Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pedro Doria

‘Numa entrevista concedida esta semana ao site da ‘Editor&Publisher’, Carl Bernstein esboçou um paralelo entre Watergate e o atual escândalo da Casa Branca. O acobertamento de crimes por parte do governo nos tempos de Nixon quem revelou foram o próprio Bernstein e Bob Woodward, para o ‘Washington Post’. Há semelhanças, é verdade, mas muitas diferenças.

A principal é que, desta vez, a grande imprensa tem muito a explicar. Na década de 70 era diferente: o jornalismo saiu como herói. Num momento em que o negócio da mídia está em crise, falta de credibilidade em jornal de grife é o pior dos mundos. Mas é exatamente onde está o ‘New York Times’.

Começou com o jovem repórter Jayson Blair, que inventava o que escrevia. O capítulo mais recente envolve uma das estrelas de sua reportagem, Judith Miller. Livrar-se de Blair foi fácil, já Miller é um pesadelo que parece não acabar nunca. Há apenas dois anos, ela era considerada uma das maiores especialistas em armas biológicas da imprensa. Mas, durante a cobertura da guerra no Iraque, foi ela quem insistiu até o fim, nas páginas do ‘Times’, que havia armas de destruição em massa nas mãos de Saddam Hussein.

Não havia, é claro – e o ‘Times’ foi obrigado a retratar-se. O escândalo que ameaça em última instância o próprio vice-presidente Dick Cheney é um pouco mais delicado. E traz toques de surrealismo. O nome de uma agente da CIA foi revelado, é crime federal – e grave. Alguns jornalistas o ouviram, só um o divulgou. Pouco importa: quando um promotor decidiu descobrir quem no governo estava vazando nome de espião, convocou os outros.

Aliás, isto não é muito claro. Dos cinco que ouviram o nome, só dois foram publicamente convocados a depor. O repórter da revista ‘Time’ entrou em acordo. Judith Miller recusou-se a testemunhar, seu ato foi considerado desacato à Justiça, terminou presa. O ‘New York Times’ fez editorial defendendo sua repórter. Era um libelo pela liberdade de imprensa, uma defesa do direito de não revelar as fontes. De fato, certas notícias, se não forem em off, não chegam ao público.

E lá foi Judith Miller passar 45 dias na prisão até que Lewis ‘Scooter’ Libby, braço direito do vice-presidente, mandou recado de que não se incomodaria se ela depusesse. Miller então deixou a prisão e depôs. Surreal é pouco: Libby já havia falado isto bem antes. Se seu salvo-conduto bastava, por que não valeu na primeira vez? Quando foi depor, o melhor que a repórter tinha a dizer era que não tinha certeza de quem havia dado a informação. Se não tinha como divulgar sua fonte, para que ser presa?

Os analistas conservadores norte-americanos costumam dizer que um dos grandes problemas do país é a ‘imprensa liberal’, capitaneada pelo ‘New York Times’. É irônico, pois, que agora estes mesmos analistas saiam em defesa de Judith Miller. No meio, o que se diz é que ela está negociando a saída do jornal. Que, por sua vez, não pára de se explicar. A impressão que passou é que deu destaque demais a uma jornalista que repetia o que o governo mandava.

Esta semana, enquanto Carl Bernstein dava sua entrevista à ‘Editor&Publisher’, um fórum no interior do estado de Nova York tentou explicar a crise da imprensa. No tempo em que Bernstein e Woodward levavam o governo à loucura, o diretor de redação de seu jornal era Ben Bradlee. Nesse fórum, Bradlee brincou com uma questão: ‘Será que é objetivo da imprensa despertar confiança do público?’

A princípio, parece sem pé nem cabeça. Mas o velho editor lembra que é impossível publicar qualquer coisa em jornal grande sem que algum leitor, senão um bloco deles, proteste. E ele tem razão, evidentemente: sempre há leitores desconfiados. Jornal tem que publicar o que julga correto e ponto, credibilidade é conseqüência, não coisa que se consiga com um plano de marketing.

