Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Giuliana Reginatto

‘Faltou coragem. Depois de muito alardear o beijo entre Júnior (Bruno Gagliasso) e Zeca (Erom Cordeiro), Glória Perez se rendeu ao conservadorismo global, que manda não tornar explícito carinhos ousados demais entre iguais. Enquanto isso, num quarto de hotel, o cantor Daniel se esfregava com as três breteiras … Qual das duas cenas terá, realmente, constrangido o telespectador? Não importa. Qualquer frustração com a falta de sal do último capítulo de América foi superada pelo telespectador quando a viúva Neuta (Eliane Giardini) apareceu no meio do baile de Boiadeiros de braços dados com o peão Dinho (Murilo Rosa). É verdade que a cena em que a festa toda pára de dançar para aplaudir o casal não é lá das mais verossímeis, mas valeu a intenção de guardar para os últimos segundos o fim feliz do casal mais carismático da novela. O clima de romance também foi parar na casa de Feitosa (Aílton Graça). Melhor que ver o reencontro entre ele e Islene (Paula Burlamaqui) foi se deliciar com o pedido de perdão que dona Diva (Neuza Borges), aos prantos, fez à ex-nora. Só não se sabe como é que Caetano Veloso aceitou aparecer em um casamento de periferia e dar uma canja na gafieira. Enquanto isso, em Miami, o filho de Sol (Deborah Secco) aparece andando (não era para ele ter apenas 5 meses?) no aeroporto para ver a deportação da mãe. Aliás, Sol enfim conseguiu sorrir no fim da novela, com Ed e seu filho vivendo com ela no Brasil. Tião, o herói, consagrou-se campeão em Barretos. E Glória Perez riu à toa: o capítulo final marcou média de 66 pontos (cada ponto corresponde a 52,3 mil domicílios da Grande São Paulo), deixando para trás todas as novelas das oito dos últimos anos: Senhora do Destino terminou em 60 pontos, Celebridade, em 63, e Mulheres Apaixonadas (2003), 62.’



Cristina Padiglione

‘Beijo frustrado aumenta vida útil de ‘América’’, copyright O Estado de S. Paulo, 7/11/05

‘Diz Aguinaldo Silva que não há nada mais velho que o capítulo da novela encerrada na véspera. A platéia, até ontem hipnotizada por um enredo que durava de seis a oito meses, finalmente se dá por alforriada com o happy end. Parte em busca de outra gente mal-resolvida e, batata, igualmente capaz de alcançar a redenção no último capítulo. Será? Depois que o tão anunciado beijo entre dois bons moços frustrou a audiência, cabe dizer que Belíssima estréia hoje sob o fantasma da novela velha. América, que desgraça, ainda ocupa a língua do povo. Faltou dar à platéia a tal da alforria.

A Globo nega que tenha havido censura, mas admite que ‘a não inclusão’ da versão com o beijo, e não ‘o corte’, foi uma decisão da direção da casa. Assim falou ao Estado o diretor da Central Globo de Comunicação, Luiz Erlanger. ‘Não houve sete versões do beijo, houve uma única versão’, afirma Glória Perez. A Globo chegou a divulgar que a cena com o beijo nem sequer havia sido escrita. ‘Ninguém aqui tomou ácido’, diz Glória Perez. ‘A cena foi escrita e foi gravada pelos atores’, endossa. Entre quinta e sexta-feira, a cena foi apresentada à ‘cúpula da casa’ e a direção ‘achou melhor não levar o beijo ao ar’, completa. Quem é ‘a cúpula?’, pergunto-lhe – ‘Octávio Florisbal, Mário Lúcio Vaz?’ A autora confirma, ‘é, Florisbal, Mário Lúcio, a cúpula’, responde. ‘Só quero deixar claro que nós não estamos questionando a decisão da direção da casa. Nós temos uma posição artística e a casa tem a posição dela, que nós respeitamos’, fala Glória.

