Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

De heroína a vilã

O caso da repórter do New York Times Judith Miller repercutiu em todo o mundo, quando ela foi considerada uma heroína da sua profissão ao preferir ser presa a revelar suas fontes. No entanto, com o desenrolar dos fatos, a situação se reverteu. A demora do Times em dar explicações aos leitores resultou em questionamentos sobre credibilidade e ética jornalísticas. Em sua coluna de domingo [23/10], o ombudsman do jornal, Byron Calame, afirmou que as boas notícias são que as más notícias não impediram o jornal de publicar um artigo na semana passada sobre o caso e de forçar Judith a dar explicações de seu segundo testemunho diante do grande júri aos leitores.

O artigo preparado por uma equipe especial de repórteres e editores respondeu à maioria das dúvidas fundamentais de Calame. A questão em debate era a recusa de Judith em divulgar suas fontes confidenciais ao grande júri que investigava quem teria vazado a identidade da agente da CIA Valerie Plame. No entanto, para o ombudsman, as explicações do caso dadas pelo jornal e pela repórter também ‘sugeriram que as práticas de jornalismo de Judith e dos editores do Times eram mais falhas do que ele temia’.

O jornal deve agora enfrentar mais três grandes preocupações levantadas sobre a investigação do vazamento da informação: a ineficiência de editores na correção de problemas na cobertura pré-guerra do Iraque, as atitudes questionáveis de Judith e o tratamento diferenciado dado à repórter pelos editores, que falharam em perceber os problemas antes deles se tornarem uma verdadeira confusão.

Para começar a lidar com o caso, é necessário voltar dois anos no tempo. Nesta época, Judith era mais conhecida pelo seu papel na série de artigos publicados no Times em 2002 e 2003 que sugeriam fortemente que Saddam Hussein tinha ou estava adquirindo um arsenal de armas de destruição de massa. Howell Raines era então o editor-executivo do jornal e permitiu que vários artigos sobre armas de destruição em massa fossem publicados – a maior parte deles mostrou-se posteriormente imprecisa. Em 2003, o jornal foi atingido pelo fiasco do caso Jayson Blair e Raines e o então editor-administrativo Gerald Boyd deixaram o Times. Quando Bill Keller tornou-se editor- executivo em julho de 2003, ele focou suas atenções para o escândalo de Blair, mas alertou Judith de que ela não poderia mais cobrir os assuntos de armas no Iraque. No entanto, foi apenas em maio de 2004 – um ano depois do começo da guerra do Iraque – que os editores publicaram uma nota afirmando que a cobertura do jornal sobre o assunto era inexata. Judith foi então alertada a ficar de fora de todas as coberturas de questões de segurança nacional.

Problema ético

Sobre os atalhos tomados por Judith, um problema ético surge quando há controvérsias sobre se um editor do jornal realmente sabia da informação da identidade da agente da CIA. Quando Judith foi questionada pelo promotor Patrick Fitzgerald, que investiga o caso, ela respondeu que tinha recebido fortes recomendações de seu editor para não escrever um artigo sobre a identidade de Valerie Plame quando pediu para prosseguir com o assunto. Se isto fosse verdade, Jill Abramson, então chefe da sucursal de Washington em 2003, teria tomado conhecimento do pedido – e ela não se lembra nem de Judith ter mencionado suas conversas confidenciais com Lewis Libby, chefe de gabinete do vice-presidente Dick Cheney – identificada agora como a fonte da repórter.

Quando Calame pediu maiores esclarecimentos a Judith, ela recusou-se a identificar o editor com quem teria conversado na época. Calame acredita nas afirmações de Jill e isto levanta questões sobre credibilidade e implica que Judith não deixou um editor a par sobre o que ela sabia, privando os leitores de um olhar potencial sobre o marido de Valerie e outros críticos da guerra do Iraque.

Práticas questionáveis

Em relação ao tratamento especial dado a Judith, Calame afirma que o jornal ‘precisa rever as práticas de jornalismo da repórter o mais rápido possível para discutir assuntos claros de confiança e credibilidade no seu papel na investigação do vazamento da identidade da agente da CIA’. O ombudsman afirma também que o jornal deveria considerar atualizar seu código de ética sobre o uso de fontes anônimas e citou o publisher Arthur Sulzberger Jr., que alegou que há ‘novos limites’ para o que Judith pode fazer no futuro. Sulzberger insiste que é tradição do jornal proteger as fontes confidenciais de qualquer repórter. Mas nem ele nem Kellner revisaram as notas de Judith, por exemplo.

Diante destes fatos, fica difícil prever o retorno de Judith ao jornal como repórter. Na quinta-feira (20/10), ela revelou ao ombudsman que mesmo assim espera voltar ao jornal depois de ficar um tempo afastada do trabalho.