Só que, agora, os leitores sentem ter motivos óbvios para desconfiar. Não é só nos EUA. Na França. Mesmo aqui no Brasil, durante o último referendo, houve gente reclamando de um lado e do outro sobre a cobertura vista como tendenciosa de grandes jornais e revistas.

Jamais foi tão difícil quanto hoje manipular a opinião pública – embora o público não se dê o devido crédito. Jamais foi tão difícil vender um jornal ou uma revista. E a grife jornalística mais conhecida do mundo pisou na bola. Não bastasse o negócio estar em crise, há uma demanda por noticiário gratuito, pela Internet. Não só demanda, também há oferta.

E há blogs. Blogs noticiosos são muito populares, nos EUA, todos muito francos, com alguma freqüência tiram até um furo do bolso. Muito opinativos. O problema é que raramente encaram imparcialidade como um fim. Não há nada errado nisso: há órgãos de imprensa com ponto de vista assumido, com ideologia mestra. A ‘Economist’, que está seguramente na lista dos três melhores semanários do mundo, é um caso. Mas ter ideologia e produzir bom jornalismo é uma arte difícil.

Quando o conceito de liberdade de expressão foi incluído na Constituição dos EUA, no final do século 18, a imprensa era panfletária e virulenta. A liberdade de opinião defendida por Thomas Jefferson referia-se mais a uma imprensa parecida com os blogs do que com aquela de hoje. Mas uma imprensa que se pretende imparcial e tem recursos para ir aos lugares mais remotos em busca de informação faz falta. Blogs de um blogueiro só não conseguirão substituir este papel tão cedo. Aparentemente, nem os maiores sites de notícia. Aliás, ultimamente, os jornais mesmo não andam bem das pernas.

Não foi a imprensa que cavou seu buraco, foi a tecnologia. Mas, às vezes parece, em todo mundo tem jornal fazendo questão de encher o buraco com água. Perde todo mundo.’



PLAMEGATE
Argemiro Ferreira

‘A cumplicidade da mídia atrasou um ano a verdade’, copyright Tribuna da Imprensa, 4/11/05

‘Irving Lewis (‘Scooter’) Libby, todo-poderoso assistente do presidente George W. Bush e chefe de gabinete do vice Dick Cheney, foi apresentado ontem à Justiça e fotografado, além de ter deixado suas impressões digitais, depois de indiciado em cinco crimes. A acusação é de ter mentido aos investigadores do FBI e ao tribunal, em ações caracterizadas como obstrução da Justiça, perjúrio e falso testemunho.

Como escrevi antes, são os crimes que levaram um presidente (Richard Nixon) à renúncia, para evitar o processo de impeachment, e outro (Bill Clinton) a um impeachment, que culminou em absolvição no julgamento pelo Senado dos EUA. E por que Libby, um advogado, disse as mentiras que disse, ao FBI e ao tribunal? Por que graças a elas seus chefes Bush e Cheney puderam se safar.

Num artigo divulgado ontem, o advogado e assistente legislativo Dennis Kelleher explicou que a chave para se entender esse caso está numa frase dita pelo promotor especial Patrick Fitzgerald na entrevista dada depois do indiciamento. Não fosse pelas mentiras de Libby, explicou ele, o indiciamento teria ocorrido em outubro de 2004, a semanas da eleição. Ou seja, Bush e Cheney não estariam hoje no cargo.

Mentindo para salvar o chefe

Para que a mídia entendesse, o promotor comparou o caso a um relato de crime comum. Quatro pessoas conversam num beco escuro e três concordam em praticar um crime. O terceiro discorda e permanece no local. Depois os três voltam, correndo, e entram num beco. A polícia chega e pergunta ao quarto se viu três homens correndo. Ele responde. ‘Vi. Fugiram por ali’. E indica a direção oposta, o que permite a fuga. Foi o que Libby fez.