Sim, a ‘casa’, explica Erlanger, sente-se orgulhosa em ter uma relação aberta com seus criadores e, se necessário, excluir alguma coisa quando ‘um conteúdo não está adequado ao horário, ou quando a linguagem não é compatível com as regras da direção’.

Vamos às regras: para que fazer oba-oba no Fantástico com beijo que não iria ao ar? O programa ‘da casa’, no domingo anterior, cometeu a heresia de citar Nelson Rodrigues e seu Beijo no Asfalto, com dicas de Ney Latorraca aos novatos Bruno Gagliasso e Erom Cordeiro. Sem uma Nazaré (Renata Sorrah/ Senhora do Destino) ou Laura (Claudia Abreu/Celebridade), a expectativa pelo beijo gay era a grande arma para seduzir o ibope. Bingo. O capítulo bateu nos 70 pontos, superando todos os finais dos últimos dez anos.

Calçada no espiritismo, capaz de operar milagres na ficção, a autora se eximiu de explicar por que a mocinha não ficou com o galã. ‘Alguns amores se resolvem em dias, outros, em anos, e outros, em várias vidas’, sustentou o médium de Flávio Migliaccio. Quem sabe eles fiquem juntos numa outra novela? Melhor não. Não convém remexer no carma dessa gente.’



Laura Mattos e Thiago Ney

‘Sem beijo, fim de ‘América’ revolta gays’, copyright Folha de S. Paulo, 5/11/05

‘Prometido pela autora Glória Perez, o beijo gay não foi exibido no último capítulo de ‘América’, ontem na Globo, o que revoltou a comunidade homossexual.

A novela mostrou apenas uma aproximação entre os atores Bruno Gagliasso (Júnior) e Erom Cordeiro (Zeca). Nem ‘selinho’ entre eles foi ao ar, enquanto vários casais héteros se beijaram (a tomada da reconciliação entre Islene/Paula Burlamaqui e Feitosa/ Ailton Graça mostrou até língua).

Luis Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação, nega que a emissora cortou a cena. ‘Não foi gravado o beijo. Não estava no roteiro. Se querem saber por que não, perguntem para a autora.’

Glória Perez deu entrevistas afirmando que o beijo seria mostrado com ‘delicadeza’, e o ator Erom Cordeiro confirmou que a cena fora gravada na segunda.

Ontem, várias mensagens foram postadas na página de Glória no Orkut. ‘Glória Perez vergonha nacional’; ‘Por que diabos vetou o beijo?’, ‘Você merece um processo por propaganda enganosa’, ‘Não acredito que fiquei até agora vendo essa patacoada por nada’, ‘Onde está o grande passo da teledramaturgia brasileira?’

O grupo Arco-Íris (Parada do Orgulho GLBT do Rio) recebeu ontem várias manifestações que repetiam palavras como ‘fraude’, ‘vergonha’ e ‘decepção’.

‘A comunidade está muito decepcionada. Está claro que a autora utilizou essa história como marketing’, afirmou Márcio Caetano, diretor financeiro do grupo.

André Fischer, autor da coluna GLS da Revista da Folha, se disse ‘perplexo’. ‘Que vexame, é inacreditável. Reforça o preconceito.’ Marcelo Cerqueira, presidente do Grupo Gay da Bahia, acusou a autora de ser ‘muito conservadora’. ‘Ela perdeu a oportunidade de mostrar que os gays são tão normais quanto os héteros. Acho que esse beijo nunca vai acontecer no horário nobre da Globo.’

A única mensagem postada pela autora no Orkut ao fim do capítulo se limitava a comemorar a audiência: ‘Batemos todos os recordes!’ (cada ponto equivale a 52,3 mil domicílios na Grande SP). Segundo a Central Globo de Comunicação, a média foi de 66, com 82% de audiência dentre as TVs ligadas. A antecessora, ‘Senhora do Destino’, teve 60 com 83%.’



Laura Mattos

‘Cúpula da Globo cortou beijo gay, diz Glória Perez ‘, copyright Folha de S. Paulo, 6/11/05

‘A autora Glória Perez afirmou ontem à Folha que a cena do beijo gay do último capítulo de ‘América’ foi ‘cortada pela Globo’ por decisão da ‘alta direção’ do canal.

