Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Colunista inglesa condena cobertura intensiva

A morte do papa João Paulo 2º rendeu 10 vezes mais notícias que a reeleição do presidente americano George W. Bush, de acordo com o Global Language Monitor, que vasculha a internet à procura de palavras específicas.

Nas 24 horas após a morte do pontífice, a organização localizou 35 mil matérias a respeito na rede e em bases de dados como o Lexis Nexis, que inclui transcrições de programas de TV. Quando foi descido à sepultura, já eram 100 mil artigos, mais do que gerou o tsunami na Ásia. No dia em que Bush derrotou John Kerry, foram localizadas cerca de 3.500 notas, segundo a AP [5/4/05]. O circo da mídia literalmente se mudou para o Vaticano. Grandes emissoras como CNN e BBC alugaram cômodos dentro da cidade-estado para transmitir o evento de adeus ao líder católico.

Em meio à gigantesca cobertura dos veículos de comunicação, para alguns pouco crítica e exagerada, aos poucos levantam-se vozes de protesto contra a ‘comoção mundial’ que a mídia quis impor ao público. Uma das pessoas que nadou contra a corrente foi a polêmica colunista Polly Toynbee, do Guardian [8/4/05]. Em extenso artigo, ela protesta contra a presença do premiê britânico Tony Blair em Roma, questionando como ele se atreve a, em nome de todos os britânicos, fazer honras a um homem que ‘matou milhões’ com seus editos. ‘Os milhões que foram a Roma não significam que o catolicismo está ressurgindo. Os devotos estão ali, mas esse é essencialmente um ‘momento princesa Diana’’, escreve, concluindo que ‘essas pessoas estavam, em sua maioria, querendo participar de um evento que poderiam contar a seus netos’. ‘Coisas desse tipo são estimuladas pelo exagero e insistência da televisão, que enfatiza uns poucos histéricos chorando’.

‘Na Europa, a assiduidade às igrejas está despencando, mesmo no coração do catolicismo reacionário, a Polônia. Aqui (no Reino Unido), os jovens não têm idéia das mais básicas histórias cristãs’, comenta Polly, citando uma pesquisa recente segundo a qual metade dos britânicos não sabe o que significa a Páscoa. O Vaticano ‘é uma força moderna e potente para a crueldade e a hipocrisia. (…) George Bush pode rezar tranqüilamente ao lado do corpo do homem que criticou a guerra do Iraque e a pena de morte, já que isso nunca teve importância porque o papa nunca transformou esse assunto em algo sério ou mandou que a igreja nos EUA tomasse alguma atitude. (…) Se o Vaticano tivesse aprendido alguma coisa sobre humanidade, meditaria humildemente sobre os 4.450 clérigos católicos acusados de molestar crianças apenas nos EUA’.

A cerimônia de enterro, segundo a colunista, tentou aliviar ‘outro papa cuja fé obscurantista causou sofrimento inútil. Que ele estivesse obedecendo ordens superiores não é desculpa. (…)’. Roma seria o palco da reunião ‘de mulás, rabinos e de todas as outras fés medievais que crescentemente conspiram contra a modernidade. Grupos islâmicos têm alertado de forma enfática que o Vaticano deve se manter firme contra influências liberais no que diz respeito à homossexualidade, aborto, contracepção e ordenação de mulheres. O que acontece com as religiões, que todas elas se unem quando se trata de sexo? Sempre expressam desprezo pelo corpo da mulher, o que conduz à necessidade de suprimi-la totalmente.(…)’

‘Desgraçadamente, os ricos europeus ignoram os bizarros ensinamentos sobre contracepção da Igreja e não se rebelam para ajudar os pobres do Terceiro Mundo’, pondera Polly. ‘Estes católicos ‘civilizados’ têm tanto sangue nas mãos quanto o Vaticano que apóiam’.