[Do release da editora]
‘Primeiro, eu não sou senhora, ô menino. Depois, não tenho medo deles não. Eu sei o que estou fazendo. Quero que eles saiam daí. Não sou eu que tenho que abandonar a minha casa. Não sou nenhuma fugitiva’.
Aos 80 anos, Dona Vitória – quem não se lembra? – filmou da janela de sua casa a ação de traficantes em Copacabana, no Rio de Janeiro. Sua audácia e indignação foram responsáveis pela prisão de 32 criminosos, entre eles nove policiais militares. Mas também quase lhe custaram a vida. Desde a denúncia, ela vive sob a guarda do Programa de Proteção à Testemunha. Nem mesmo ter sua vida roubada (ela teve de vender seu apartamento e perdeu os poucos mas fiéis clientes de massagem) fez com que a aposentada esmorecesse. A saga de Dona Vitória ganhou repercussão internacional, atravessou continentes e mereceu destaque em jornais como El País, da Espanha, Le Monde, da França, El Clarín, da Argentina, e The Independent, da Inglaterra.
Impressionaram o mundo a coragem de uma idosa que passou dois anos filmando bandidos com uma câmera comprada em 12 prestações, que produziu um documentário inédito da violência urbana. Tudo isso para tentar provar às autoridades as denúncias que vinha fazendo. Dona Vitória não teve qualquer resposta.
Porém, as mais de 33 horas de gravações em fitas VHS chegaram às mãos do jornalista Fábio Gusmão, do Extra. Do cuidado com a segurança de Dona Vitória surgiu a amizade com aquela que no início era apenas uma fonte. Durante um ano, os dois tiveram inúmeros encontros no apartamento da aposentada, regados a cafezinho, biscoitos recheados e amendoins temperados. Mais do que mostrar sua cruzada solitária contra os traficantes, Dona Vitória contou detalhes de sua vida, de seu passado e como havia chegado até Copacabana. Lembrou com emoção de sua infância pobre no interior de Alagoas, da violência sexual que sofreu e da dor de perder a filha que teve com o coronel que a violentou. Foi após percorrer várias cidades de trem e a pé em busca de emprego que surgiu uma oportunidade para morar no Rio, a cidade de seus sonhos. Mas Dona Vitória não poderia imaginar que a Cidade Maravilhosa se transformaria na cidade de seus pesadelos.
Para entender de onde Dona Vitória tirou coragem é preciso conhecer a vida dessa mulher contada com riqueza de detalhes por Fábio Gusmão. O livro reproduz ainda, pela primeira vez, as cartas que a idosa enviou à polícia, ao prefeito e à governadora. Dona Vitória mostrou garra para enfrentar a corrupção policial e o narcotráfico. Gusmão teve o cuidado de não trocar a segurança de sua fonte por uma grande reportagem. Juntos, eles dão rara lição de ética e comprometimento com o sentido mais radical da palavra ‘cidadania’.
Fábio Gusmão nasceu no Rio de Janeiro em 1976. Formado em Comunicação Social, estagiou e trabalhou nos principais jornais que cobrem o lado mais doloroso da vida urbana carioca: O Povo, O Fluminense, A Notícia e Extra, onde atualmente é repórter. Ganhou importantes prêmios jornalísticos com a reportagem com a série ‘Janela indiscreta’, que contava o drama de Dona Vitória. Entre eles estão Esso de Reportagem, Embratel de Jornalismo, Tim Lopes de Jornalismo Investigativo (do movimento Rio de Combate ao Crime, Vladimir Herzog (menção honrosa) e Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo, do Rio Grande do Sul, todos em 2005.