Luís Erlanger, diretor da Central Globo de Comunicação, havia negado à Folha na noite de sexta que a emissora tivesse cortado e dito que quem deveria responder sobre a não-exibição era Glória.

A autora contesta: ‘Eu não cortei a cena do beijo coisa nenhuma. Eu fiz a cena, ela foi realizada e a casa cortou, considerou que não devia ir até o fim e deixou só aquele pedaço’, afirmou Glória.

A autora disse ter ficado ‘perplexa’ com a declaração de Erlanger e ‘frustrada’ com o corte.

‘Eu e o Marcos [Schechtman, diretor da novela] tivemos duas reuniões com a cúpula e defendemos a cena até o final. Não sou maluca, divulguei que o beijo ia sair. Está na hora de ser mostrado. O beijo tinha aceitação. Não vou carregar isso. É injusto.’

Ontem, Erlanger negou novamente o corte pela emissora: ‘Não houve cena cortada. No capítulo que foi entregue, não tinha essa gravação. E, se tivesse [a cena], e a Globo julgasse que deveria cortar, cortaria, como corta tudo o que acha que não é pertinente.’

Revoltados com o último capítulo, grupos da comunidade homossexual preparam um ‘beijaço’, nesta terça-feira, em Brasília, durante o Encontro Brasileiro de Gays, Lésbicas e Transgêneros.

Leia abaixo a entrevista concedida por Glória ontem à Folha.

PERPLEXA

Fiquei perplexa quando eu li [a declaração do Erlanger], porque eu e o Marquinhos [Marcos Schechtman, diretor da novela] tivemos duas reuniões [com a cúpula da TV] e ficamos defendendo a cena do beijo até o final. Ela foi feita, está lá no capítulo, pode ligar para o Bruno Gagliasso e o outro ator. Eu não sou maluca, divulguei que o beijo ia sair.

OUSADA

É óbvio que a direção da emissora tem de pensar de um jeito que não é o meu. Sou escritora, faço a história do jeito que é mais bacana. Acho que é uma ousadia, que está na hora de o beijo ser mostrado. Recebi e-mails e me surpreendi porque os heterossexuais queriam, o beijo tinha uma aceitação total. Talvez a casa tenha se impressionado com a pesquisa que fizeram no site Globo.com que dizia que o povo não queria o beijo. Não sei se foi isso.

CENA GRAVADA

Pelo amor de Deus, eu não vou carregar isso. Fiz o beijo e fui lá defendê-lo até o fim. E, se teve esse pedaço que passou, foi por mim e pelo Marcos Schechtman, que brigamos até o fim para ir alguma coisa ao ar. A cena foi gravada e não tinha opção nenhuma para ela, só que foi gravada até o fim e foi exibido só um pedaço.

REUNIÃO DA CÚPULA

Na sexta-feira, diante da repercussão e das pessoas pressionando, dizendo que não queriam o beijo, nós fomos chamados para mostrar a cena para a alta direção da casa, que viu e resolveu cortar um pedaço, o final. Eu não posso ficar dando essas informações [sobre quem estava na reunião], porque é chato, mas acho que vocês deveriam se dirigir à direção da emissora e perguntar por que a cena não foi exibida. Eu não posso ficar carregando isso. Acho uma suprema injustiça abrir a internet e ler que fui eu que desisti do beijo. Briguei até o fim pelo beijo. Se aquele pedaço foi ao ar, foi porque briguei bravamente até o fim.

CONVENIENTE

A Globo nem me falou que era pressão. Foi um posicionamento da emissora, e tratei de defender o beijo. É claro que a emissora tem uma outra visão, vai considerar o público dela, analisar se aquilo é prejudicial ou não. Eu nem sequer perguntei, mas fiquei defendendo o beijo. Foram dois dias de defesa. Não é justo botar a responsabilidade na gente. Fizemos, e a casa decidiu que não era conveniente.

