Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Tudo por dinheiro

Enquanto prevalecer a compreensão de que o ganho financeiro é o principal dispositivo de orientação de um veículo de comunicação, assistiremos ao esvaziamento da credibilidade não apenas das empresas jornalísticas, como das instituições que fornecem a base da sociedade democrática, tais como a Justiça e a Política. Essa noção, inspirada pelos textos do teórico português João Pissarra Esteves, é muito adequada para pensar o papel dos meios de comunicação na (de)formação ética da sociedade.

Pissarra Esteves entende que a Opinião Pública contemporânea é a ‘opinião’ de indivíduos isolados não fisicamente, mas espiritualmente. Não há, assim, identidade naquilo que chama ‘massa’. Há, isso sim, a sujeição a dispositivos midiáticos. Esses dispositivos são controlados por empresas. Logo, a comunicação, o uso do arranjo de língua e linguagem na formulação da subjetividade, está indelevelmente influenciada pela chamada ‘filosofia’ empresarial.

Esse uso não tem se mostrado correto. A práxis midiática corre no sentido da perlocução, inclusive o jornalismo. A estratégia informacional é exercer um efeito emocionalmente envolvente e pilhar o sujeito do senso de uma formulação subjetiva para instaurar uma simulação identitária em que não há nem individualidade nem mesmo sequer subjetividade. Em outros termos, controlando seu comportamento e, indo além, sua definição subjetiva.

Fatos? Para quê?

O caso Isabella Nardoni é um bom exemplo de como isso funciona. A mídia aposta no sensacionalismo, incita reações com informações duvidosas e, pior, faz da Justiça o cenário de um espetáculo cinematográfico dantesco. Audiência se ganha desse jeito. Com ela, vêm os anunciantes, cresce o faturamento, essas coisas.

O fato não importa. Notícias são produzidas não sobre fatos, mas sobre afirmações de advogados, juras de justiça de promotores, conclusões imprecisas de policiais, entrevistas de suspeitos etc. Tudo se transforma numa telenovela. Não há investigação e não há qualquer proposta aparente além do aumento do faturamento pela via da comoção folhetinesca. Não se formam pessoas nem cidadãos. Pelo contrário. Para a mídia, não existem indivíduos nem identidades, apenas uma massa quantificável.

Sem ética, não há sociedade

Isso deve ser veementemente questionado. O compromisso de um veículo de comunicação não pode se resumir a amealhar audiência ou a elevar o lucro. A natureza do serviço de transmissão de informações ao público tem que ir além disso e assumir uma postura ética. Pelo menos se levarmos em conta seu caráter de serviço público. Acima do interesse localizado está, certamente, o coletivo.

Adela Cortina, professora da Universidade de Valência e diretora da Fundação para a Ética nos Negócios, diz que a gestão ética das empresas se converteu em algo fundamental para fazer com que um projeto social perdure. Adela entende que as empresas têm buscado apenas resultados de curto prazo e isso é algo que deve mudar se queremos que as pessoas se comportem de modo ético.

Para uma empresa de comunicação, essas palavras têm um valor inestimável. Afinal, são elas as principais articuladoras de preceitos que formam ou deformam a subjetividade do cidadão. Agindo prioritariamente com a inspiração do lucro, dão um péssimo exemplo. Incitam a uma forma de vida sem civilidade, à barbárie da lei do ‘tudo por dinheiro’. A curto prazo, parece tentadora essa esfaimada obsessão por audiência e ganho financeiro. A longo prazo, os resultados poderão ser terríveis: sem ética, não há sociedade possível.

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Jornalista