Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O assassinato e a redemocratização

[do release da editora]


O ocaso da ditadura – o caso Herzog não é mais um livro sobre a tortura e a morte do jornalista Vladimir Herzog. Com base em intensa pesquisa, entrevistas e estudos empreendidos sobre os últimos 30 anos, o historiador Mário Sérgio de Moraes traz informações inéditas e demonstra a importância da reação ao assassinato do jornalista para o processo de redemocratização do Brasil e retomada do conceito de cidadania. Apresentado originalmente como tese de doutorado em História Social pela Universidade São Paulo, o livro será lançado dia 22 de novembro, a partir das 19 horas, na Livraria Martins Fontes, à Alameda Jaú, 1742, em São Paulo.


Primeira obra produzida por um historiador sobre o Caso Herzog, o livro de Mário Sérgio de Moraes lança o olhar para o papel de outros atores e protagonistas do movimento que culminou no processo de redemocratização do país. ‘Havia duas redes sociais democráticas na cidade de São Paulo: a da periferia, coordenada pela Igreja Católica progressista; e a principal, da classe média intelectualizada. O Caso Herzog foi o catalisador destes movimentos sociais’, conta o autor.


Doutor em História Social, pesquisador do Grupo Laboratório de Estudos sobre a Intolerância ( USP) e professor titular em Cultura Brasileira da Universidade de Mogi das Cruzes e de Realidade Brasileira na Faap, Mário Sérgio é irmão do juiz Márcio José de Moraes, responsável pelo parecer favorável à ação declaratória promovida pela viúva Clarice Herzog e os filhos de Vlado, em 1976, contra o Estado – uma decisão até então inédita na jurisprudência brasileira e que abriu caminho para que outros familiares de desaparecidos e presos políticos também ingressassem na Justiça pedindo explicações por violências praticadas.


Desde o começo do governo Geisel o autor colecionou vasta documentação – jornais, periódicos clandestinos, folhetos, charges, livros, letras de música, artigos etc. – para manter a memória sobre 1975. ‘A minha preocupação, já naquele momento, era não somente documentar os crimes, mas ficar atento a um possível futuro de esquecimento dos fatos fundamentais, de supressão dos vestígios autoritários, por parte dos grupos sociais que apoiaram tantas atrocidades.’


Entre as revelações, ele ressalta o isolamento, o temor, a opressão e as dificuldades que a oposição e a sociedade enfrentavam na época. Nos primeiros dias após o assassinato do jornalista, nenhum sindicato operário, nem mesmo o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, então presidido por Luiz Inácio Lula da Silva, manifestou solidariedade. Dos 23 Sindicatos de Jornalistas existentes na época no país, apenas seis apoiaram a movimentação em São Paulo.


Sementes da redemocratização


No prefácio, o historiador professor Francisco Carlos Teixeira da Silva, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ressalta a coragem da decisão de escrever o livro e comenta a soma de todas as condições que contribuíram para o destino de Vlado:




‘A história do tempo presente – de recorte político, de viés antropológico, com ferramentas tomadas à psicologia e à sociologia – foi uma resposta a esta aniquilação estruturalista do homem na história. Muitos – e este é aqui o caso de Vladimir Herzog – várias vezes pegos de surpresa pelas circunstâncias da história, de sua história e da história de milhares de outros homens. Judeu, progressista, anti-fascista, europeu e brasileiro somava, em todas estas circunstâncias, uma incorrigível vocação à resistência contra a opressão e a injustiça social. Vlado se encontrou com tudo aquilo que era, por sua própria natureza, o contrário das circunstâncias de um homem livre.’


O culto ecumênico realizado na Catedral da Sé, em de outubro de 1975, considerado a primeira grande manifestação de repúdio à ditadura militar pós AI-5, também é relembrado como um marco, e da mesma forma, a influência de D. Paulo Evaristo Arns:




‘O ódio principal dos militares era dirigido principalmente contra o discurso dos Direitos Humanos, na figura de D. Paulo. Ele era acusado pelos interrogadores de ser o agente da subversão.’


Por outro lado, os agentes de segurança acusavam o governo e diziam que se o presidente Geisel insistisse na distensão seria derrubado.


Com esses e muitos outros fatos, a obra remonta o momento histórico em torno deste emblemático episódio envolvendo a morte do jornalista e a reconstrução do processo de mobilização pela democratização do Brasil desde sua fase germinal. O caso e o seu contexto histórico-social são abordados de maneira precisa e diferenciada. Portanto, não se trata de mais um livro sobre o caso Herzog, mas de um retrato de toda a mobilização gerada neste período.


Os capítulos


No primeiro capítulo, intitulado ‘Vladimir Herzog e a informação democrática’, há uma contextualização histórica das forças sociais em jogo, mostrando a abertura como fruto da crise do modelo econômico, as eleições de 1974, a atuação do MDB, o papel da imprensa como o campo de visibilidade da luta e a ação dos jornalistas que criticavam a abertura proposta pela ditadura. E, neste quadro social, o autor reconstitui a trajetória intelectual de um dos personagens principais, Vladimir Herzog, e sua concepção sobre a informação pública.


No segundo capítulo, ‘A ação desesperada dos militares’, ele expõe o que foi a Operação Jacarta, com a campanha de perseguições políticas sobre o Partido Comunista Brasileiro e a ‘caça às bruxas’ dentro da Policia Militar de São Paulo, que culminou com a morte do tenente José Ferreira de Almeida. Depois, a repressão generalizada sobre diversos grupos da sociedade civil e a morte de Vladimir Herzog.


No terceiro capítulo, aparecem as ‘redes democráticas’ e os novos personagens sociais que surgiram, organizados ou não. Apresentando seus respectivos discursos. O papel da Igreja progressista em São Paulo e a influência das idéias da ‘frente ampla’, propugnada pelo Partido Comunista Brasileiro, sobre outros grupos sociais. Mário Sérgio enfatiza a mobilização da sociedade no Caso Herzog e defende a tese que ela foi fruto da construção de redes de solidariedade, nascidas na periferia da cidade de São Paulo e nos setores intelectualizados da classe média.


No quarto capítulo, ‘As representações da cidadania’, ele evidencia como tal conceito renasceu, ampliou-se e se multiplicou com diferentes conotações na morte do jornalista. No quinto capítulo, ‘A sentença democrática’, analisa como o crime repercutiu dentro do Poder Judiciário e seu sentido na sociedade brasileira.


Na conclusão, ‘Os sentidos da tolerância e da cidadania’, o foco é o tema da Tolerância relacionado ao conceito da Cidadania e Direitos Humanos. E da tortura numa linha retrospectiva e prospectiva para responder qual conceito de Cidadania foi hegemônico na luta de classes sociais, seu alcance e suas potencialidades.