PROTESTO

O protesto dos gays fica em cima de mim, e não tenho culpa. Escrevi a toda a diretoria para que retirem a informação. Não é justo. Espero que os grupos protestem contra a casa, não contra mim.

FRUSTRAÇÃO

Claro que fiquei frustrada. O beijo seria um desfecho natural de uma história suave. É por isso que o público inteiro entendeu e queria o beijo. Eu tentei. Isso é que quero que os gays saibam.’



BANG BANG
Keila Jimenez

‘Autor é chamado para salvar faixa das 7 ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 5/11/05

‘João Emanuel Carneiro e Wolf Maya foram recrutados às pressas para tentar resgatar o ibope das 7 na Globo, que está aquém das expectativas com Bang Bang. O autor recebeu carta branca para escalar o elenco rapidinho e começar a produção do folhetim.

Autor e diretor foram convocados quase um mês antes do que estava previsto, indício de que Bang Bang dará adeus à telinha mais cedo que o previsto. A trama vem registrando médias abaixo dos 30 pontos e enfrenta a concorrência do novo folhetim da Record, Prova de Amor.’



Bia Abramo

‘Falta um propósito a ‘Bang Bang’ ‘, copyright Folha de S. Paulo, 6/11/05

‘Os bastidores das novelas estão, eles mesmos, fornecendo tramas dramáticas às vezes mais interessantes dos que as da ficção. ‘Bang Bang’ nem bem estreou, cercadíssima de expectativa, e já passou pelo afastamento do seu principal autor, Mario Prata, e por uma mudança brusca de seus motivos iniciais, a reconstrução mítica do universo dos faroestes.

Tem se tornado uma espécie de praxe -em ‘América’, o diretor foi quem caiu fora poucas semanas após o início da trama- a tentativa de correção de rumos em um momento bastante inicial das novelas. E é de perguntar por que, em se tratando de um produto tão caro quanto novela, se espera o teste da audiência para serem tomadas atitudes tão radicais quanto a substituição de um diretor ou de um autor.

Claro, o negócio de produzir bens simbólicos não é, ainda bem, completamente preciso. Por mais manipulável que seja o gosto dos espectadores, há uma margem sempre indomável do subjetivo. Ou seja, há um imponderável na recepção de qualquer projeto de ficção -mesmo que seja uma obra ‘aberta’ como uma novela.

Mas, ainda assim, deve haver algumas maneiras de pressupor a eficiência, ou não, de um roteiro antes ainda que ele comece a ser produzido e muito antes de ir para o ar.

Em ‘Bang Bang’, o ‘culpado’ oficial foi a referência aos filmes de bangue-bangue, que seriam muito específicas e distantes do universo cultural da audiência de novelas.

Será que isso importa, de fato, a um audiência que vem se acostumando a passos largos com a inverosimilhança e a incoerência?

Se o universo mítico do faroeste não faz sentido, o que dizer dos vampiros, que volta e meia servem de mote em novelas das sete? Ou de grupos étnicos fechados como o dos ciganos? E os melodramas latinos do SBT, que muita vezes se passam em tempos e espaços míticos -mais indefinidos, por certo, mas também construídos a partir de referências não-familiares?

O que parece ter faltado a ‘Bang Bang’ é um propósito a isso tudo, ou seja, para que esse Velho Oeste foi escolhido como cenário? Aparentemente, para fazer algumas piadas, parodiar o diretor americano Quentin Tarantino em ‘Kill Bill’ e contar uma historinha convencional…

A pergunta é ainda mais pertinente -e melancólica, em certo sentido- quando se recorda que Mario Prata foi o autor de ‘Estúpido Cupido’, uma novela que soube utilizar lindamente um período histórico como metáfora. Era 1976, a ditadura militar começava a mostrar suas rachaduras e o deslocamento da ação para o início do anos 60 permitiu que se tratasse de questões como a rebeldia contra o conservadorismo e o autoritarismo -que estavam na ordem do dia àquela época- de forma mais solta e eficaz do que se se fizesse uma novela contemporânea.’