Mas Kelleher destaca um detalhe crítico, o papel da mídia – e dos notórios jornalistas Judith Miller, Marc Cooper e Bob Novak – na defesa irracional das fontes anônimas como se fosse uma causa da liberdade de imprensa. A trama de Libby só funcionou graças à cumplicidade dos jornalistas e da mídia, conforme o promotor Fitzgerald deixou claro em sua recente entrevista coletiva.

Se os repórteres tivessem testemunhado em agosto de 2004, quando receberam as intimações do promotor, ‘esta entrevista que estou dando agora (em outubro de 2005) teria ocorrido há um ano, em outubro de 2004’, explicou Fitzgerald. O que significaria, acrescento eu, derrota certa para a chapa Bush-Cheney, tal o impacto no eleitorado americano do indiciamento de Libby e outros.

Isso explica porque alguém como o advogado Libby, com todo o seu inegável conhecimento jurídico, tenha decidido, conscientemente, fazer algo que sabia ser ilegal. O que ele disse ao FBI e ao tribunal foi que soube da identidade da agente Valerie Plame Wilson, do FBI, através de repórteres. Mas a informação chegou a ele pelo vice-presidente Cheney e outras altas autoridades do governo Bush.

A mídia contra a verdade?

Só a duras penas os jornalistas intimados concordariam em dizer a verdade – entre eles, a falsa heroína Judith Miller, do ‘New York Times’, que chegou ao requinte de cumprir quase três meses de prisão, à espera de ‘autorização’ do próprio Libby. Os outros foram Marc Cooper, da revista ‘Time’, Bob Novak, colunista sindicalizado e comentarista da CNN, e até Tim Russert (da NBC), citado nominalmente por Libby.

Ao inventar sua versão, a intenção de Libby foi proteger o vice-presidente Cheney, que falara a ele sobre a agente Valerie Plame. Então a pergunta para a imprensa em geral, hoje, tinha de ser: deve um jornalista ser cúmplice de um crime, negando-se a testemunhar? Pior ainda: deve ser cúmplice de um crime de altas autoridades do governo, que ‘plantam’ informações em operações de vingança da cúpula do poder?

É fácil imaginar o que teria acontecido em outubro de 2004, a um par de semanas da eleição, se os intimados não tivessem recorrido à bobagem da proteção de fontes. Tais fontes não eram ‘whistle blowers’ e sim a própria cúpula do poder a manipular a mídia. Às vésperas da eleição americana, a questão do Iraque era tema-chave, juntamente com as inexistentes armas proibidas de Saddam – motivo da vingança contra Valerie Plame.

Criminoso, omisso, incompetente

O promotor Fitzgerald, assim, levou mais um ano para chegar à verdade. Por ironia, a própria mídia – que sabe ser sua missão fundamental dizer a verdade ao público, sempre que possível fazendo reportagens de investigação para revelar o que os poderosos tentam esconder – foi o instrumento usado para retardar a verdade, que naquele momento poderia até ter

levado o eleitor a mudar o voto.

Fitzgerald teve de ir à Justiça e lutar um ano, até na Suprema Corte. No fim, venceu – forçou a mídia a reconhecer a verdade em vez de escondê-la para proteger fontes. A verdade teria efeito explosivo em outubro de 2004. Cairia por terra a negativa categórica da Casa Branca de que Libby e Karl Rove ‘não estavam envolvidos’ no vazamento. Às vésperas da votação, a pergunta seria: ‘O que o presidente sabia e desde quando o sabia?’

Haveria outras. Se Bush o sabia, era por estar no coração da trama para violar a lei, expondo a identidade da agente. E se não sabia que seu próprio vice-presidente e outros altos assessores da Casa Branca estavam atolados até o pescoço na operação, apenas confirmava os piores temores de muita gente – de que era um governante despreparado e perigosamente omisso nas questões mais sensíveis do governo.’



