividir a atenção, o carinho e os elogios que recebe’. Esta reflexão, com certeza, todo pai ou mãe já fez. É claro! Para o bem da família.
Depois de ler as 50 dicas, Capella impõe em breve sermão uma penitência, um longo exercício de tolerância: ler novamente as mesmas 50 dicas. Segundo o jornalista, ajuda na memorização. O grande prêmio, após os esforços empreendidos e passar por todos os estágios, está na página 71: o ‘Certificado de Fidelidade Canina’. Detalhe: para ter valor, o diploma de ‘benemérito e grande benfeitor, amigo e irmão dos caninos’ precisará ser assinado por não menos que o presidente da República. A assinatura do dono do cão é mais fácil de conseguir, já a do presidente…
Depois da leitura – atenta, amena, despojada e sem preconceitos, eu espero –, o negócio é praticar as lições. Entretanto, antes de realizá-las, tenha sempre em mente que o mínimo que o seu atual ou futuro cão quer é carinho, atenção e respeito. Agora, se a sua relação com ele está noutro patamar – vai de mal a pior –, o livro realmente vai ajudá-lo a refletir e a perceber onde estão seus erros e como fazer para corrigi-los. Afinal, é bem mais sensato, humano e canino reconhecê-los e pedir desculpas com diálogo e sorrisos, em vez de cara-feia, favores e educação em vez de indiferença.
Sei que é difícil, mas tente. Seja um pouco mais humilde, pacífico e polido. Já é um bom começo. Se quiser, se tiver paciência, vai aí uma dica final: tente também mimar com alegria contagiante, exercer o senso lúdico e divertir-se. O seu cão merece! Você merece!
Trecho do livro
‘Vivemos numa globalização cada vez mais intensa. As pessoas precisam divulgar seus trabalhos, façanhas, conquistas e realizações. Somente dessa forma obterão o reconhecimento justo dos demais seres humanos. Com os animais funciona diferente? Não, mas com a diferença de que eles têm a necessidade de informar aos outros sobre detalhes íntimos. Número de filhos, quantidade de pêlos, cor dos olhos e se ronca ou não. Por que tudo isso? Os outros cães precisam saber como o seu amigo é fisicamente e psicologicamente, para só assim decidir se vão gostar ou não dele.
Portanto, comece a planejar um site para o seu cão. Se não tiver tempo, contrate um bom profissional, pois há muitos no mercado. Selecione um material diversificado e interessante sobre o cão, como cartas, vídeos, desenhos, figurinhas, bonecos e brinquedos em geral. Fotografe tudo nos mínimos detalhes e coloque no site. Isso ajudará, e muito, a carreira artística de seu amigo. Se é que ele pensa em ser um artista (pensa)?’
******
Jornalista e escritor em Belo Horizonte; pós-graduado em Jornalismo contemporâneo, autor de Pavios curtos (anomelivros, 2004)