Sérgio Dávila

‘Libby fez livro pedófilo, zoófilo e incestuoso ‘, copyright Folha de S. Paulo, 6/11/05

‘Setsuo, uma garota virgem de dez anos de idade, é colocada pela cafetina do prostíbulo em que mora, numa aldeia japonesa de 1903, numa gaiola onde vive um urso treinado. Lá, o animal a violentará repetidamente, diante de uma platéia de homens, para que ela se torne frígida, o que a ajudará na regra básica de sua profissão: não se apaixonar pelo cliente.

De que cabeça poderia ter saído a idéia do pesado período acima, que consta do romance ‘The Apprentice’ (a aprendiz), escrito em 1996? Do republicano Lewis ‘Scooter’ Libby, 56, ex-chefe-de-gabinete do vice-presidente dos EUA, Dick Cheney (de quem também era conselheiro especial para assuntos de segurança nacional), e ex-assessor do presidente George W. Bush.

É o mesmo Libby que pediu exoneração de seu cargo na Casa Branca na sexta-feira retrasada e responde a cinco acusações no processo que investiga o vazamento da identidade de uma espiã da CIA, mulher do ex-embaixador Joseph Wilson, um crítico da invasão do Iraque por Bush que escreveu artigo no ‘New York Times’ desmentindo uma das alegações da Casa Branca para a guerra: a de que Saddam Hussein tentou comprar urânio do Níger. Wison havia viajado ao país africano em missão da CIA e, no artigo, revelou que nada encontrara que confirmasse a suspeita.

A revelação da identidade de Valerie Plame é um crime que pode levar Libby à cadeia e cuja ordem pode ter vindo de cima como uma retaliação a Wilson.

Carcaça de cervo

Mas voltemos ao livro por um momento. Ambientado numa nevasca no Japão da virada do século 19, teria custado duas décadas de trabalho e burilação ao autor. E é pródigo em bizarrices. Algumas:

* um samurai morre, e seus irmãos violentam a filha dele;

* outro personagem faz sexo com a carcaça de um cervo;

* a tal menina do começo (leia trecho traduzido nesta página) é levada ao prostíbulo porque seus parentes, especialmente um tio velho, começam a assediá-la sexualmente, andando sempre abraçados com ela nua no colo.

Não é exatamente o tipo de literatura que se espera de um burocrata que até recentemente privava dos círculos íntimos da administração mais conservadora a se instalar na Casa Branca desde Ronald Reagan (1981-1989), liderada por George W. Bush, que por sua vez encabeça a guinada à direita do país e sob cuja vista ascende a ultradireita religiosa.

Libby renunciou após ser indiciado por falso testemunho, falsa instrução e obstrução da Justiça. Se condenado, pode pegar 30 anos. Foi a primeira vez, em mais de 130 anos, que um funcionário da Casa Branca foi indiciado.

Desde então, a procura pelas poucas cópias do livro que ainda estão em estoque nas livrarias e nos sites dispararam e viraram item de colecionador. No mercado livre da Amazon, para quem não agüenta esperar a demora na entrega oficial, pede-se US$ 2.100 por um exemplar de capa dura, o de 1996. A versão de capa mole, de 2002, sai por no mínimo US$ 129.

Em 24 horas, o original passou do 33.903º lugar entre todos os milhares de livros vendidos pela empresa para 16.279º. O de capa mole pulou para 1.290º, à frente de títulos como o primeiro livro de Harry Potter, hoje em 1.633º.

Conversas em off

A blogosfera está em polvorosa. ‘Pelo menos, agora nós já sabemos de onde as técnicas de tortura das prisões de Abu Ghraib, no Iraque, e Guantánamo, em Cuba, vieram’, escreveu Walter Hemker, após ler ‘The Apprentice’.

A Folha pediu que o republicano comentasse o livro e o sucesso literário que a obra alcança agora, depois de um lançamento tímido nos anos 90. Procurou o advogado que o representa, Theodore Wells, do escritório nova-iorquino Paul, Weiss, Rifkind, Wharton & Garrison. Não obteve resposta até a conclusão desta edição.

Misterioso, I. Lewis ‘Scooter’ Libby não gosta de falar com a imprensa -pelo menos não ‘on the record’, jargão para entrevistas que podem ser reproduzidas. É apontado como delator do nome da espiã da CIA em conversas em ‘off ‘ mantidas há dois anos com jornalistas norte-americanos, depois intimados a depor.

Faz mistério sobre seu passado, e há controvérsias inclusive sobre seu verdadeiro nome. O ‘I’ inicial já foi apontado como ‘Irv’, ‘Irving’ e ‘Irve’ pelo próprio -o último parece o mais provável, por ser o mesmo nome do pai e constar de seu livro de graduação na Universidade Yale, dos EUA.

Os álamos tremem

Já o apelido ‘Scooter’, literalmente ‘patinete’, em inglês, também já foi explicado de diversas maneiras por Libby. Em certas ocasiões, atribuiu ao apelido de um jogador de beisebol de sua infância, Phil ‘Scooter’ Rizzuto; em outras, disse que veio do pai, que o criou depois de ver o filho correndo em seu ‘chiqueirinho’.

Numa das raras vezes em que tocou no assunto ‘The Apprentice’, em entrevista ao programa de Larry King em 2002, disse: ‘Refugiei-me no Colorado, tomei tequila e escrevi (o livro)’. A recepção da crítica variou de ‘sessão de cartas de revistas pornográficas’ a ‘doentio’. Essa, porém, não seria sua última aventura literária.

Em carta enviada para a repórter Judith Miller, do ‘New York Times’, em que a liberava para citar seu nome como a pessoa que revelou a identidade da agente, o que a jornalista se recusava a fazer na Justiça e que lhe valeu 85 dias na cadeia, ele escreveu: ‘Você foi presa no verão. É outono agora… No Oeste, onde você costuma passar as férias, os álamos ainda tremem. Eles tremem juntos, pois as raízes os conectam. Volte para o seu trabalho -e para a vida’.’



Douglas Jehl

‘Fonte de Bush foi desmentida, mas utilizada’, copyright O Estado de S. Paulo / The New York Times, 7/11/05

‘Um alto membro da Al-Qaeda sob custódia dos EUA foi considerado um provável mentiroso meses antes de o governo do presidente George W. Bush ter começado a usar suas declarações como base das alegações de que o Iraque treinava integrantes da rede terrorista no uso de armas biológicas e químicas. É o que mostram trechos recém-divulgados de um documento da Agência de Inteligência de Defesa.

O documento, um relatório de inteligência de fevereiro de 2002, diz ser provável que o prisioneiro, Ibn al-Shaykh al-Libi, ‘esteva enganando intencionalmente os interrogadores’ ao fazer declarações sobre o apoio iraquiano ao trabalho da Al-Qaeda.

O relatório oferece as mais antigas e fortes evidências de dúvidas manifestadas pelas agências de inteligência americanas sobre a credibilidade de Libi. Sem citá-lo pelo nome, o presidente Bush, o vice-presidente Dick Cheney, Colin L. Powell, então secretário de Estado, e outros dirigentes mencionaram repetidamente as informações de Libi como evidências ‘críveis’ de que o Iraque treinava membros da Al-Qaeda no uso de armas proibidas.

Uma das primeiras e mais conhecidas afirmações foi feita por Bush num importante discurso em Cincinnati em outubro de 2002. ‘Soubemos que o Iraque treinou membros da Al-Qaeda na fabricação de bombas, venenos e gases’, disse ele.

O documento foi divulgado pelo senador Carl Levin, principal democrata na Comissão de Serviços Armados do Senado.

Para Levin, as evidências sobre dúvidas antigas quanto às declarações de Libi representam o que ele considera o mau uso da inteligência por parte do governo Bush a fim de justificar a futura guerra no Iraque. Os republicanos no Senado argumentam que os governistas não estavam sozinhos ao fazer essas afirmações antes da guerra.

Libi, capturado no Paquistão no fim de 2001, retratou-se de suas alegações em janeiro de 2004. Isto levou a CIA a cancelar, um mês depois, todos os relatórios de inteligência baseados em suas declarações.

Um relatório emitido pela Comissão de Inteligência do Senado em julho de 2004 questionou se algumas versões de um relatório de inteligência da CIA do início de 2003 haviam levantado dúvidas suficientes sobre a confiabilidade de Libi. O relatório do Senado e aquele divulgado pela Comissão do 11 de Setembro, no entanto, não mencionaram a existência deste relatório antigo divulgado agora.’



FRANÇA CONFLAGRADA
Patrick Sabatier

‘Ódio contra desigualdade’, copyright O Globo, 7/11/05

‘Não se pode negar a gravidade dos acontecimentos da última semana. E pode-se mesmo perguntar se algo maior já estaria em andamento. Ora, falar em ‘guerra civil’ na França ou ‘numa ameaça terrorista’, considerando islamismo radical e violência urbana o mesmo perigo, assim como certa mídia estrangeira quis fazer, é algo extremo. Trata-se de jogar com a retórica de medo da extrema-direita racista, assim como a de muçulmanos radicais que buscam recrutar jovens para a jihad que sonham realizar na Europa.

As declarações inflamadas de Nicolas Sarkozy puseram fogo na crise. No entanto, ao contrário do que se diz, não há o menor sinal de que esses jovens sejam motivados por uma agenda política ou ideológica. É claro que muitos são muçulmanos, provenientes do Norte da África ou de ascendência africana. Muitos foram dominados pelo pior da propaganda contra os judeus e, alguns, nem que seja para provocar, dizem admirar Bin Laden.

Mais significativo, porém, é que todos estão desiludidos e convencidos de estarem recebendo um tratamento injusto na sociedade francesa. Não confiam nas promessas sobre o fim da vida em guetos, e acreditam, não inteiramente sem razão, que foram deliberadamente excluídos da sociedade. Mas isso não os torna cúmplices dos homens-bomba de Londres. O que fazem noite após noite refere-se mais a um ódio cego das percebidas ou muito reais injustiças ou desigualdades, e trata-se de um desejo de responder às duras palavras de um ministro que os acusou de serem ‘gangues’ e ‘escória’.

Haveria risco do que ainda é somente violência de rua tornar-se uma rebelião mais séria? Talvez. Mas os envolvidos ainda são uma minoria de jovens suburbanos, e muitos moradores desses guetos não aprovam suas destruições. O caminho mais curto para tornar as piores previsões realidade seria o pânico, ao tratá-los como terroristas islâmicos, acarretando antagonismos étnicos e religiosos pelos quais começa a ‘guerra civil’.

PATRICK SABATIER é editor assistente do ‘Libération’’



O Globo

‘Delinqüentes ou rebeldes?’, copyright O Globo, 7/11/05

‘As opiniões da imprensa francesa sobre a revolta nos subúrbios de Paris e na França refletem um país dividido sobre a questão. O jornal ‘Le Figaro’, tradicionalmente identificado com a direita, destacava ontem que os acontecimentos ‘são conduzidos por jovens delinqüentes, já bem conhecidos dos serviços de polícia’. No jornal ‘Le Monde’, observava-se ‘que a questão dos subúrbios é emblemática’. Citando editoriais de sexta-feira do americano ‘New York Times’ e do espanhol ‘El País’ – os quais apontam a incapacidade da França de integrar seus imigrantes, apesar de proclamar um ideal de igualdade – o ‘Le Monde’ afirmava que ambos têm razão: ‘Um país que se vê como a pátria dos direitos humanos e o santuário de um modelo social generoso se mostra, aos olhos de todos, incapaz de garantir condições dignas de vida a jovens franceses (…) que têm no horizonte apenas desemprego, regressão tribal, racismo’.

O próprio ‘Le Monde’ aponta para a divisão no país, ao lembrar que é hora de os políticos deixarem de lado a política-espetáculo para pensar seriamente sobre ‘a reconstrução de uma parte da sociedade francesa que os espera’, a fim de evitar a catástrofe eleitoral de 2002, quando Jean-Marie Le Pen, da extrema-direita, chegou ao segundo turno das eleições presidenciais. No ‘Libération’, a revolta é também associada, em matérias, à crise do capitalismo globalizado.’



IRÃ
Folha de S. Paulo

‘TV iraniana encoraja ataque suicida em cartoon ‘, copyright Folha de S. Paulo, 5/11/05

‘m canal de TV iraniano exibiu, na última semana, um filme animado para crianças em que palestinos encorajam e realizam ataques suicidas contra alvos israelenses.

Trechos do vídeo, veiculado às 8h da manhã de 28 de outubro, foram divulgados no website do Instituto de Pesquisa de Mídia do Oriente Médio (Memri), ONG com base em Washington que monitora a mídia da região.

O filme começa quando o comando israelense invade um vilarejo palestino e abre fogo deliberada e indiscriminadamente contra civis inocentes. Na ação, são mortos a sangue frio o pai, a mãe e o irmão de Abd al Rahman, que, então, jura vingança.

Por meio de um primo, Al Rahman é apresentado a Jassem, membro de um ‘grupo de resistência’. ‘O homem que transformou seus familiares em mártires é um dos mais sanguinolentos oficiais israelenses. O nome dele é Ariel. Ele não tem misericórdia nem pelas crianças’, diz Jassem.

‘Ontem, muitos soldados israelenses vieram ao vilarejo sem aviso. Eles deram às pessoas 15 minutos para ir embora. Mas elas se recusaram a sair e, então, o sanguinolento Ariel deu ordem para abrir fogo. Todos, incluindo mulheres e crianças, foram mortos’, afirma Jassem.

Os militantes preparam uma ação em retaliação. A notícia acende os ânimos de Al Rahman e de seu primo, que pedem autorização para entrar no grupo.

‘Mas vocês devem saber que podem se tornar mártires’, adverte Jassem. ‘Nenhum de nós sabe se sobreviverá a essa operação, vocês devem, então, pensar com cuidado.’

‘Já pensei nisso. Irei vingar o sangue de minha família mesmo se eu for morto fazendo isso’, responde Al Rahman.

No dia da ação, após receber a bênção de sua tia, Al Rahman parte para a fronteira. Sua missão é atirar suas granadas, enquanto os demais militantes distraem a atenção dos soldados israelenses.

As imagens mostram Al Rahman esperando pela passagem do comboio militar. Ele ata, então, um cordão de granadas em volta da cintura. ‘Coloco minha esperança em Deus. Allahu Akbar [Deus é supremo, em árabe]’, são suas últimas palavras.

‘É um filme destinado a crianças. Foi passado de manhã, num horário em que sabemos que crianças assistem a desenhos’, disse à Folha Steven Stalinsky, diretor-executivo do Memri.

O vídeo foi apresentado pelo canal por satélite IRIB 3, de controle estatal. Segundo Stalinsky, o filme pôde ser visto por audiências no Irã e em todo o Oriente Médio, além do Sudeste Asiático e da Austrália.

‘Esse desenho foi feito especialmente para o Eid al Fitr [que marca o fim do Ramadã]’, disse Stalinsky. ‘Pegamos a transmissão uma só vez. Mas não sabemos quantas vezes foi veiculado. É um canal que passa cartoons anti-Ocidente o dia todo.’

‘Temos mais exemplares de teor semelhante, com visões anti-Ocidente e promovendo ataques suicidas’, afirmou.

A veiculação do filme coincide com declarações recentes do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, que defendeu que Israel seja ‘apagado do mapa’ por uma nova onda de ataques palestinos.

Ontem, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, cancelou uma viagem a Teerã prevista para meados de novembro por causa das afirmações.

‘O secretário-geral e o governo iraniano concordaram que esse não é um momento apropriado para uma viagem ao Irã’, disse a porta-voz Stephane Dujarric. om agências internacionais’